sábado, 25 de janeiro de 2014

Luiz Carlos Azedo: Homofobia disfarçada

Kaique Batista dos Santos, 16 anos, foi encontrado com o rosto desfigurado, sem dentes e com uma barra transpassada na perna direita. Tinha acabado de sair de uma boate próxima à Avenida 9 de Julho, em São Paulo. O rapaz, assumidamente gay, sofreu traumatismo craniano por agente contundente, segundo um dos laudos. Ao ver o corpo machucado, familiares e amigos, emocionados pela violência da cena, relacionaram a morte à opção sexual de Kaique.

O caso ganhou espaço nas redes sociais e na imprensa, no rastro dos ataques homofóbicos promovidos pelos covardes de skinheads paulistanos. Não era nada disso, como se sabe — ou pelo menos como a própria família admitiu depois de a polícia apontar para suicídio. Kaique simplesmente teria decidido pular do viaduto. O rosto desfigurado, os dentes quebrados e a fratura — exposta — na perna foram resultado do impacto com o chão.

O relato acima foi publicado, com uma ou outra variação, ao longo da semana pelos jornais. O erro inicial, a partir de uma grave precipitação, parece mais do que claro. Tudo levava a um crime contra um homossexual. E todos ativistas — ou quase todos, principalmente nas redes — embarcaram na tese. Sim, uma tese que não se confirmou com as investigações e com o convencimento da família. A informação da internet e da imprensa se mostrou falsa. Mas nada justifica a reação homofóbica de gente que pareceu satisfeita com a comprovação de suicídio, apenas pelo fato de ridicularizar denúncias apressadas de assassinato contra um homossexual.

Os felicianos espalhados país afora se regozijaram com a denúncia falsa da família de Kaique. Uma denúncia compartilhada na rede e nas ruas, com as manifestações de grupos de direitos humanos e do movimento gay. Pareciam vingados por terem de aturar homossexuais na internet e nas praças clamando por uma falsa justiça, afinal Kaique morreu por conta própria, não foi culpa de quem é contra a diversidade sexual. Na cabeça dos nossos felicianos, toda aquela histeria finalmente teve um fim. Para eles, o lobby gay perdeu, pagou o mico.

Trabalhar, em qualquer nível, com uma informação falsa é imperdoável. Mas aqui é impossível culpar a família de Kaique pelas primeiras suspeitas de ataque homofóbico. Naquele momento, tudo estava misturado. A emoção acabou se transformando em revolta, afinal, seria quase impossível não considerar um ataque homofóbico contra Kaique naquelas circunstâncias. De outra forma, deve-se exigir cautela dos responsáveis por entidades de direitos humanos, por mais que se saiba o quanto esse pessoal está escaldado quando se trata da violência contra gays, principalmente em São Paulo.

Arrogância
Na cadeia de erros nas redes e na mídia, o mais gritante, entretanto, é o da ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Ela parece se equivocar de propósito, tal o número de chutes ao longo da gestão à frente da pasta. No episódio envolvendo a morte de Kaique, antes mesmo do resultado da apuração e contra todos os argumentos da polícia, a petista cravou, em nota oficial, que o rapaz foi "brutalmente assassinado". Tratava-se, segundo ela, de um crime de ódio motivado por homofobia.

Num misto de arrogância e partidarismo tacanho, Maria do Rosário afirmou, na nota divulgada na sexta-feira, 17, que a secretaria estava "acompanhando o caso junto às autoridades estaduais (do PSDB, diga-se) para evitar impunidade". Naquele momento, seis dias depois da morte, os mais atentos ao noticiário já imaginavam o equívoco da tese de crime homofóbico. A ministra, entretanto, por conta e risco, decidiu esticar a corda. E errou. Não foi a primeira vez. E, ao que parece, não será a última.

Em maio do ano passado, Maria do Rosário ultrapassou a linha que separa o bom senso das ações inconsequentes. O episódio daquela vez foi o boato envolvendo o corte no programa Bolsa Família. Avançando de forma perigosa no jogo partidário — como fez no caso Kaique —, a petista usou a rede social para acusar adversários. "Boatos sobre o fim do bolsa família deve (sic) ser da central de notícias da oposição. Revela posição ou desejo de quem nunca valorizou a política." Um mês depois, a Polícia Federal concluiu o inquérito apontando para a inexistência de indícios que comprovassem uma divulgação orquestrada e deliberada dos boatos. Pronto. Maria do Rosário é a ministra do chute.

Fonte: Correio Braziliense

Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns Azedo! Seu texto é claro, preciso e essencialmente analítico.