• Lula é a expressão brasileira do populismo surgido como consequência das ditaduras militares na América Latina
- Folha de S. Paulo / Ilustrada
Lula é um fenômeno brasileiro equivalente a outros semelhantes ocorridos em diferentes países.
Não é apenas uma personalidade, um fenômeno individual da nossa vida política: é o produto de uma série de fatores nacionais e internacionais, que vão dos conceitos ideológicos às questões sociais tipicamente brasileiras.
O fenômeno Lula não ocorreria em nenhum outro país senão o Brasil. Por isso mesmo, ele difere de Kirchner, de Hugo Chávez ou de Evo Morales porque é fruto de nossa realidade.
Não estou dizendo que seu surgimento foi uma fatalidade e que, portanto, houvesse o que houvesse, ele surgiria aqui e se tornaria presidente da República.
Não, ele poderia não ter surgido ou não ter ido além da liderança sindical no ABC paulista: ter sido eleito presidente do sindicato dos metalúrgicos e ficado nisso. Se foi além, deveu-se às suas qualidades pessoais --a capacidade de liderança, a sagacidade e a esperteza.
Sim, mas essas qualidades só lhe possibilitaram ampliar o poder sobre os liderados e abrir caminho para a vida política porque as circunstâncias históricas o permitiram: por exemplo, o fracasso da aventura guerrilheira que obrigou os Dirceus e Genoínos a se conformarem em fazer política dentro da legalidade, dando origem ao Partido dos Trabalhadores.
Isso abriu caminho para que Lula se tornasse líder não apenas de sindicalistas, mas de um partido operário que aspirava à implantação do socialismo no Brasil.
Ele, Lula, não era socialista, tampouco revolucionário. Nunca lera um livro na vida --conforme alardeou--, muito menos as teorias marxistas. Sucede, porém, que, como líder sindical, dispunha do apoio operário e, consequentemente, da intelectualidade de esquerda que os militantes de classe média não logravam ter.
Isso fez dele não apenas um dirigente sindical, mas um líder operário revolucionário, particularmente na imaginação dos intelectuais que sonhavam com um socialismo até então inviável.
Não por acaso, Mário Pedrosa, Antonio Candido e outros intelectuais de prestígio passaram a ver nele a possibilidade de realização da revolução operária de que já haviam desistido.
Lula tornou-se, portanto, a reencarnação daquele sonho. E assim foi que, embora nada entendesse de marxismo, assumiu o papel de líder da uma nova revolução operária brasileira.
Sucede que, adotando essa imagem e o discurso esquerdista que lhe ensinaram, não conseguia eleger-se presidente da República. Ao percebê-lo, esperto como sempre foi, mudou o discurso, tornou-se o Lulinha paz e amor, e venceu as eleições presidenciais de 2002.
Aí começa a história de um novo Lula, presidente do Brasil, tomado pela megalomania, disposto a nunca mais deixar o poder.
Toma, então, as providências necessárias para isso: de saída, nomeia mais de 20 mil companheiros para funções públicas sem concurso e revoga o decreto de Fernando Henrique Cardoso, conforme o qual só técnicos poderiam ser nomeados para cargos técnicos, o que o impedia Lula de por companheiros e aliados sem qualificação em funções importantes.
E por aí foi. José Dirceu, seu braço direito, em viagem que fez então à Europa, declarou que o PT ficaria no poder por 20 anos no mínimo. Na verdade, Lula, como ele, pensava que ali ficariam para sempre, conforme a prática da esquerda revolucionária.
Um dos instrumentos principais desse projeto de poder era a Petrobras. E ele não demorou a tomá-la nas mãos, nomeando para cargos fundamentais gente do partido e aliados, numa aliança corrupta que, mais tarde, a Operação Lava Jato revelaria.
Tarde demais, porque a essa altura já as trapaças haviam sido consumadas. Por outro lado, dentro de seu projeto de permanência no poder, presenteou aliados políticos com refinarias que nunca foram construídas ou custaram bilhões de reais a mais que o previsto.
Assim, o adversário da privatização fez da Petrobras propriedade sua e de seu partido.
Lula é a expressão brasileira do fenômeno populista que surgiu na América Latina como consequência das ditaduras militares que o anticomunismo norte-americano nos impôs e tornou possível que demagogos como Chávez e Lula se arvorassem em salvadores da pátria.
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Ferreira Gullar, ensaísta, critico de arte e poeta. É membro da Academia Brasileira de Letras (ABL)
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