- Época
Não são apenas os de fora que profetizam a morte do Partido dos Trabalhadores. Em janeiro deste ano, em entrevista a Eliane Cantanhêde, do jornal O Estado de S. Paulo, a senadora petista Marta Suplicy, que acabava de zarpar do Ministério da Cultura em clima pouco amistoso, lançou o vaticínio: "Ou o PT muda ou acaba". De lá para cá, a ideia do fim do PT virou vedete no debate nacional. Vira e mexe, alguém aparece com a crônica da morte anunciada. Uns porque desejam isso, ardentemente; mal podem esperar para cuspir no túmulo da estrela vermelha. Outros porque lamentam a agonia, do fundo do coração. Bem que gostariam de salvar o partido, mas, nocauteados, não veem mais por onde. Entre envergonhados e deprimidos, apenas cochicham entre si, "o PT vai acabar" antecipando o velório. Marta Suplicy, pelo menos, não se deixou imobilizar. Já anunciou sua saída do partido, que, não tendo mudado, não serve mais para ela. Se o PT vai acabar, ela não quer acabar junto.
Profecias à parte, tentemos pôr o pé na realidade. O PT vai mesmo acabar? A pergunta precisa ser enfrentada em dois planos diferentes. Como sigla registrada no TSE, é bem difícil que acabe. A hipótese de cassação é improbabilíssima. A não ser que venha por aí uma falência financeira devastadora, a legenda vai continuar no jogo como as outras, sobrevivendo como tantas sobrevivem.
Num outro plano, porém, o cenário é funesto. Como projeto de mudança da cultura política do país, como sonho de renovação ética na gestão pública, como celeiro de tantos valores bons, como solidariedade, tolerância, transparência e liberdade, a situação do PT não tem esperanças. Nesse plano, o verbo "acabar" deveria ser pensado não no futuro, mas no passado. Como utopia, como a heróica e generosa utopia que empolgou a juventude e deu visibilidade e protagonismo a atores que estavam simplesmente alijados da mera possibilidade de acesso ao poder, o PT não vai acabar: já acabou. O PT original, que soube mesclar virtude cívica e combatividade social, que teve o engenho de combinar causas universais com mobilização sindical, que tinha no respeito à coisa pública o seu denominador comum e que foi um fator decisivo de modernização da disputa política no Brasil, esse aí já foi para o vinagre.
A utopia se perdeu. Não porque o poder a tenha transformado num monstro desumano, como aconteceu com a burocracia soviética; não porque tenha se deixado enclausurar por sua própria mística e, em nome dela, tenha passado a combater a renovação, como aconteceu com a ditadura cubana: a utopia petista se perdeu porque foi afanada. Sobraram os parlamentares eleitos, os prefeitos, a presidente da República, sobrou a máquina partidária com sua tesouraria enroladíssima. A alma sumiu. Foi reduzida a saldo bancário, talvez. A utopia foi monetizada. Ao PT já não restam o charme, o encanto e a credibilidade. Já não acreditam nele. Nem mesmo os que a ele dedicaram a melhor parte da vida.
Poderia ser pior, é claro (sempre pode ser pior). A velha estrela perdeu seu futuro como utopia, mas ainda não perdeu o seu, digamos assim, futuro como História (com H maiúsculo, como sonharam os seus fundadores). A utopia foi desviada, mas o passado em que nasceu e cresceu essa utopia não foi surrupiado. Ainda. Como os demônios que devoram o passado habitam o presente, se o partido não mudar, agora, já, esses demônios vão acabar jogando nos ombros da utopia de ontem a culpa pelos desvios de hoje. Se forem bem-sucedidos nesse intento maligno, o PT vai ser convertido num argumento em prol de uma tese absurda: a de que os sonhos de igualdade do passado teriam sido os verdadeiros responsáveis pelos malfeitos do presente. O problema não estaria tanto nos desvios éticos atuais, mas nos sonhos utópicos de antes, pois o ideário socialista seria o pai fundamental de toda corrupção.
Se esse absurdo prevalecer, quem vai se esfacelar (ainda mais) não será o PT, sozinho, mas a esquerda em seu conjunto, o que empobrecerá enormemente a diversidade ideológica e a própria cultura política da nação. O PT perdeu muito, mas não perdeu tudo. Se quiser preservar sua história, precisará se dedicar a investigar e explicar, publicamente, as razões pelas quais a conduta de alguns de seus dirigentes virou caso de polícia. Terá de parar com essa histeria de que a imprensa é sua inimiga e de que os seus males não passam de invencionices de repórteres profissionais. Terá de se depurar, sem tergiversações.
Ou terá perdido também a coragem? Tomara que não. Pior que uma utopia roubada é uma história sem futuro.
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