"Os riscos são elevados e o cobertor está curto"
Começam a surgir as linhas mestras de um programa econômico do PSDB. A primeira constatação é de que para corrigir os desvios da política macroeconômica do segundo mandato de Lula para cá não basta mais retomar o tripé - rigor fiscal para conter a expansão da dívida pública, regime de câmbio flutuante e meta para a inflação. É preciso ir além, consertar os equívocos cometidos desde então e agregar novos reforços institucionais.
Arminio Fraga, ex-presidente do BC e sócio da Gávea Investimentos, expôs, na quarta-feira - em palestra por ocasião da comemoração dos 20 anos do Plano Real - o que pode ser visto como o "esqueleto" de uma proposta para o candidato do PSDB à presidência da República, senador Aécio Neves. Arminio é um dos economistas mais próximos de Aécio e, embora não tenha falado como tal, é impossível separar suas ideias do programa que o senador deverá anunciar durante a campanha.
Para reforçar o regime macroeconômico, do lado monetário ele sugere foco na meta de inflação (de 4,5%) e, uma vez atingida, "eu recomendaria uma redução modesta e gradual da meta de inflação e um estreitamento da banda". A margem de tolerância do sistema de metas é, hoje, de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo, o que deixa amplo intervalo de 2,5% a 6,5% para acomodação de choques de oferta.
O sistema de metas para a inflação deve ser acompanhado da formalização da autonomia operacional do BC, como, aliás, é no resto do mundo que o adota. "Os benefícios de um modelo de autonomia voltada para atingir as metas de inflação, estabilidade financeira e suavização do ciclo econômico são comprovados pela experiência internacional", disse Arminio. Como se trata de coordenação das expectativas, o modelo exige transparência e prestação de contas à sociedade.
O projeto de autonomia operacional do BC, que tramita no Congresso, quase foi retomado no ano passado, por iniciativa do ex-presidente Lula, como forma de resgatar a credibilidade do setor privado no governo Dilma. A ideia morreu como nasceu.
Na área fiscal, ele propõe meta de superávit primário plurianual, superior à atual de 1,9% do PIB, para reduzir a relação dívida/ PIB ao longo do tempo. "A definição de gasto primário seria feita sem artifícios e consolidando todos os subsídios", adiantou. Haveria a garantia de mecanismos flexíveis para adequar o esforço fiscal aos ciclos econômicos, o que também tornou-se uma preocupação do resto do mundo no pós-crise 2008/2009.
Sugeriu um limite legal para a relação gasto público/ PIB que leve as despesas públicas a crescer menos do que o PIB. Impor um teto para o gasto é "condição essencial para uma disciplina democrática de definição de prioridades e para estancar o crescimento da nossa já elevada carga tributária".
Um teto formal barraria, ainda, a expansão da dívida bruta do governo federal, para reduzir subsídios e melhorar a qualidade da intermediação financeira. A limitação do endividamento da União, embora previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, nunca foi regulamentado, porque os governos jamais quiseram fazê-lo.
Para Arminio, a economia vive, hoje, um "momento de frustração". Os problemas não começaram com a presidente Dilma. Eles datam do segundo mandato do presidente Lula, quando se passou de um modelo mais equilibrado para uma "nova matriz", caracterizada por uma política macroeconômica mais frouxa, "com muito foco no consumo e em transferências e pouco foco na produtividade". Desde então houve mais intervencionismo e protecionismo, além de grande incerteza e erros de natureza regulatória. "Como demonstram as situações em que se encontram os setores de energia e petróleo", citou.
Do governo Dilma Rousseff vieram menor disciplina e falta de transparência da política fiscal, com perda de credibilidade e ameaça de rebaixamento (pelas agências de rating). Ele listou ainda: abuso no uso das instituições financeiras oficiais na expansão da oferta de crédito, com impacto negativo não apenas macro, mas distributivo e alocativo; e voluntarismo na política monetária, "que fracassou, e felizmente foi revisto, mas não sem danos sobre a credibilidade construída ao longo de quatro mandatos presidenciais".
Construiu-se, assim, um quadro de "grave incerteza", que levou a um descompasso entre a demanda e a oferta na economia.
O rebaixamento do rating do país já foi feito de maneira oficiosa, pelo mercado, quando os juros de longo prazo chegaram a 6,75% reais, indicando um elevado prêmio de risco. O mesmo ocorreu com a recente captação externa da Petrobras, que pagou entre 250 e 360 pontos-base sobre os títulos do Tesouro americano, de acordo com os prazos da emissão. Um prêmio de risco muito superior ao do Brasil, na faixa de 170 a 180 pontos sobre os "treasuries". Nos seus bons tempos, a Petrobras chegou a captar em melhores condições que a dívida soberana do Brasil.
Diante dos erros, os resultados, segundo Arminio, eram previsíveis: "Baixo investimento, apesar de esses serem de necessidade gritante; e inflação alta, apesar de represada pelo congelamento de preços dos combustíveis, da energia, das tarifas de ônibus". Além de o governo estar, prosseguiu ele, cometendo "uma loucura ambiental e microeconômica", ao incentivar o consumo de combustível fóssil ao invés de lidar com a escassez de petróleo.
A média de crescimento no governo atual é de 2%, indice baixo. O déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, de quase 4% do PIB, torna-se perigoso na hora em se aproxima do fim o longo período de juros zero nos EUA, alertou.
Ele reconhece que algumas boas mudanças começaram a ocorrer do ano passado para cá, os leilões de concessão, a lei dos portos, mas perdeu-se muito tempo e " a fragilidade da nossa situação ficou exposta", disse.
"Alguns alegam que o quadro hoje é ruim, mas não catastrófico", observou. "Tendo a concordar quando olho para a foto, mas não quando olho para o filme, para a tendência. Os riscos são elevados e o cobertor está curto", concluiu.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação
Fonte: Valor Econômico
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