A democracia foi o centro da sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal que
formalizou a condenação do núcleo político do PT por corrupção ativa com resultados
que não deixam dúvidas da decisão do plenário: apenas dois ministros absolveram
o ex-ministro José Dirceu; só um absolveu o ex-presidente do PT José Genoino, e
o ex-tesoureiro Delúbio Soares foi condenado por unanimidade.
No mesmo dia em que se conheciam as cartas em que Dirceu e Genoino não
poupam elogios às suas próprias pessoas e se colocam como mártires de uma ação
política que está sendo perseguida por uma elite reacionária, os ministros do
STF puseram os pontos nos ii, demonstrando que o que está sendo condenado é uma
tentativa de golpe contra a democracia brasileira.
Na definição do presidente do Supremo, Ayres Britto, "(...) sob a
inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi feito, não um projeto de
governo, que é exposto em praça pública, mas um projeto de poder que vai além
de um quadriênio quadruplicado. É um projeto que também é golpe no conteúdo da
democracia, o republicanismo, que postula a renovação dos quadros de dirigentes
e equiparação das armas com que se disputa a preferência dos votos".
Já Celso de Mello analisou que o ato de infidelidade ao eleitor estimulado
por venalidade governamental, além de constituir "grave desvio
ético-político e ultraje ao exercício legítimo do poder", acaba por gerar
desequilíbrio de forças no Parlamento, tirando poder da oposição. Aqui, ele
tocou em ponto crucial: a migração de políticos, à custa de pagamento com
dinheiro público, da oposição para siglas da base, que cresceram às custas
desses expedientes, enquanto a oposição minguava.
Hoje temos a menor oposição numérica desde a volta da democracia, apenas
três partidos assumem esse papel: PSDB, DEM e PPS. Os demais estão na base
governista ou aspiram estar nela, como o novíssimo PSD. O que começou com a
compra de votos em dinheiro, denunciado o esquema que hoje está em julgamento,
passou a se dar através da entrega de ministérios e cargos em órgãos públicos,
numa montagem de coalizão tão ampla quanto heterogênea, que só o exercício do
poder une.
O presidencialismo de coalizão esteve na raiz das análises dos dois últimos
votos pela condenação do núcleo político petista. A compreensão de que é
preciso fazer negociações políticas para organizar base partidária que permita
a governabilidade foi explicitada pelos ministros, mas a "maneira argentária"
com que elas foram comprovadamente feitas no início do primeiro governo Lula,
organizada por Dirceu e Genoino, foi considerada por Celso de Mello "um
atentado ao estado de direito".
Para ele, essa maneira "subverte o sentido das funções, traduz gesto de
deslealdade, compromete o modelo de representação popular e frauda a vontade
dos eleitores, gerando como efeito perverso a deformação da ética de
governo".
Já para Ayres Britto, "com esse estilo de fazer política, excomungado
pela lei brasileira, o resultado de cada eleição, naturalmente, seria alterado
do ponto de vista ideológico".
Segundo Celso de Mello, "há políticos, governantes e legisladores que
corrompem o poder do Estado, exercendo sobre ele ação moralmente deletéria,
juridicamente criminosa e politicamente dissolvente". Ele lembrou a famosa
frase de Lord Ackton, historiador, político e escritor inglês do século XIX,
"O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe
absolutamente", para ressaltar "a falta de escrúpulos dos agentes
perpetradores da falta criminosa, a ação criminosa por eles exercida, a
arrogância por eles demonstrada e estimulada por um senso de impunidade e o
comportamento desonesto no desempenho de suas atividades".
O decano concluiu sua análise sobre a compra de apoio político ressaltando
"a perigosa situação a que o país está exposto, dirigido por dirigente
capazes de perpetrar delitos difamantes".
Para Ayres Britto, "esse catastrófico modo interpartidário de fazer
política", que ele definiu como a formação "pecuniarizada de alianças
argentárias, um tipo de coalizão excomungado pela Constituição", leva a
que o perfil ideológico que sai das urnas fique adulterado, ferindo a
democracia.
Fonte: O Globo
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