Os protestos de junho levantaram a poeira, que ainda está no ar, politizaram a sociedade e desarrumaram o jogo armado para 2014. Cobraram coisas concretas, como soluções em transporte, mais saúde, educação e segurança, e rechaçaram claramente os partidos, os eleitos e as instituições. Julho começa com duas indagações relacionadas à passagem do cometa. Primeiro, que respostas darão os governantes às questões concretas? Especialmente, a presidente Dilma Rousseff, que não foi a única atingida, mas foi quem ficou mais exposta e tem mais a perder, como candidata que é à reeleição. Fará mudanças no governo e nas políticas públicas. A outra questão é a da reforma política, que é tarefa do Congresso, e precisa ser logo desatada.
Não faltam, no barco governista, inclusive no PT, os defensores de uma reforma ministerial ampla e ousada, até mesmo com supressão de pastas, como sugeriu logo o guloso PMDB. Sobram críticas ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e cobranças por sua substituição, que vêm até de publicações estrangeiras. No pior de seus momentos, com Lula no exterior e alguns dos que pareciam tão próximos se distanciando, a presidente já tão reservada tem procurado mais ouvir do que falar. Entretanto, aos deputados petistas que recebeu na quinta-feira, não deu o menor sinal de que pretenda mexer na equipe ministerial agora. Foi enfática ao defender Mantega, assegurando que a economia está sólida nos fundamentos gerais e que o ano terminará com a inflação dentro da meta.
A relação dívida/PIB, destacou Dilma, era de 60% quando Lula assumiu, caindo para 46% no final do governo dele, e para 35% em sua gestão. O nível de emprego, dos mais altos do mundo, não será afetado. Referiu-se aos protestos como cobrança justa, que não suprime o reconhecimento pelo que foi feito. Agora, ela pretende acelerar a implementação de políticas públicas que atendam às reivindicações. Amanhã mesmo, lançará novas medidas na área de saúde, que não detalhou.
É isso mesmo que ela ou qualquer governante precisa fazer, não para recuperar a popularidade, mas para não frustrar a crença dos jovens na força da cidadania. E é isso que vem cobrando seu provável adversário em 2014, o senador tucano Aécio Neves: medidas que respondam a problemas cotidianos, os mesmos que levaram milhares às ruas.
Mas fiquemos atentos à possibilidade de mudanças no governo, que Dilma não revelaria aos interlocutores que teve durante a semana, todos interessados em preservar seus feudos, como os caciques do PMDB, os deputados petistas e outros aliados.
Política, ideias e dinheiro
Diante das marolas em torno da reforma política, alguns dizem e outros repetem que ela não foi pedida nos protestos. Que o governo, ou melhor, a presidente é que a lançou para sair da linha de tiro, jogando a bomba no colo do Congresso. Ainda que essa intenção é que tenha produzido o gesto, sejamos honestos: os manifestantes exibiram um ou outro cartaz com a expressão “reforma política”, mas foi claro o rechaço aos partidos e aos políticos, sem distinção. Nada mais eloquente do que a tomada das cúpulas do Congresso. Este divórcio, que vem de longe e explodiu agora, configurando a chamada crise de representação, não será superado dentro do sistema que temos. A política que hoje impera enquadra os indivíduos: quem não aceita as regras do jogo, está fora. Não sobrevive. Com as exceções de sempre.
O deputado Henrique Fontana (PT-SP), que angariou o respeito de aliados e adversários com seu empenho para costurar a proposta que naufragou em abril, resume a situação: “Cada vez mais, a política é dominada pelo dinheiro e não pelas ideias. A sociedade enxerga isso e não aceita mais”.
A reforma política não vai humanizar o atendimento nos hospitais, reduzir a criminalidade ou melhorar a qualidade do ensino. As soluções para esses problemas, entretanto, são afetadas pelo sistema de governabilidade que temos. Ele impõe aos governantes concessões que levam aos males que estão aí, da corrupção à qualidade da gestão. É verdade que Dilma cometeu erros ao propô-la, como amplamente registrado, inclusive aqui. Por exemplo, ao sugerir a constituinte específica, e depois o plebiscito, sem consultas prévias ao Congresso, produziu o atrito que está visível. Vale porém reconhecer que nenhum presidente, antes dela, nem mesmo Fernando Henrique e Lula, que sempre defenderam mudanças no sistema, apresentaram qualquer proposta ao Congresso. Dilma sugeriu um plebiscito e cinco pontos para a consulta ao povo: sobre financiamento de campanha, sistema eleitoral (proporcional ou distrital, misto ou puro), suplencia de senador e voto secreto no Congresso.
O tempo é mesmo curto para um plebiscito que produzisse mudanças para 2014, mas peso maior tem a resistência dos conservadores no Congresso. Ali, é apoiado basicamente pela esquerda governista: PT, PSB, PDT e PC. E pelo PSol, de oposição. Vem ganhando adeptos nas redes sociais, mas tem opositores poderosos na mídia e nas elites. O presidente do Senado já cantou a pedra: a Câmara dará a primeira palavra e de ser contra. Mas tendo enterrado em abril o substitutivo do relator da matéria, o deputado Henrique Fontana, a Câmara está na obrigação de colocar algo no lugar da proposta de Dilma.
Na terça-feira, o senador Aécio Neves reunirá a executiva do PSDB para fecharem uma proposta de reforma política do partido. Ele defende voto distrital misto, fim das coligações proporcionais, cláusula de desempenho para os partidos e mandato de cinco anos, sem reeleição. Não há consenso em torno desses temas, mas, depois do rechaço de junho, os congressistas estarão sob o olhar mais vigilante dos eleitores. Fala-se que aprovarão, agora, apenas o “voto distritão”, proposta antiga do vice-presidente Michel Temer: cada estado compõe um distrito e são eleitos os deputados mais votados. Nada de coligação ou de eleição de deputados pelas “sobras” de votos em um partido. O que vier agora é lucro, como diz Fontana: “Se conseguirmos fazer o plebiscito e aprovar uma reforma ampla para 2014, será excelente. Se conseguirmos aprovar apenas alguns pontos, acertando a vigência de outros para 2018, será muito bom. Afinal, o assunto está empacado há 20 anos. O que não podemos é fingir que não entendemos o recado das ruas”.
Se rejeitar o plebiscito, o Congresso estará obrigado a fazer a reforma que for possível
Fonte: Correio Braziliense
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