Condenação de José Dirceu pelo Supremo não atinge só o governo Lula, pois ainda
resta muito a combater em matéria de corrupção no país
Voto a voto, num debate racional, minucioso e transparente, construiu-se no
Supremo Tribunal Federal (STF) a maioria que condenou os principais personagens
do escândalo do mensalão.
Qualquer que fosse a conclusão, haveria a saudar o coroamento de um processo
que se prolongava por anos, acumulando um pastoso aluvião de desconfianças,
injustiças, paixões e mentiras.
Fez-se o exame detido das provas e testemunhos; foram avaliados de modo
livre, conforme a consciência de cada magistrado. Os réus contaram com todas as
garantias que lhes assegura a Constituição. A lentidão do processo não pode ser
atribuída só ao Judiciário, pois contou com a utilização, ainda à undécima
hora, de manobras protelatórias por parte da defesa.
Por ampla maioria, o STF decidiu condenar o ex-chefe da Casa Civil do
governo Lula, José Dirceu, pelo crime de corrupção ativa. A conclusão não se
afasta daquilo que, a não ser por falta de tirocínio ou por excesso de
comprometimento político, qualquer observador atento do escândalo pode enxergar
com facilidade.
O então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o empresário Marcos Valério não
poderiam, por si sós, mesmo com sua coorte de coadjuvantes, urdir o esquema que
comprou com milhões de reais o apoio de parlamentares do PP, do PL, do PTB e do
PMDB para aprovar propostas do governo Lula.
Remessas regulares de dinheiro, coincidindo com os períodos de votação no
Congresso, tiveram origem comprovada em recursos públicos. Foi preciso articular
a participação de um dirigente do Banco do Brasil, de diretores de dois bancos
privados e das presidências de quatro partidos (fora o PT) para que o esquema
funcionasse.
Caíram por terra, no julgamento, as muitas e fantasiosas versões
apresentadas para negar os fatos.
Desde 2005, quando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, denunciou nesta
Folha a existência do mensalão, tudo se fez no sentido de confundir a opinião
pública. Veio a tese do caixa dois, como se o pagamento a fornecedores de campanha
tornasse aceitável -ainda que claramente ilegal- a corrupção pura e simples.
Uma patrulha -ideológica, arrogante, maniqueísta- passou a apontar, após
breve perplexidade e um canhestro pedido de desculpas de Lula, conspirações
contra chefes políticos que nada esperam da imprensa, da sociedade e da Justiça
senão silêncio e obediência.
Venceu-se uma batalha contra a corrupção e a mentira, que, não apenas no PT,
degradam o sistema democrático, aprofundam as desigualdades e destroem as bases
racionais da administração pública.
Há ainda muito a fazer, por certo. Mas o julgamento do mensalão traz,
sobretudo, a esperança de que tal luta não será em vão.
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