A ex-senadora Marina Silva, que vem despontando como a grande beneficiada das manifestações "contra tudo o que está aí", principalmente os políticos, tem nas ruas dois dos três segmentos detectados por seus analistas como sendo a base de sua votação de cerca de 20% dos votos em 2010: a classe média "iluminista" e a garotada das redes sociais.
São esses que a colocam em segundo lugar na disputa presidencial em todas as pesquisas feitas durante as manifestações, mesmo sendo Marina formalmente uma política tradicional: fundadora do PT, foi senadora por 16 anos (dois mandatos) e ministra do Meio Ambiente durante praticamente todos os oito anos do governo Lula.
Mesmo assim, consegue manter uma postura que a afasta da imagem do político tradicional, além de se identificar com um terceiro grupo eleitoral, os evangélicos, de fundamental importância para sua votação, como vimos domingo passado na pesquisa sobre religiões realizada pela equipe do professor Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio.
Segundo o deputado federal Alfredo Sirkis, do PV, o voto evangélico de Marina não era nada óbvio em 2010: nas pesquisas, aparecia relativamente modesto até agosto. Sua performance entre eles era bastante pior que entre os católicos, os espíritas e os "sem religião". Em setembro cresceu um pouco, mas ficou ainda longe dos escores reais que ela teria em áreas pesadamente evangélicas, como a Baixada Fluminense, por exemplo.
"Na época, desenvolvi uma tese sobre o voto oculto evangélico, que carece ainda de comprovação cientifica, embora seja empiricamente bastante plausível", diz Sirkis. A grande maioria dos pastores optara pelas candidaturas de Dilma e Serra, relativamente poucos apoiavam Marina. "Ela conseguiu o feito extraordinário de estabelecer uma interlocução direta com a base evangélica por cima dos pastores - o que lhe traz uma grande hostilidade dos ditos cujos, sobretudo dos mais reacionários", avalia o deputado federal.
Essa hostilidade se refletia nas pesquisas, pois "boa parte dos evangélicos, sobretudo mulheres, por recato ou temor de contrariar o pastor de sua igreja, ao ser pesquisada pelos institutos, não revelava a preferência por Marina". Essa teria sido uma das razões, acredita Sirkis, de o seu resultado final ter surpreendido, ficando "uns 4% acima da nossa melhor pesquisa".
Hoje, Marina, considerada por muitos a principal liderança política evangélica do país, embora seja uma convicta e aguerrida defensora do estado laico, é também praticamente a única grande liderança política evangélica progressista, capaz de dialogar - embora não necessariamente se alinhar completamente - com os movimentos que defendem causas comportamentais que as lideranças reacionárias evangélicas hostilizam com tanto fervor.
Alfredo Sirkis vê esse como "o grande papel transformador" que lhe é garantido: trazer para um campo mais democrático e tolerante multidões que, na sua ausência, seriam trabalhadas exclusivamente pelas lideranças conservadoras ou reacionárias. Essa situação a obriga a um "sutil equilibrismo" na gestão dos seus três eleitorados, admite Sirkis, e a se expor a eventuais patrulhamentos e distorções.
Uma das decisões é, na sua relação direta com os evangélicos em foros religiosos, mesmo em época de campanha eleitoral, se recusar a fazer qualquer proselitismo eleitoral, ao contrario da prática habitual dos políticos evangélicos.
Sirkis cita um culto no estádio do Olaria para alguns milhares de fieis, duas semanas antes da eleição de 2010, onde Marina era a convidada de honra. "Fez uma análise bíblica do papel da mulher e da necessidade de convivermos com a pluralidade e a diferença. Uma pregação em torno de uma mensagem claramente progressista embutida na análise de textos bíblicos".
Por enquanto, Marina tem se saído bem desse equilibrismo entre tipos tão distintos de eleitores e conseguiu superar a ameaça dos políticos estabelecidos contra a formação de sua Rede de Sustentabilidade, um partido político que não quer se identificar com os tradicionais, e se conecta com as ações das ruas. Resta saber se tem capacidade de ampliar seu eleitorado para se transformar em uma candidata competitiva à presidência da República em 2014.
Fonte: O Globo
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