Cantora não quer o compromisso de fazer shows e tece crítica ao cenário atual da música brasileira
Roberta Pennafort
Faz um mês que Nana Caymmi anunciou, no palco, que iria parar de cantar e se recolher em Pequeri, cidadezinha mineira de sua mãe. Mas ontem ela fez show em Belo Horizonte, com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e Wagner Tiso ao piano, que se repete hoje. Sábado, será no HSBC Brasil. Dia 11, chega a Belém, com os irmãos Dori e Danilo. No dia 31, a Florianópolis. De 15 a 17 de junho, a Buenos Aires. No segundo semestre, negocia datas no Nordeste.
E então, vai parar ou não vai? "Tem três anos que eu falo isso! Sou igual ao Silvio Caldas", ela brinca. "Eu fiz esse show no Vivo Rio (o do anúncio) porque uma empresa de São Paulo comprou. Comecei a negociar em dezembro, não entro em bilheteria. Ninguém achou que fosse ser aquele tumulto, todo mundo disputando ingresso, os amigos me pedindo. Em São Paulo vai ser a mesma loucura. E eu vou me rasgar? Que nada, eu vou é sentar e comer meu salaminho!"
De roupa de ficar em casa e a língua aguçada de toda hora, Nana recebeu o Estado na sala de seu apartamento, no Alto Leblon. Sobre uma poltrona, a mala de viagem aberta, onde entrariam as roupas de show. O filho, João Gilberto, passava para lá e para cá. Ele tem 45 anos e precisa de atenção permanente desde que sofreu um acidente de moto que afetou seu cérebro, em 1989.
"Minha vida se resume a ele, é como se fosse uma criança. Quero ir para Pequeri também por isso. É um lugar que eu amo e onde ele tem qualidade de vida. Todos reverenciam o neto de Dorival Caymmi e Stella Maris", explica a cantora, 71 anos completados domingo.
A cidade fica "só a duas e meia do Rio", de modo que ela vai poder ir e voltar. É essa a intenção. Nana não pretende parar de gravar, só não quer ter a obrigação de fazer shows. A falta de palcos na cidade a desencoraja.
"O Vivo Rio pegou a programação do Teatro Municipal, que está fechado. O (teatro) Tom Jobim é pequeno, não dá nem para pagar o meu papel higiênico. Se querem que eu arque com a bilheteria, eu não vou. Tenho que dar 50% pro cara e pagar os músicos! Antigamente, tinha a gravadora por trás; agora, não."
O cenário atual da MPB também a desanima. "Tenho um disco de ouro, enquanto quilos e quilos de merda têm de diamante, de rubi", descarrega. "Na minha idade, ter que fazer e desfazer mala, e fazer outra? Não quero ter mais equipe, obrigação. Vou ser freelancer. A música não é mais a mesma. Você viu algum sucesso no CD do Chico (Buarque)? Eu sou do tempo do Olé Olá, você ouvia e já saía cantando. Eu assisto ao TV Fama (programa de fofoca da Rede TV!) para ver até que ponto essa pobreza pode chegar. Não quero fazer parte dessa mediocridade. Dizer para mim que eu faço parte dessa fauna, dessa Pestalozzi, não! Sempre teve música boa e ruim, mas agora é só a ruim, com raríssimas exceções. A MPB que presta está velha, não quer mais fazer show e tomar surra de aeroporto. Não quero mais sentar em cadeira de avião onde não cabe a minha bunda."
Ela ainda planeja registrar os lados B de Tom Jobim, não contemplados pelas regravações porque "não dão ibope", e músicas de Caymmi praticamente inéditas que só ela conhece - melodias cujos originais estão com a família, e letras de que se recorda de ouvir o pai cantar.
Para a próxima novela da amiga Glória Perez, está encarregada de achar uma nova música de arrebentar corações. "Ela quer outra Resposta ao Tempo", diz, lembrando o grande sucesso que, em 1998, lhe deu os maiores números dos 50 anos de carreira. "Eu também quero outra Hilda Furacão", emenda, lembrando a minissérie, escrita por Glória, que alavancou a faixa.
"Sou capaz de gravar um CD para colocar a música. Eu me mato de felicidade no estúdio. Quero poupar a voz, ir para onde não tem poluição. Ela está cada dia melhor, e quero que dure, mesmo que não para o público. O pintor não pinta só se alguém vir."
FONTE: CADERNO 2/ O ESTDO DE S. PAULO
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