quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O alcance de uma sentença – Editorial / O Estado de S. Paulo


Conceda-se, apenas para argumentar, que os costumes políticos brasileiros permanecerão em geral os mesmos apesar da decisão sem precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar por corrupção ativa, entre outros, um dos mais importantes líderes de sua geração, o ex-ministro da Casa Civil da Presidência da República José Dirceu, homem forte do PT durante décadas e do governo Lula nos seus primeiros anos. Afinal, poderão dizer os céticos, invocando um exemplo de varejo, porém ainda assim revelador, na semana passada, em pleno julgamento do mensalão, a Polícia Federal apreendeu R$ 1,1 milhão que serviria para subornar eleitores em Paraopebas, no Pará, sem falar de R$ 1.280 que, como manda o figurino, estavam escondidos na cueca de um agente petista em Manaus.

Mas o prognóstico de que, passado o choque inicial das sentenças acachapantes da Suprema Corte, tudo continuará igual em matéria de conquista e ocupação do poder, equivale de alguma forma a acreditar na enormidade de que o mensalão não só foi uma operação de caixa 2 entre o PT e aliados, como saiu da cabeça do tesoureiro da agremiação, o matuto Delúbio Soares. O fato é que, "pela primeira vez na história deste país", a Justiça processou, julgou e puniu dezenas de réus de um esquema ambicioso de corrupção política engendrado nas entranhas do governo federal. E o fez deixando claro que, em estrita obediência ao devido processo legal, o Judiciário tem condições técnicas, institucionais e morais para reconstituir, passo a passo, um escândalo de tamanhas proporções e identificar os seus autores.

Se não por uma improvável conversão aos valores que devem ditar a conduta dos detentores da representação popular, ao menos a certeza da punição fará a maioria dos políticos habituados a ceder aos seus piores instintos, a custo zero, pensar duas vezes antes de delinquir. Inescrupulosos ou honestos, decerto já se deram conta de que o breve do Supremo contra a corrupção vem no bojo da repulsa da opinião pública - uma coisa realimentando a outra - à imundície das estrebarias do poder. Há, nesse sentido, uma relação entre a cobrança popular que gerou a Lei da Ficha Limpa e as esperanças do País quando, sete anos depois da revelação dos fatos, o STF começou a julgar os mensaleiros. A súbita popularidade do severo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, atesta que a consciência moral da Nação está viva e desperta.

Os brasileiros leigos nem sempre conseguimos acompanhar os pontos de doutrina discutidos nas sessões da Corte transmitidas ao vivo. Mas a sociedade entende perfeitamente - e se rejubila - quando o decano do tribunal, Celso de Mello, saúda o direito do cidadão de exigir "que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, legisladores probos e juízes incorruptíveis". Ou quando a ministra Cármen Lúcia expressa a sua ira contra a versão oficial, rota desde o primeiro momento e descartada pelo STF, de que não houve suborno de deputados, mas caixa 2. "Caixa 2 é crime, uma agressão à sociedade", fulminou. "(A defesa) passa a ideia de que ilícito pode ser praticado e tudo bem. Não é "tudo bem"". Ela integrou a maioria que condenou Dirceu (além do então presidente petista José Genoino e do notório Delúbio) com base em três pontos críticos.

Pela posição que ocupava no coração do governo e por sua influência política dentro e fora do PT, ele dispunha dos meios para orquestrar a compra de apoio parlamentar ao Planalto. Portanto, podia e - a julgar pelo muito que dele se conhece - queria. Não bastasse isso, há a proximidade de datas entre os encontros de Dirceu com banqueiros (e Delúbio!) e os repasses de dinheiro manchado. Por último, se é inverossímil que o tesoureiro do PT tenha criado e dirigido o espetáculo, a tese da iniciativa e comando de Dirceu é de todo verossímil. Assim também o nexo entre Lula e o mensalão. A mesma lógica que une Delúbio e Genoino a Dirceu no trâmite do negócio liga o "capitão do time" do governo ao presidente. O ex-ministro condenado por ter concebido e comandado o esquema, não o levaria adiante sem, no mínimo, o sinal verde do chefe. E este, que nomeou 5 dos 10 atuais membros do STF, vem dizer, insultuosamente, que a condenação de seus companheiros foi "uma hipocrisia".

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