Na gestão da crise energética, há um desalinhamento entre os interesses do Planalto
A probabilidade de que um racionamento de energia elétrica se faça necessário tornou-se preocupantemente alta. E vem aumentando a cada dia. Mas o governo insiste em fingir que o problema não existe. Recusa-se a tomar medidas preventivas que, se adotadas a tempo, poderiam reduzir substancialmente o risco de ocorrência de um quadro mais grave de insuficiência de oferta de energia. A seis meses e meio das eleições, o Planalto teme, com certa dose de razão, que o reconhecimento pelo governo de que o país está à beira de um racionamento possa ter efeito devastador sobre o projeto da reeleição. Prefere jogar com a sorte.
Boa parte da mistificação que se construiu em torno das supostas qualidades de Dilma Rousseff como administradora está relacionada ao setor elétrico. E ao papel central que a presidente desempenhou, ao longo dos três últimos governos, na condução da política energética. Tendo feito e desfeito o que bem entendeu no setor elétrico por mais de 11 anos, a presidente não tem hoje a quem repassar a culpa pela precariedade da oferta de energia que se vê no país.
Não é fácil para o Planalto reconhecer que, ao fim e ao cabo de três governos, as coisas desandaram a tal ponto nessa área, sobretudo depois de se ter permitido adotar um discurso sobre política energética constrangedoramente triunfalista. Para perceber de forma mais concreta a real extensão desse triunfalismo, vale a pena ver de novo, à luz do quadro atual, o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff à Nação, feito há pouco mais de um ano, em 23/01/2013 (disponível em http://zip.net/bqmMGk), para anunciar redução de tarifas de energia elétrica e garantir, de forma peremptória, que não havia “nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo”.
Por compreensíveis que possam ser as razões da presidente Dilma para se negar a reconhecer a dura realidade do setor elétrico, a verdade é que essa negação da existência do problema impõe ao país sério risco de que os danos dos desdobramentos da crise energética sejam muito maiores do que poderiam ser. Famílias e empresas não vêm sendo devidamente alertadas para o grave quadro de escassez que hoje se vive. E nem estimuladas a racionalizar e conter a demanda de energia. Muito pelo contrário. Tarifas de energia continuam sendo pesadamente subsidiadas pelo Tesouro. E tudo indica que esses subsídios, com que o governo vem sustentando artificialmente suas promessas de energia barata, deverão ser intensificados até as eleições.
O que se vê, portanto, é um grave desalinhamento entre os interesses do país e os interesses do Planalto na gestão da crise energética. A essa altura do processo eleitoral, o reconhecimento explícito da real extensão das dificuldades e a adoção de medidas preventivas bem concebidas, que mobilizem os consumidores e incentivem a contenção da demanda de energia, imporiam custo político proibitivamente alto à presidente Dilma Rousseff. Na medida do possível, o Planalto continuará apostando na sorte e nas possibilidades de prolongar a dissimulação da escassez de energia com farto uso de recursos do Tesouro.
Se essa aposta terá sucesso, é outra questão. É bem possível que o agravamento da precariedade da oferta de energia exija escalada cada vez mais custosa nessa grande operação de dissimulação. Em meio ao desespero, o governo já aventa até a possibilidade de recorrer aos dispendiosos geradores a diesel mantidos como back up por grandes consumidores comerciais de energia, como shoppings e supermercados. O que, naturalmente, exigirá subsídios ainda mais pesados do Tesouro.
O nome do jogo é esticar a corda tanto quanto possível e tentar empurrar o problema para depois das eleições. Até lá, gostemos ou não, a gestão da crise energética estará pautada pelo marqueteiro do Planalto. A menos, claro, que a aposta não tenha sucesso e o racionamento se torne de fato inevitável. Mas aí já será outra história.
Rogério Furquim Werneck, economista e professor da PUC-Rio
Fonte: O Globo
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