A tomar pelos
números, a democracia brasileira é, de fato, um empreendimento vigoroso e
admirável. Não é de pouca monta que menos de vinte e cinco anos depois de
promulgada a Constituição de 1988, cerca de 140 milhões brasileiros tenha ido
às urnas no domingo para elegerem prefeitos em mais de 5,5 mil municípios e
quase 57 mil vereadores, sem que tenha havido quaisquer ameaças e
constrangimentos às instituições democráticas. Horas depois de fechada as
urnas, a população já tinha acesso aos resultados pelo site do TSE e pelos
diversos meios de comunicação. Não se trata de uma avaliação ingênua e
ufanista, portanto, dizer que, não obstante o fato de que ainda padeça de
muitos males, a nossa recente democracia vai bem das pernas, com o
fortalecimento progressivo das instituições, dos ritos e das rotinas, cada vez
mais aceitos e referendados pelos atores políticos e pela sociedade civil. Dito
isso, vamos ao que interessa: qual o cenário político que sai das urnas?
Seria pretensioso
tentar delinear um quadro geral dos resultados eleitorais, até mesmo pela razão
óbvia de que ainda faltam pleitos importantes a serem definidas no segundo
turno. O que é possível fazer a partir dos resultados é tentar traçar algumas
tendências tomando como base principalmente as eleições realizados nas capitais
do país. Antes de arriscar qualquer análise mais acurada é importante
reconhecer que, a despeito do esforço realizado por partidos políticos e
analistas para conectarem as eleições municipais às disputas nacionais, aquelas
possuem uma lógica própria. Na maior parte das vezes, as pessoas votam
preocupadas com a capacidade dos políticos resolverem seus problemas mais
concretos e comezinhos do dia a dia, sobretudo em cidades menores. Questões
mais abstratas ou partidárias não entram muito na lógica do voto, o que explica
o fato dos eleitores não terem constrangimento nenhum em votar em um político
pertencente a um determinado partido para prefeito e em um candidato de legenda
oposta para vereador.
Contudo, da mesma
forma que seria errôneo reduzir as eleições municipais à lógica nacional,
também seria equivocado concluir pelo outro extremo e dizer que elas nada têm a
ver com as disputas nacionais. Os atores políticos observam atentamente os
resultados das disputas, buscando compreender quais foram aqueles que mais se
fortaleceram nos pleitos municipais, principalmente nas grandes cidades, e que
poderão desempenhar papel relevante nas próximas eleições nacionais. 2014 já
está ali e os prefeitos desempenham papel fundamental principalmente para as
eleições de deputados e senadores, cujo impacto é evidente na composição e no
bom andamento das agendas políticas do presidente eleito.
A despeito da
enorme fragmentação e pulverização eleitoral pós-eleições – pelo menos 26
partidos elegeram prefeitos –, é inegável que a disputa principal permanece
entre PT e PSDB. Ainda que seja equivocado dizer que o Brasil caminhe para um
bipartidarismo, seria igualmente errôneo não perceber que estes dois partidos
permanecem como polos principais da polarização nacional, cuja disputa crucial
ocorrerá em São Paulo, no segundo turno entre José Serra e Fernando Haddad.
Mesmo quando não se enfrentam diretamente, a contraposição entre petistas e
tucanos, sobretudo nas capitais, tende a orientar a lógica dos atores políticos,
levando-os a apoiar um ou outro candidato. Em outras palavras, não obstante
seja reducionista ler a política nacional pela lente do bipartidarismo
paulista, a polarização PT x PSDB continua como elemento fundamental e
orientará a disputa política no país nos próximos anos.
O PT sai mais forte
dessa eleição do que previam muitos analistas, com vitórias importantes, como
Goiânia, e conquistas de segundo turno estratégicas, como São Paulo e Salvador.
O partido cresceu em número de prefeituras em relação às eleições passadas
(+14%), além de ter sido a legenda que mais elegeu vereadores e mais obteve
votos. O partido continua crescendo a cada nova eleição. O quadro pode ser
considerado positivo, em um pleito que transcorreu paralelo ao julgamento da
Ação Penal 470, vulgo “Mensalão”, que parece não ter impactado nenhuma disputa
de forma significativa. A despeito disso, o partido colheu derrotas
importantes, sobretudo em Belo Horizonte e Recife.Esta última, talvez, pese
ainda mais, pois foi resultado direto da intervenção autoritária e equivocada
da direção nacional, que causou uma fratura no partido, que possivelmente
demorará a ser superada. Quer queira, quer não, Lula permanece como liderança
inconteste e, embora não seja decisivo para ganhar eleições, possui um poder de
transferência de voto, que não pode ser desconsiderado por nenhum analista.
Dilma não apenas deverá, mas precisará entrar com mais força nas campanhas do
segundo turno, de modo a consolidar sua posição como líder principal da
coalizão governista.
Não obstante as
dificuldades enfrentadas nacionalmente para fazer oposição ao bloco governista,
o PSDB permanece como ator político de grande relevância. Ainda que tenha
reduzido o número de prefeituras (-12%) em relação às eleições passadas, o partido
teve vitórias importantes, como em Maceió, e se mantém em disputa no segundo
turno em outras capitais. Ainda que não seja uma vitória do partido e não
obstante o fato de que não tenha sido um triunfo com números acachapantes como
se esperava, a eleição de Marcio Lacerda, em Belo Horizonte, é significativa,
pois consolida a figura de Aécio Neves como principal nome da oposição para as
eleições de 2014. Além de ter apostado seu capital político na eleição mineira,
o senador do PSDB cruzou o país defendendo os projetos do partido e buscando se
firmar como liderança nacional, o que, diga-se de passagem, ainda falta muito
para acontecer, devido ao seu desconhecimento para além das fronteiras do
Sudeste. Vale destacar, contudo, que a eleição de Belo Horizonte deve ser
debitada menos na conta de Dilma Rousseff, como desejam muitos analistas, e
mais na do PT mineiro, que ainda colhe os resultados do acordo desastrado para
eleger Marcio Lacerda, em 2008, responsável pelas divisões e enfraquecimento do
partido no âmbito estadual.
Mais uma vez o PMDB
confirma sua vocação municipalista, consolidando-se como o partido que mais
elegeu prefeitos, apesar da redução em relação às eleições passadas (-14%). A
legenda reforça seu cacife para manter-se como principal aliado do PT nas
próximas eleições nacionais, além de reforçar seu calibre para reivindicar mais
espaço na próxima reforma ministerial. Sua vitória mais significativa foi a de
Eduardo Paes, no Rio de Janeiro. Tensões à frente com o PT se avizinham nas
eleições para o governo do estado, em um movimento que pode conduzir a mudanças
na conjuntura política do Rio de Janeiro. Importa destacar que esta eleição da
capital trouxe alguns elementos que merecem ser evidenciados. Em primeiro
lugar, a bela campanha de Marcelo Freixo, que indica um potencial ainda
subaproveitado pela esquerda carioca, mas que pode ser potencializado para as
eleições estaduais. Em segundo lugar, o pífio desempenho da aliança Rodrigo
Maia e Clarissa Garotinho, que, não obstante possa ser creditado a erros de
campanha, parece indicar um esgotamento de lideranças já desgastadas da
política carioca.
Muitos analistas
apontam corretamente para o fortalecimento do PSB, que cresceu no número de
prefeitos eleitos (+42%), embora possua menos prefeituras do que partidos como
PSD e PP. As vitórias de Recife e Belo Horizonte foram significativas e
assinalam para a consolidação de Eduardo Campos como um ator político central
para as próximas eleições nacionais, a ser cortejado tanto pelo PT, quanto pelo
PSDB. Sua margem de escolha para aliança entre os dois partidos amplia-se,
embora qualquer tentativa de rompimento com a base governista possa conduzir a
uma disputa interna no partido com Ciro e Cid Gomes, que não vêem razões para
romper com Dilma nas eleições de 2014, conforme declarações recentes. De
qualquer forma, pode-se prever que a permanência na coalização governista
implicará em uma pressão por maior espaço no governo e, quem sabe, a disputa
pela vice-presidência com o PMDB.
Além dos partidos
acima destacados, convém ressaltar o desempenho do PSD. Fundado em 2011, o
partido ficou atrás apenas do PMDB, PSDB e PT no número de prefeituras
conquistadas. Além de ter levado mais de 490 prefeituras, a legenda de Gilberto
Kassab foi o quinto partido em número de vereadores eleitos. Apesar de
significar teoricamente o fortalecimento do campo governista, tudo leva a crer
que a “instabilidade” ideológica da legenda fará com que suas lideranças, em
especial Kassab, sejam disputadas nas eleições de 2014. Outro partido que
merece destaque, mas pelo lado negativo, é o DEM, que aparentemente caminha
melancolicamente para o fim. Apesar de ter conquistado a prefeitura de Aracaju
e ter a esperança de vencer a batalha em Salvador com Antonio Carlos Magalhães
Neto, teve uma redução significativa do número de prefeituras conquistadas
(-44%), além das derrotas simbolicamente importantes de Rodrigo Maia, no Rio de
Janeiro, e da quarta posição em Natal, capital do Rio Grande do Norte, único
estado governado pelo partido.
Para além da análise
dos desempenhos dos partidos, alguns elementos merecem ser destacados
brevemente à guisa de conclusão. Em primeiro lugar, vale chamar a atenção para
o papel da chamada Lei da Ficha Limpa nestas eleições. Não obstante sua enorme
importância para a melhoria do sistema político brasileiro, é inegável que o
atraso do julgamento definitivo dos recursos apresentados ao TSE gerou um
quadro de incerteza em várias eleições pelo país. Muitos candidatos receberam
votos e ainda não se sabe se estarão ou não em condições de participar do
segundo turno ou, caso tenham sido vitoriosos, se poderão tomar posse. Essa
insegurança, tanto para os candidatos, quanto para os eleitores, se configurou
como um ponto negativo desta eleição. Espera-se que estes problemas sejam superados
no próximo pleito, de modo a fazer com que a Lei da Ficha Limpa possa ser
plenamente executada sem maiores contratempos e sem que sua legitimidade seja
colocada à prova pela sociedade.
Outro aspecto que
emerge destas eleições e que merece ser destacado tem a ver com o funcionamento
do sistema político do país. Infelizmente, o quadro que se desenha após o
pleito parece ser pouco alvissareiro para o debate em torno da reforma
política. Por um lado, a enorme pulverização e fragmentação partidária põem em
cheque quaisquer possibilidades de um enfrentamento da discussão em torno de
possíveis caminhos para reduzir o elevado número de partidos no Brasil, que
coloca enormes desafios para a composição dos governos, sejam eles municipais,
estaduais ou nacionais. Por outro lado, é desanimador pensar que embora o
julgamento da Ação Penal 470 tenha transcorrido paralelamente às eleições
municipais, não testemunhamos qualquer debate mais substantivo sobre o
financiamento público de campanhas, não obstante a direta conexão entre estes
temas.
Agora, é aguardar o
resultado do segundo turno. Quando concluído, ficarão mais claros os embates
que conformarão o quadro da eleição de 2014.
Fonte: revista Pittacos
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