Avessa a conversas políticas, a presidente Dilma Rousseff parece, aos poucos, se render à necessidade de maior interlocução, ao buscar esses contatos e acolher sugestões. Chamará até a oposição. Faz isso depois que o comportamento dos governadores e dos prefeitos reunidos no Palácio do Planalto há dois dias deixou a sensação de que a maioria guarda hoje certa distância do governo. Mesmo na parte reservada da reunião palaciana, em que algumas sugestões foram feitas, todos se disseram dispostos a apoiar as ideias de Dilma, mas ninguém vestiu a camisa, ou se colocou ao lado dela para o que der o vier. E, em política, esses gestos, literalmente das entrelinhas, são considerados fundamentais.
A impressão que se tem é a de que, antes de jogar a boia para Dilma, cada um cuidará de si. Embora os governadores tenham posado para a foto que a presidente desejava, é possível contar nos dedos aqueles que deram entrevista para as tevês na saída da reunião. Não houve aquela fila no andar térreo do Planalto nem os governadores “dando sopa” para as câmeras. Ficou a sensação de que ninguém ali queria ver a imagem vinculada com o problema nacional.
Ainda que enfrentem os problemas em seus respectivos estados, ficou claro que, no geral, todos preferem ver a presidente pagando a conta da nação. Obviamente, ela tem um vasto carnê nesse crediário que os jovens cobram nas ruas. Afinal, são 10 anos de governo petista, dos quais ela passou três na área de energia, cinco na Casa Civil e, agora, está há dois anos e meio no comando. Mas o fato de não se ver ninguém fechado incondicionalmente com ela é um sintoma dos ensaios longe da petista.
Da parte do PSB, por exemplo, seus seis governadores saíram de lá direto para uma conversa reservada entre eles num hotel de Brasília. Os seis concluíram que a presidente queria apenas a foto e não uma união nacional em busca de uma nova ordem em resposta às manifestações. Os peemedebistas, especialmente, o do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, entrou mudo e saiu calado. Os tucanos apresentaram sugestões, mas como são meio estranhos no ninho petista, foram discretos. Sobraram apenas os petistas, cada vez mais divididos entre Dilma e Lula.
Enquanto isso, no Congresso Nacional...
A tal Constituinte exclusiva para reforma política não sobreviveu 24 horas, mas a presidente, entretanto, terá como faturar em outro ponto do seu pacto ainda hoje, uma vez que a ordem entre os congressistas ontem era a “pauta antídoto”, ou seja, responder de pronto o que os manifestantes se preparavam para pedir hoje nas ruas. A ideia era ficar até a madrugada para votar a destinação dos royalties do pré-sal para educação, e também derrubar a PEC 37, que, na avaliação de muitos, restringe o poder de investigação do MP. Feito isso, falta o Ministério Público fazer a sua parte e abrir mão das férias de 60 dias a fim de ter mais tempo para se agarrar no serviço e não perder prazos.
A agitação, entretanto, não será privilégio da Câmara. No Senado, o presidente do PSDB, Aécio Neves, passou a tarde na tribuna, tentando desconstruir o pacto de Dilma. Ali, está em gestação uma proposta que reduz de 1,2 milhão para 500 mil o número de assinaturas para projetos de iniciativa popular. Os senadores também prometem uma atenção especial à obrigatoriedade de ficha limpa para os cargos no Poder Executivo. Falta o voto aberto.
E para as ruas hoje...
Com toda essa pauta ainda ontem, os congressistas esperavam poder ficar fora do circuito hoje, quando há a expectativa de 50 mil pessoas na manifestação de Brasília. O PMDB, entretanto, promete reunir a bancada para elencar uma agenda de projetos a serem defendidos pelo partido.
Tudo isso nos deixa como saldo a sensação de que as manifestações não terminarão tão cedo. Afinal, no momento em que os congressistas começam a colocar na pauta tudo o que os manifestantes desejam, fica a lição de que, no grito, se leva tudo. Ou quase tudo. Hoje, tem mais. Talvez, algumas pautas já estejam superadas, mas certamente outras virão.
Fonte: Correio Braziliense
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