- O Estado de S. Paulo
A estrela do PT mandada desenhar nos jardins do Palácio da Alvorada, em 2004, e depois transportada para a Granja do Torto - duas residências da Presidência da República - já indicava a tendência do casal Luiz Inácio e Marisa Letícia da Silva de tomar por privado o patrimônio público.
As investigações do Ministério Público de São Paulo que servirão como subsídios à Operação Lava Jato relevam mais que isso: um possível favorecimento ilícito por parte de duas empreiteiras, OAS e Odebrecht, na aquisição e reforma de um apartamento no Guarujá e na execução de melhorias de um sítio em Atibaia, respectivamente litoral e interior de São Paulo.
Qualquer semelhança com a reforma dos jardins da Casa da Dinda - residência particular do então presidente e hoje senador igualmente investigado, Fernando Collor - com dinheiro obtido a partir de arrecadação de propinas pelo chamado esquema PC Farias, não é mera coincidência.
Ambos os fatos desenham um elo entre os dois ex-presidentes: a falta de cerimônia no uso do poder para o financiamento do gosto por hábitos de luxo. Prática cultivada desde sempre por Collor, oriundo de família rica de Alagoas, e adquirida ao longo da trajetória política de Lula, filho da pobreza reinante no agreste pernambucano.
A jardinagem e a compra de um Fiat Elba, pagos pelo tesoureiro da campanha e eminência parda do governo, Paulo César Farias, derrubaram Fernando Collor de Mello, castigo (como se vê agora) insuficiente para o aprendizado da lição. De rivais, transformaram-se em compadres da irresponsabilidade e da transgressão.
A compra e reforma do triplex no condomínio Solaris, se não muito bem explicadas ao Ministério Público têm potencial para desalojar Lula do panteão dos invencíveis onde foi posto pelo eleitorado, e ainda fazê-lo perder a vaga no altar das santidades em que ele mesmo se colocou ao se declarar “a alma viva mais honesta do País”.
Com a convocação do MP paulista para depoimento em meados de fevereiro junto com a mulher Marisa e o empreiteiro Léo Pinheiro, Lula transita da condição de testemunha e/ou informante para a posição de investigado. Em miúdos: antes o que se pedia ao ex-presidente eram informações a respeito de fatos que poderiam ou não ser do conhecimento dele; agora, o que o MP apura é a participação do ex-presidente no suposto uso da comercialização dos apartamentos em esquema de lavagem de dinheiro.
A consequência é que se não convencer os procuradores, provavelmente sairá do depoimento denunciado e, com isso, irremediável e gravemente ferido do ponto de vista político. Não será fácil a tarefa de demonstrar sua inocência. Primeiro, porque já foram apresentadas diversas e contraditórias versões a respeito da propriedade.
Em 2006, ele declarou o imóvel no Imposto de Renda; em 2010, confirmou a propriedade imaginando se defender de uma infração tributária; em 2014, confirmou a versão para duas semanas depois adaptá-la, dizendo que Marisa Letícia tinha uma cota do empreendimento, mas que não havia feito opção de compra da unidade. Seis meses depois, sua assessoria passaria a negar a existência de posse.
Em segundo lugar, o ex-presidente terá de desmontar de maneira definitiva os depoimentos de testemunhas que confirmam a presença dele e de Marisa, esta com maior frequência, no condomínio para acompanhar as obras de reforma e decoração do imóvel. Se o apartamento não pertencia a eles, o que faziam lá?
A princípio, cuidavam do patrimônio do casal. A menos que zelador e moradores, cujas versões confirmam as presenças, sejam insidiosos conspiradores cooptados pela nossa diligente e sempre alerta oposição.
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