domingo, 7 de julho de 2013

Francisco lavará a alma do Brasil - Elio Gaspari


Se Deus é brasileiro, a visita do papa repetirá mensagem de fé da viagem de João Paulo 2º à Polônia, em 1979

Faltam duas semanas para a chegada do papa Francisco ao Rio. Ele mostrará ao mundo um Brasil de fé, solidariedade, alegria e paz. Será a primeira viagem de um pontífice que, em quatro meses de reinado, deu as seguintes lições:

1) Pagou a conta da casa de hóspedes que o abrigou em Roma durante o conclave. (Alô doutores Henrique Alves, Garibaldi Alves e Renan Calheiros com seus jatinhos da Viúva.)

2) Dispensou o apartamento pontifício de dez aposentos e continuou na Casa Santa Marta, onde ficam os bispos que passam por Roma. (Alô Eduardo Paes, que em 2010 queria comprar para a prefeitura o palacete dos Guinle na rua São Clemente. Os donos pediam R$ 10 milhões.)

3) Livrou-se dos paramentos do regalismo medieval de Bento 16 e dos medonhos sapatos vermelhos de seus antecessores.

4) Nomeou uma comissão de cardeais para limpar a estrutura da Cúria e faxinou o Banco do Vaticano.

5) Confessou-se um pecador. (Alô Lula.)

O papa Francisco chega ao Brasil com uma igreja livre de grandes divisões. Não vem hostilizar prelados esquerdistas e, se há na hierarquia brasileira discretos muxoxos (sobretudo por causa da faxina no Banco do Vaticano), eles serão dissimulados. Se governantes estão com medo do que significará sua visita, ainda têm tempo para ler a inutilidade do mal-estar dos comissários poloneses quando João Paulo 2º anunciou sua visita a Varsóvia.

Centenas de milhares de peregrinos hospedados em casas alheias celebrando a fé serão uma santa lição num país onde o andar de baixo sabe dividir o que tem, enquanto no de cima não querem nem pagar passagem de avião.

Durante alguns dias acreditou-se que as multidões que foram às ruas nas últimas semanas prenunciavam apenas badernas. Viu-se, contudo, que o povo como perigo é apenas uma velha fantasia. Francisco mostrará o tamanho da fraternidade nacional, sem caviar no camarote das autoridades.

Nos últimos dias autoridades federais, estaduais e municipais que torraram bilhões de reais na construção de estádios informaram que não têm dinheiro para cobrir um buraco de R$ 90 milhões para custear despesas da Jornada Mundial da Juventude. Gastaram R$ 1,2 bilhão no Coliseu do Rio. A viagem da doutora Dilma a Roma para a coroação de Francisco custou perto de meio milhão. Pode-se estimar que o governo federal torre perto de R$ 1 milhão por mês só na JetFAB. De Brasília, saiu o temor de que Francisco seja hostilizado por manifestações de evangélicos. É difícil, pois não há entre os evangélicos o sectarismo dos comissários.

Dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, é um homem de boa paz. Se tivesse na alma a lâmina sertaneja de dom Eugenio Sales, mandaria um recado a Brasília, ao governador Sérgio Cabral e ao prefeito Eduardo Paes: "Coletarei a ajuda do povo na esquina da avenida Rio Branco com rua do Ouvidor." (Bastou uma palavra de dom Eugenio a Fernando Henrique Cardoso para que fossem retirados soldados armados das calçadas por onde passava João Paulo 2º.)

Os dias do papa no Brasil serão jornadas de distensão, beleza e fraternidade, sem comércio ou patrocínios. Acima de tudo, serão grátis. Cobrarão apenas fé para aqueles que a têm.

Plebiscito

Para os sábios que pretendem fazer uma reforma política plebiscitária, o repórter Mauricio Puls fez a seguinte conta:

Em 1993 realizou-se um plebiscito para que o eleitorado escolhesse entre Monarquia e República, com a alternativa parlamentarista. Só isso, coisa simples.

Votaram na República 43,9 milhões de eleitores. Deles, 36,7 milhões preferiram o regime presidencialista.

Sobraram 7,2 milhões de votos. Pela lógica, esses votos teriam ido para o parlamentarismo.

Não fecha. O parlamentarismo teve 16,4 milhões de votos. Admita-se que uma parte deles sufragava a sua modalidade monárquica. Não fecha, de novo, porque a Monarquia teve 6,8 milhões de votos.

Sobraram 2,4 milhões de votos que não fazem sentido. Talvez fossem pessoas que quisessem um parlamentarismo sem República nem Monarquia, ou Monarquia sem parlamentarismo.

A doutora Dilma sugere um plebiscito bem mais complexo. Talvez ela saiba como fazê-lo.

Por trás

Atribui-se a Lula a seguinte frase durante as manifestações de junho:

"Vamos esperar para ver o que está por trás disso."

Em abril de 1978, quando surgiu um estranho presidente no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, uma análise de sábios do Serviço Nacional de Informações dizia que a "estratégia sindical" buscava "forjar líderes regionais, alguns de influência nacional, através da propaganda maciça, como é o caso de Luiz Inácio da Silva (Lula), que foi projetado do obscurantismo para o "vedetismo" jornalístico, tantas foram as publicações e entrevistas envolvendo o seu nome".

A marquetagem dos médicos estrangeiros

Há na proposta de importação de médicos estrangeiros um exemplo da opção preferencial do governo pela empulhação, propondo coisas novas enquanto não cuida das bobagens velhas da máquina burocrática.

A doutora Dilma anunciou que pretende trazer "de imediato milhares de médicos estrangeiros" para trabalhar em regiões carentes do país.

Isso seria feito facilitando os exames dos candidatos e alocando-os por prazos fixos em determinados municípios. Vá lá.

Veja-se a legislação imposta ao médico formado no exterior que pretende trabalhar no Brasil. Num exemplo hipotético, Alexandre Mercadante formou-se em medicina na Universidade Harvard (a melhor dos Estados Unidos), trabalha no serviço de cardiologia da Cleveland Clinic (um dos melhores do mundo). A certa altura decidiu voltar para Pindorama. Não quer favor algum, quer apenas trabalhar na sua terra.

Todas as universidades exigem que apresentem seus diplomas e créditos. Nada mais natural, porém diversas universidades federais somam outra exigência: a prova de residência no Brasil. Se outro médico quiser vir pelo programa Revalida, concebido pelo governo federal, essa exigência é geral.

Entre a hora em que o doutor Alexandre Mercadante deixou seu emprego em Cleveland e aquela em que obterá a revalidação do seu diploma podem passar seis meses ou até mesmo um ano. Pergunta: nesse período ele viverá de quê? (Se o médico for estrangeiro, a situação piora. Terá que ralar a concessão do domicílio permanente.)

Não é nem o caso de dizer que o governo da doutora Dilma dificulta a vinda de médicos estrangeiros. As máquinas das universidades e do governo federal dificultam até mesmo a vinda de brasileiros. Fazem isso por pura onipotência burocrática. Ganha uma residência hospitalar em Havana quem souber explicar por que o médico precisa provar que mora no Brasil para dar entrada nos seus papéis.

Fonte: O Globo

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