O governo Dilma Rousseff está em busca de uma bandeira para chamar de sua. A candidata da hora é a redução dos juros. O problema é que, nos últimos nove anos, as gestões petistas se comportaram como francas usurárias, praticando as maiores taxas do planeta. Não adianta, agora, a presidente querer posar de mocinha.
Todo mundo quer juros mais baixos. A questão é que não é possível baixá-los apenas na vontade, no grito, na marra, como Dilma tenta fazer. São necessárias medidas, projetos, ações, que o governo até agora não tomou. Na base da machadada, a despeito de todo o gogó da presidente, os juros não cairão como precisam.
À frente de um governo ora insosso, ora mergulhado em denúncias de corrupção nestes seus 16 meses de existência, tudo o que Dilma mais sonhava era com a bola levantada pela Febraban no início de abril. Desde a fatídica declaração de Murilo Portugal, a presidente ganhou um mote: bater, dia sim, dia também, nos juros e nos bancos.
O ápice, pelo menos até agora, foi catapultar a taxa Selic à condição de tema central do discurso presidencial transmitido em cadeia nacional por ocasião do Dia do Trabalho. Inusitadamente, os juros dominaram a maior parte dos mais de sete minutos da fala de Dilma no 1° de maio, numa espécie de propaganda enganosa e extemporânea.
No trecho mais comentado, a presidente da República disse: "O setor financeiro não tem como explicar essa lógica perversa aos brasileiros. A Selic baixa, a inflação permanece estável, mas os juros do cheque especial, das prestações ou do cartão de credito não diminuem."
Mas o que o governo fez até agora para quebrar tal "lógica perversa"? A taxa Selic vem caindo desde agosto, é verdade, mas ainda se mantém como a segunda mais alta do mundo em termos reais, ou seja, descontada a inflação - só na Rússia cobra-se mais dos tomadores de crédito. O primeiro a praticar a usura é, portanto, o próprio governo.
O governo é, também, o responsável-mor pelos bancos serem tão acomodados nas taxas que cobram na concessão de crédito: o Tesouro Nacional tem R$ 1,9 trilhão em títulos no mercado, ou seja, valor quase igual aos R$ 2,1 trilhões do estoque geral de crédito no país.
"Se têm à sua disposição um devedor que paga bem e no mole; se esses financiamentos não oferecem risco de crédito; e se não acarretam custos operacionais relevantes de financiamento; por qual motivo os bancos têm de dar melhores condições para conquistar clientes?", comenta Celso Ming na edição de hoje d'O Estado de S.Paulo.
O tremendo endividamento público está, portanto, na raiz dos juros escorchantes praticados no Brasil - que chegam a quase 240% ao ano nas operações de cartão de crédito. Como o gasto do governo cresce sem parar, os bancos não têm a menor preocupação em diversificar suas operações, e o espaço para uma queda maior dos juros acaba ficando reduzido.
Se quer apelar para o voluntarismo, a presidente poderia, por exemplo, mandar sua equipe econômica baixar os juros que cobra de estados e municípios pela dívida refinanciada no fim dos anos 1990. O pleito é justo, liberaria dinheiro para investimento e para a melhoria da vida da população. Mas o governo só aceita trocar seis por meia dúzia, enquanto concede, no balcão do BNDES, dinheiro baratinho para empresários amigos. Não é uma "lógica perversa"?
Se exige dos bancos que pratiquem uma correlação mais equilibrada entre o que cobram na concessão de crédito e o que pagam a seus investidores, o governo também poderia olhar para o FGTS. O dinheiro depositado nas contas dos trabalhadores é remunerado à menor taxa do mercado: inacreditáveis 3% ao ano. Por que não pagar mais aos empregados e também romper esta "lógica perversa"?
Não adianta o governo vir dizer que mandou seus dois maiores bancos públicos cortar as taxas de juros. Como os jornais se cansaram de mostrar nos últimos dias, a redução só foi boa pra poucos - e não "pra todos", como propagandeia o Banco do Brasil na TV. Só alguns têm conseguido pagar menos de fato; o grosso continua pendurado no cheque especial.
Na luta retórica do governo Dilma contra os juros, a primeira vítima real a tombar deverá ser a caderneta de poupança. Segundo a Folha de S.Paulo, hoje mesmo a equipe palaciana deve começar a implodir o modelo atual, diminuindo a remuneração dos depósitos. Atacar problemas como a alta tributação do crédito e adotar mecanismos que poderiam diminuir a inadimplência, como o cadastro positivo e a portabilidade de dívidas, nem pensar.
Dilma Rousseff percebeu que os efeitos de sua ilusória "faxina" desvaneceram no imaginário da população. Viu que era preciso erigir novos mitos para manter sua popularidade em alta. Com tanto banqueiro falastrão dando sopa por aí, foi fácil. O difícil será fazer os juros caírem a níveis realmente civilizados. Só com base na saliva e no marketing, eles continuarão perversamente onde estão.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
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