domingo, 31 de janeiro de 2016

O que fazer – Editorial / Folha de S. Paulo

O governo Dilma Rousseff (PT) demonstrou na última semana que compreende mal a natureza e a dimensão da crise econômica. Uma das piores recessões da República também não parece suscitar sentimentos de urgência no governo.

A presidente e seus principais ministros discursaram para representantes da sociedade, convidados a participar do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, apelidado Conselhão. Às vésperas da retomada dos trabalhos parlamentares, a ocasião oferecia a oportunidade de um discurso de reestreia do governo.

Mas a presidente não apresentou um plano adequado nem mesmo a tempos normais, ainda menos para os dias que exigem um programa de reconstrução urgente.

Da exposição resultou apenas mais um plano auto-enganoso, de expansão do crédito bancário em dezenas de bilhões de reais, como tantos jogados ao vento em seu primeiro mandato –quando semeou-se a enrascada de hoje.

Sob os cinco primeiros anos de Dilma Rousseff, o crescimento da renda per capita nacional foi nulo. Em 2015, a economia encolheu não menos que 3,5%. Para este ano, as projeções indicam baixa de 3%.

A taxa de desemprego subiu de 7%, ao final de 2014, para perto de 10% em dezembro e, estima-se, deve chegar aos 13% nos próximos meses. A renda do trabalhador começou a cair. O total de empréstimos recuou quase 4% em 2015.

O investimento em expansão da capacidade produtiva recua faz dez trimestres, desde a metade de 2013. O nível de confiança de empresários e consumidores está nas mínimas históricas.

Não se está a descrever um mero ciclo de retração, experimentado periodicamente por qualquer economia de mercado. Trata-se de um momento em que a capacidade de enxergar o futuro se acha bloqueada pelo descrédito e pela fragilidade política do Planalto.

Chegou-se a tal situação por uma sucessão obstinada de erros cometidos pela presidente, materializados agora em um colapso orçamentário de proporções inéditas.

Incapaz de restringir suas despesas aos limites de uma arrecadação declinante, o governo não tem como deter o agigantamento da dívida pública, já perto do patamar de 70% da renda do país e sem sinal de que parará por aí.

Dessa perspectiva resulta a incerteza que paralisa indústria e comércio, que alimenta a alta do dólar, da inflação e dos juros. Sem interromper esse processo, Dilma Rousseff não conseguirá fazer política econômica ou de espécie alguma.

É imperativo, portanto, que o governo conceda a derrota de sua estratégia original, abandone a insistência farsesca nos pacotes de crédito e dê consequências sérias ao discurso até agora propagandístico que transpareceu no Conselhão.

A esperança está em que a presidente articule um programa coerente com o qual possa convocar o apoio do Congresso e de setores e quadros relevantes da sociedade.

Há o que oferecer de imediato para reanimar os espíritos –colocar em prática o plano de concessões de obras e serviços públicos para a iniciativa privada.

Não haverá o fundamental engajamento do empresariado enquanto tais projetos estiverem impregnados dos cacoetes estatistas e outras teimosias da presidente.

Mas, acima de tudo, não haverá ambiente para empreendimentos de nenhuma espécie caso não se dê conta do mínimo essencial das reformas do gasto público.

A primeira tarefa é conter, ainda que em caráter emergencial, a expansão das despesas obrigatórias –com pessoal, aposentadorias, benefícios trabalhistas e assistenciais, entre outros– que consomem quase 90% da receita disponível da União.

Para tanto, há que se enfrentar com coragem uma compulsão dos formuladores de políticas públicas no país: a destinação de parcelas fixas da arrecadação a determinados programas e setores, como saúde, educação e uma miríade de exemplos menos importantes.

Tal prática, associada ao costume arraigado de promover a correção automática de salários e benefícios pela inflação passada, impede que o Executivo ajuste suas prioridades e adapte o Orçamento a situações adversas.

Um paliativo tem sido, desde os anos 1990, renovar um dispositivo transitório da Constituição que permite o uso livre de uma fatia das receitas. Esse mecanismo poderia ser ampliado, associado a um teto para o gasto total do governo e até estendido a Estados e prefeituras.

É preciso também encaminhar uma proposta palpável de reforma da Previdência, até aqui só ensaiada em falas genéricas –com idade mínima para a aposentadoria e revisão da generosidade excessiva das regras das pensões por morte.

Ao proporcionar um horizonte de estabilidade das despesas, tal programa tornaria aceitável algum aumento de tributos de modo a acelerar o acerto das contas públicas. Pouco mais adiante, há a reforma das relações trabalhistas e a desburocratização do ambiente de negócios.

Propõe-se, enfim, uma agenda que promova uma reviravolta das expectativas econômicas e prepare o crescimento econômico em bases mais duradouras –um projeto que demandará um trabalho de enfrentamento de resistências ideológicas e corporativas.

Ou bem se apoie a mudança ambiciosa ou se assuma a responsabilidade do fracasso que vai derivar da passividade ou da oposição meramente destrutiva. Isto é, mais uma década perdida para o Brasil.

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