- O Globo
Há uma dissonância entre os cenários que muitos economistas fazem para a política e para a economia. Eles traçam um quadro de inflação alta, alguns falam em continuação dos dois dígitos, recessão de 4%, déficit público persistente, dívida bruta em rota perigosa e desemprego que ceifará milhões de vagas. No cenário político, acham que tudo ficará na mesma.
Um cenário não conversa com o outro. Em artigo neste jornal na sexta-feira, o economista Rogério Werneck chamou a atenção para esse desencontro. Se houver um aumento da deterioração econômica, isso trará mais desassossego social, maior turbulência política, o que é incompatível com o cenário “mais do mesmo”. A presidente Dilma terá que fazer um esforço maior de estabilização da economia para se manter no cargo, porque mesmo no presidencialismo, em que a troca de chefe de governo não é trivial, há vários caminhos para mudanças previstos na Constituição, portanto, não golpistas.
Nesta semana, os políticos voltam ao Congresso, depois do recesso em que estiveram em suas bases e ouviram inúmeras reclamações de eleitores sobre a situação econômica. Voltam, portanto, para o início de uma temporada de reclamações. Sabem que têm que demonstrar estarem sensíveis ao que lhes disseram os seus eleitores. Ainda mais em ano eleitoral. As prefeituras que estão sendo disputadas este ano serão a base para a campanha eleitoral de 2018. Há uma ligação direta entre este pleito e o que os parlamentares enfrentarão dentro de dois anos. Poucos vão querer defender, na campanha deste ano, um governo que tem como cartão de visita o trio inflação-recessão-desemprego.
Cálculos de consultorias e de bancos apontam para o quadro extremo de uma taxa de desemprego que pode chegar a 12%. Como o último dado conhecido foi 9% e cada ponto percentual a mais significa um milhão de pessoas procurando emprego sem encontrar, o que esses cálculos projetam é um aumento de dois a três milhões no número de desempregados este ano. A decisão do Banco Central de não subir juros, se de um lado poupou as contas públicas, de outro alimenta a expectativa de inflação alta por mais tempo. O único fator deflacionário é exatamente o que se quer evitar: a recessão.
Além disso, a base parlamentar está em frangalhos desde o ano passado, e a presidente não tem sido capaz de liderar a coalizão. Um cenário depende do outro. A coalizão só ficará mais coesa se houver alguma perspectiva de melhora, já que, por outro lado, não se pode contar com a habilidade política da presidente. Um segundo ano consecutivo de recessão é algo que não conhecemos, porque na história do país só aconteceu nos anos 1930.
Se há incerteza na política, na economia há certezas. A cada semana alguns temores se materializam. Na semana passada, foram os dados das contas públicas. O déficit nominal está em 10% do PIB. Este é um número grego. O déficit primário trouxe as sequelas das pedaladas que, em boa hora, o Tribunal de Contas da União desmascarou mostrando que jogava-se para os bancos públicos e fundos o que era obrigação orçamentária do governo.
Há dissonância também no que alguns falam sobre o impeachment. Acham que a razão que fundamentou o pedido dos juristas é fraco e nada ali se configura razão para o processo. Seria diferente se fosse através do Tribunal Superior Eleitoral porque então haveria razão suficiente para o afastamento.
O que o TCU mostrou, os fatos comprovam, e os juristas usaram em seu pedido é que a presidente infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. O enorme rombo de 2016 tem as cicatrizes das pedaladas. Se ela tivesse provocado a ruína econômica por má gestão, mas seu governo não tivesse manipulado estatísticas fiscais nem tivesse desrespeitado o princípio legal de que bancos públicos não financiam o governo, se poderia até descartar o embasamento econômico. Mas esse raciocínio cria duas classes de leis. E a fiscal seria de segunda classe, já que desrespeitá-la seria um crime menor. Se nada mais houvesse em torno do governo Dilma, seu mandato estaria sob risco por ter desrespeitado a lei que sustenta a estabilidade monetária e ter provocado a maior crise dos tempos recentes. Nesse ambiente de crise, é difícil que nada aconteça na política.
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