Conceda-se, apenas para argumentar, que os costumes políticos brasileiros
permanecerão em geral os mesmos apesar da decisão sem precedentes do Supremo
Tribunal Federal (STF) de condenar por corrupção ativa, entre outros, um dos
mais importantes líderes de sua geração, o ex-ministro da Casa Civil da
Presidência da República José Dirceu, homem forte do PT durante décadas e do
governo Lula nos seus primeiros anos. Afinal, poderão dizer os céticos,
invocando um exemplo de varejo, porém ainda assim revelador, na semana passada,
em pleno julgamento do mensalão, a Polícia Federal apreendeu R$ 1,1 milhão que
serviria para subornar eleitores em Paraopebas, no Pará, sem falar de R$ 1.280
que, como manda o figurino, estavam escondidos na cueca de um agente petista em
Manaus.
Mas o prognóstico de que, passado o choque inicial das sentenças
acachapantes da Suprema Corte, tudo continuará igual em matéria de conquista e
ocupação do poder, equivale de alguma forma a acreditar na enormidade de que o
mensalão não só foi uma operação de caixa 2 entre o PT e aliados, como saiu da
cabeça do tesoureiro da agremiação, o matuto Delúbio Soares. O fato é que,
"pela primeira vez na história deste país", a Justiça processou,
julgou e puniu dezenas de réus de um esquema ambicioso de corrupção política
engendrado nas entranhas do governo federal. E o fez deixando claro que, em
estrita obediência ao devido processo legal, o Judiciário tem condições
técnicas, institucionais e morais para reconstituir, passo a passo, um
escândalo de tamanhas proporções e identificar os seus autores.
Se não por uma improvável conversão aos valores que devem ditar a conduta
dos detentores da representação popular, ao menos a certeza da punição fará a
maioria dos políticos habituados a ceder aos seus piores instintos, a custo
zero, pensar duas vezes antes de delinquir. Inescrupulosos ou honestos, decerto
já se deram conta de que o breve do Supremo contra a corrupção vem no bojo da
repulsa da opinião pública - uma coisa realimentando a outra - à imundície das
estrebarias do poder. Há, nesse sentido, uma relação entre a cobrança popular
que gerou a Lei da Ficha Limpa e as esperanças do País quando, sete anos depois
da revelação dos fatos, o STF começou a julgar os mensaleiros. A súbita
popularidade do severo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, atesta
que a consciência moral da Nação está viva e desperta.
Os brasileiros leigos nem sempre conseguimos acompanhar os pontos de
doutrina discutidos nas sessões da Corte transmitidas ao vivo. Mas a sociedade
entende perfeitamente - e se rejubila - quando o decano do tribunal, Celso de
Mello, saúda o direito do cidadão de exigir "que o Estado seja dirigido
por administradores íntegros, legisladores probos e juízes
incorruptíveis". Ou quando a ministra Cármen Lúcia expressa a sua ira
contra a versão oficial, rota desde o primeiro momento e descartada pelo STF,
de que não houve suborno de deputados, mas caixa 2. "Caixa 2 é crime, uma
agressão à sociedade", fulminou. "(A defesa) passa a ideia de que
ilícito pode ser praticado e tudo bem. Não é "tudo bem"". Ela
integrou a maioria que condenou Dirceu (além do então presidente petista José
Genoino e do notório Delúbio) com base em três pontos críticos.
Pela posição que ocupava no coração do governo e por sua influência política
dentro e fora do PT, ele dispunha dos meios para orquestrar a compra de apoio
parlamentar ao Planalto. Portanto, podia e - a julgar pelo muito que dele se
conhece - queria. Não bastasse isso, há a proximidade de datas entre os
encontros de Dirceu com banqueiros (e Delúbio!) e os repasses de dinheiro
manchado. Por último, se é inverossímil que o tesoureiro do PT tenha criado e
dirigido o espetáculo, a tese da iniciativa e comando de Dirceu é de todo
verossímil. Assim também o nexo entre Lula e o mensalão. A mesma lógica que une
Delúbio e Genoino a Dirceu no trâmite do negócio liga o "capitão do
time" do governo ao presidente. O ex-ministro condenado por ter concebido
e comandado o esquema, não o levaria adiante sem, no mínimo, o sinal verde do chefe.
E este, que nomeou 5 dos 10 atuais membros do STF, vem dizer, insultuosamente,
que a condenação de seus companheiros foi "uma hipocrisia".
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