Celso de Mello aponta "utilização criminosa do aparelho de
Estado", e Dirceu é condenado por 8 votos a 2
André de Souza, Carolina Brígido
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem a condenação por
corrupção ativa do núcleo político do mensalão, formado pelo ex-ministro da
Casa Civil José Dirceu, pelo ex-presidente do PT José Genoino e pelo
ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Ontem, votaram o presidente da Corte,
Ayres Britto, e Celso de Mello.
Os dois aproveitaram seus votos para refutar as críticas de que o STF não
estaria conduzindo o julgamento de forma justa e imparcial. Para ambos, o
processo está repleto de provas de que Dirceu era o chefe do esquema. Dirceu
acabou condenado por 8 votos a 2; Genoino, por 9 a 1; e Delúbio, pela
unanimidade dos ministros. Também foram condenados pelo mesmo crime Marcos
Valério e outros quatro réus ligados a ele.
Para Celso de Mello, não há como aceitar o argumento das defesas de Dirceu e
Genoino de que ambos estavam só fazendo política, e não corrompendo deputados.
Segundo ele, os dois usaram a estrutura do governo para cometer crimes:
- Nem se diga que os réus, notadamente Dirceu e Genoino, limitaram-se a
desenvolver atividades políticas, o que tornava necessários os contatos
frequentemente mantidos com políticos e dirigentes partidários. O diálogo
institucional não autoriza a utilização criminosa do aparelho de Estado e a
utilização ilícita do aparato governamental em ordem a viabilizar a consecução
de objetivos inconfessáveis de práticas delituosas que transgridem a legislação
penal do Estado.
Ayres Britto ressaltou que Dirceu era o homem forte do governo Lula e tinha
como tarefa montar a base:
- À medida que prosseguia nas respostas às perguntas da magistrada que o
interrogava, ele (Dirceu) foi deixando claro que era de fato o
primeiro-ministro do governo. Tudo passava pelas mãos dele. Ele foi coordenador
da campanha, foi o comandante da transição. No governo que se instaurou, ele
foi o chefe da Casa Civil, mas era plenipotenciário. Ele dizia: "Eu me
reunia com praticamente todos os partidos para formar a base". (...) E, no
caso, a Suprema Corte assentou que as alianças foram feitas argentariamente.
Para Ayres Britto, o chamado núcleo político não tinha projeto de governo,
mas de poder:
- Com a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto
de poder foi arquitetado. Não de governo, porque projeto de governo é lícito,
mas um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado,
muito mais de continuidade administrativa. É continuísmo governamental. Golpe,
portanto, nesse conteúdo da democracia, que é o republicanismo, que postula
renovação dos quadros de dirigentes.
Segundo Celso de Mello, os corruptores eram "dirigentes capazes de
perpetrar delitos infamantes", "arrogantes" e tinham "senso
de impunibilidade". Também disse que os "agentes perpetradores das
práticas criminosas" não tinham escrúpulos, tinham "avidez pelo
poder", e agiram sem "integridade, honra, decência e respeito aos
valores da República". Celso também ressaltou que as migrações de
deputados para partidos da base, aliada em troca de pagamento de propina do
valerioduto, foram "grave desvio ético-político".
Ayres Britto ressaltou que a formação de alianças entre os partidos é
natural na política brasileira. O problema é a forma como o PT fez isso:
- O que é estranhável neste caso é a formação argentária, pecuniarizada de
alianças. É um estilo de coalizão excomungado pela Justiça brasileira. É
lamentável, catastrófico que partidos foram açambarcados por um deles para uma
aliança perene, indeterminada no tempo, no sentido de votar todo e qualquer
projeto de interesse do partido hegemônico.
Assim como Cármen Lúcia no dia anterior, Celso de Mello disse ontem que o
STF não estava julgando a história de vida dos réus, mas as acusações do
Ministério Público Federal. Para ele, há provas suficientes para justificar a
condenação dos réus por corrupção ativa:
- Tenho por inadmissível e desconstituída de consistência a afirmação de que
este processo busca condenar a atividade política, busca condenar réus pelo só
fato de haverem sido importantes figuras políticas ou haverem desempenhado
papel de relevo na vida partidária, na cena política ou nos quadros
governamentais. Ao contrário, condenam-se tais réus porque existe prova
juridicamente idônea a revelar e demonstrar que tais acusados agiram de acordo
com uma agenda criminosa muito bem articulada, valendo-se para tanto de sua
força, do seu prestígio e de seu inquestionável poder sobre o aparelho
governamental e sobre o aparato partidário da agremiação a que estavam
vinculados.
Fonte: O Globo
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