Maurício Meireles
Cientistas políticos divergem sobre modelo de voto distrital e defendem fortalecimento da separação dos Poderes
Um dos principais pontos da reforma política, em debate no país depois do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff de segunda-feira, deve ser a mudança do sistema eleitoral do voto proporcional para o voto distrital. É o que dizem cientistas políticos consultados pelo GLOBO, que defendem, ainda, um teto para os custos de campanhas e maior eficiência do Judiciário no julgamento de casos de corrupção.
No voto distrital, o país é dividido geograficamente em áreas com o mesmo número de habitantes. Cada distrito escolhe seu representante no Legislativo.
- Eu já fui a favor do voto distrital misto, como na Alemanha. Uma parte do Legislativo é escolhida pelos distritos e outra, pelo voto em lista fechada - diz o professor de ciência política da UnB Ricardo Caldas - Mas o Congresso involuiu de tal forma que isso significaria a eleição dos caciques políticos.
Caldas defende o modelo adotado pela França, onde os deputados são escolhidos por voto distrital puro, mas em dois turnos, com maioria absoluta. A ideia é evitar, por exemplo, em um cenário com muitos partidos, como o Brasil, que um político seja eleito com 15% dos votos.
- A reforma precisa de uma diretriz. Se você vai a um restaurante francês, você só vai comer comida francesa. Não dá para criar um cardápio com caviar e hambúrguer.
O cientista e consultor político Paulo Kramer prefere o modelo dos Estados Unidos, onde só há um turno.
- Muitos acham que isso agrava a sub-representação de estados menores e dá muito poder político a São Paulo, que já detém grande poder econômico, mas eu sou a favor - afirma Kramer.
Os dois cientistas afirmam que esse sistema "acorrentaria" o candidato eleito à população que o elegeu. Também diminuiria a relevância do poder econômico de um político na campanha eleitoral. Os que têm mais dinheiro podem viajar de norte a sul de um estado em busca de votos, o que não é uma opção para candidatos menores.
Um reflexo do sistema americano, afirma Kramer, seria o sistema político "se afunilar" em dois partidos, como já acontece nos Estados Unidos, onde as eleições costumam ficar divididas entre Democratas e Republicanos.
Financiamento de campanha
Nenhum dos dois é a favor do financiamento público de campanhas, outra proposta recorrente quando se fala em reforma política.
- Os políticos profissionais têm liberdade para se autorregular. Eles podem tirar recursos de áreas importantes como saúde e educação para financiar suas campanhas - diz Kramer.
O cientista político Leonardo Barreto acha que, embora importante, não é obrigatório mexer no sistema eleitoral. A reforma política não pode ser feita, ele diz, sem um diagnóstico dos problemas do país.
- O primeiro problema é a fragilidade dos mecanismos de combate à corrupção e à impunidade. Isto passaria por uma reforma do sistema penal - afirma Barreto. - Se o Judiciário não funcionar direito, de nada adianta transformar a corrupção em crime hediondo.
Outro ponto defendido por ele é a necessidade de reduzir os altos custos do sistema político. Um caminho, para ele, seria instituir um teto para os gastos de campanha. Assim, o poder econômico dos candidatos teria menos força.
Sobre o financiamento público de campanhas, o cientista político acha que a população não o aceitaria. E defende, ainda, que esse modelo só funcionaria nas eleições em lista fechado - quando o eleitor vota no partido, e não no candidato. Barreto também diz que não adianta proibir empresas de doar para campanhas políticas, já que não há, no Brasil, a cultura de pessoas comuns fazerem doações para candidatos.
Outra medida, defende ele, é fortalecer a separação entre os poderes, proibindo deputados de assumir cargos no Executivo.
- Cria-se um problema de representação. Como o Legislativo vai fiscalizar um governo ao qual ele serve? - afirma o cientista político.
Outro ponto, para ele, seria submeter a escolha dos ministros do Tribunal de Contas a referendos populares, já que a escolha dele teria virado moeda de troca política.
Para Barreto, essas mudanças compensariam um sistema eleitoral falho. Ele também discorda que um plebiscito fosse a solução para a reforma política, já que os pontos dela são muito técnicos para a população compreender. A solução seria o Congresso apresentar um projeto completo para votação popular.
Fonte: O Globo
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