domingo, 7 de julho de 2013

Por que a reforma política emperrou

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Por que a reforma política não colou

Diante da resistência de deputados e da falta de conexão com as manifestações, proposta corre o risco de voltar para a gaveta

Caue Ffonseca e Guilherme Mazui

BRASÍLIA - Milhões ergueram a voz. Em uma enxurrada de reivindicações, cobraram educação, transporte público e saúde de qualidade, clamaram pelo fim da corrupção. A presidente Dilma Rousseff respondeu com cinco pactos, encabeçados pelo plebiscito da reforma política. Proposta que deixou no ar: a reforma, de fato, atende às prioridades das ruas?

A questão divide a própria base do governo. No PT, a consulta sofre questionamentos. Partido do vice-presidente Michel Temer, o PMDB defende a redução da Esplanada, composta pelo recorde de 39 ministérios. E os opositores criticam – dizem que o plebiscito é uma estratégia do Planalto para escapar dos problemas reais apontados pelas ruas.

Especialistas também se dividem sobre a prioridade do plebiscito e da reforma, pautada em temas como financiamento de campanha, fim das coligações, voto proporcional ou distrital, fim da suplência no Senado e do voto secreto em cassações. Cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), João Feres Júnior considera importante o debate, mas acredita que a proposta foi apresentada em um "péssimo momento".

– A reforma surge num momento de negação da política. As pessoas ficam com a tendência de apoiar opiniões contra a representação política, o que enfraquece a democracia – ressalta ele.

Procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e pós-doutor em Direito, Lenio Streck alerta que, mais do que alterações no sistema eleitoral, a população cobra uma mudança de atitude dos políticos. Pressionado, o Congresso nas últimas semanas aprovou o uso dos royalties do petróleo na educação e saúde, derrubou a PEC que tirava o poder de investigação do Ministério Público, barrou o projeto da "cura gay" e aprovou a ficha limpa para servidores públicos. A agenda positiva, porém, não impediu desvios de conduta.

Os presidentes da Câmara e do Senado usam os aviões da FAB de forma indiscriminada. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) levou a noiva e a família para a final da Copa das Confederações, enquanto Renan Calheiros (PMDB-AL) foi a um casamento. Para Streck, não adianta mudar o sistema se as práticas continuarem as mesmas, sem as devidas punições.

– Democracia se faz com instituições que funcionam. As pessoas querem uma resposta à impunidade, maior transparência na política – afirma ele.

Eleição não deve contaminar debate

Para o cientista político americano David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), a melhor resposta da presidente aos protestos seria abrir as contas dos ministérios. Ele defende uma força-tarefa, composta por Ministério Público, Tribunal de Contas e Controladoria-Geral da União, para apurar e punir desvios no governo.

– Seria uma atitude contundente, mas iria desagradar a seu partido e a todos os aliados.

Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o cientista político Fernando Lattman-Weltman destaca a importância de realizar a reforma, mas critica a pressa do governo. Apesar de o tema estar no Congresso há quase duas décadas, ele considera precipitado trazer o eleitor para o debate público com a necessidade de tomar uma decisão rápida. Realizar a consulta este ano seria um erro, diz ele. O ideal seria deixar para depois das eleições de 2014.

– A reforma é boa, desde que seja feita com tempo e debate. Pautar a reforma com a próxima eleição é ruim para o país, já que vai contaminar a discussão por paixões partidárias – destaca Lattman-Weltman.

O historiador Francisco Teixeira apoia o plebiscito e a reforma, mas cobra do governo medidas de curto prazo. Teixeira acredita que o Congresso só aprovará a reforma política se for pressionado pelos brasileiros – nas ruas ou nas urnas.

– O Planalto foi sagaz ao colocar o bode na sala do Legislativo. Mas Dilma precisa fazer política. Ela é a presidente, não a gerente do Brasil.

Relator da última tentativa de reforma política, engavetada em abril, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) concorda com a necessidade de atitudes imediatas, como o corte de R$ 15 bilhões em gastos anunciado pelo governo. Contudo, o petista defende a realização das mudanças, mesmo que só possam valer para as eleições de 2016.

– Quem espera há 18 anos deve combater a sensação do deixar para depois. Já se discutiu demais a reforma. A pressão das ruas pede por mudanças na forma de fazer política.

Fonte: Zero Hora (RS)

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