domingo, 31 de janeiro de 2016

Ligação com Lula ajudaria montadora, diz lobista preso

Em carta, lobista preso cita ‘ligação’ com Lula como facilitadora de negócio

• Em texto apreendido, Mauro Marcondes diz a executivo de multinacional que pode ajudar a empresa por ter ‘ligação com o presidente’ e com ‘vários ministros de Estado'

Fábio Fabrini, Adriano Ceolin, Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

Uma carta apreendida pela Polícia Federal na Operação Zelotes indica que o lobista Mauro Marcondes Machado, preso em Brasília, usava de sua suposta proximidade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para vender seus serviços a potenciais clientes.

Em texto enviado ao ex-presidente da Scania para a América Latina Sven Harald Antonsson, Marcondes se colocou à disposição da companhia para ajudá-la em função de sua “ligação com o presidente da República, vários ministros de Estado e instituições ligadas à indústria”. A mensagem não é datada, mas, segundo a investigação, coincide com a vinda do executivo ao Brasil, o que ocorreu em 2008, no segundo mandato de Lula.

Marcondes está preso desde outubro do ano passado e responde a ação penal por participação em esquema de lobby e corrupção para viabilizar a edição, pelo governo, e a aprovação, pelo Congresso, de medidas provisórias de interesse do setor automotivo. Ele atuava como lobista de montadoras em diversas frentes, fazendo chegar pedidos a Lula e ministérios.

A Zelotes apura se pagamentos de R$ 2,5 milhões feitos pelo lobista a um dos filhos do ex-presidente, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, têm relação não só com a edição de medidas provisórias, mas com a aquisição dos jatos suecos, da Saab, para a Defesa brasileira.

‘Ajuda’. Então representante da multinacional sueca em entidades do segmento veicular, Marcondes escreveu ao executivo que assumia o comando da Scania para avisar que tinha, naquele momento, interesse de se manter na função ou passar a outros cargos de direção.

“Com a sua vinda para o Brasil, assumindo a presidência da Scania, com a atual situação de crise que estamos vivendo, não me sinto bem em deixar a cia. (companhia). Principalmente neste momento em que eu tenho convicção que posso ajudar muito a empresa e o setor, em função da minha ligação com o presidente da República, vários ministros de Estado e as instituições ligadas à indústria”.

Em 2008 o então ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, levou a Lula solicitação do representante da Scania para que adiasse a entrada em vigor de uma norma ambiental mais rigorosa sobre emissão de poluentes por veículos a diesel.

Depois disso, o governo fez um acordo com o Ministério Público Federal e outros órgãos cancelando a medida, o que interessava à multinacional. Porém, não se sabe se a decisão foi, de fato, influenciada pela empresa. Uma nova regra só entrou em vigor em 2012.

Num dos inquéritos da Zelotes, a PF destaca que, na carta, Marcondes fala da suposta aproximação com Lula como uma de suas “habilidades empresariais”. A mensagem não descreve quais gestões ele faria naqueles tempos de crise para ajudar a Scania. Apenas afirma que não gostaria de se sentir como “aquele que abandona o barco num momento de turbulência”. Em interrogatório no último dia 7, questionado a respeito, o lobista silenciou.

Sven Harald presidiu a Scania na América Latina de 2008 a 2011. Não há informação, nas investigações, sobre se o executivo recebeu a carta e sobre qual foi sua reação. Marcondes se desvinculou da companhia em 2010. A relação do lobista com Lula, citada na missiva, remonta à década de 1970, quando Mauro Marcondes trabalhava no setor de Recursos Humanos da Volkswagen e o petista era líder sindical no ABC.

Em depoimento à PF, Lula afirmou nunca ter atendido a pedido de Mauro Marcondes enquanto presidente e que, depois de deixar o cargo, não foi demandado por ele a intervir no governo federal. O petista disse não ter nenhuma relação com o lobista ou suas empresas. Procurada, a Scania no Brasil não se pronunciou, justificando que precisava consultar a matriz na Suécia. O Instituto Lula, presidido por Paulo Okamotto, disse que não iria se manifestar.

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