Em 30 dias de governo, o saldo de Michel Temer é positivo em relação às reformas da economia, mas deixa a desejar na política. O que se configura uma contradição, porque o avanço da agenda do ministro Henrique Meirelles somente foi possível graças ao acerto da articulação política do governo no Congresso. Paradoxos de uma crise sem fim. Na prática, a ética na política desafia o governo do presidente interino, tanto quanto desafiou o da presidente afastada, Dilma Rousseff, em seus quatro anos e oito meses de mandato.
Em menos de um mês, avançaram no Congresso propostas que, no governo anterior, nem sequer foram consideradas. Caso do projeto que desvincula 30% das receitas da União, já aprovado em segundo turno de votação na Câmara, e da mudança da meta fiscal. Sem falar da aprovação do nome do economista Ilan Goldfajn para presidente do Banco Central. Todas por ampla maioria. À exceção do nome de Ilan, eram propostas que já tramitavam no Congresso, que não mudou. É exatamente o mesmo. A diferença é o novo governo.
Pelo menos no que diz respeito às reformas econômicas, o governo Temer é muito mais coerente e afinado com a maioria congressual que seu antecessor. A presidente Dilma e seu partido, o PT, não tinham convicção sobre temas como equilíbrio fiscal ou as reformas previdenciária e trabalhista. O governo dizia uma coisa e seu partido fazia outra no Congresso, o que servia de justificativa para a omissão da base aliada. Foi essa falta de identidade entre o governo e suas propostas que fez naufragar Joaquim Levy à frente do Ministério da Fazenda.
Essa é a diferença mais marcante entre os dois governos, por enquanto. Para melhor, pode-se afirmar, pois o avanço das reformas é crucial para estabilidade econômica, condição fundamental para se pensar na retomada do crescimento, mais adiante. O problema está em semelhanças entre um e outro governo, em um assunto igualmente crucial, como é o caso da Lava-Jato, a operação que investiga o desvio de recursos da Petrobras para o pagamento de propina a políticos.
Durante seu primeiro mandato e ao menos até o juiz Sergio Moro apertar o cerco em torno do ex-presidente Lula, quando decretou sua condução coercitiva pela Polícia Federal, a presidente Dilma procurou manter uma prudente distância em relação à Lava-Jato, não apoiava mas também não condenava e chegou a insinuar que a investigação era obra de seu governo. Depois, rasgou a fantasia. Hoje, ataca abertamente a operação, os procuradores encarregados da investigação e o juiz Sérgio Moro, além do instituto da delação premiada. Ela e Lula. Ao mesmo tempo em que seu nome começou a aparecer de forma repetitiva como beneficiário de propina da Petrobras.
O governo Michel Temer estreou sob a desconfiança de que poderia tentar abafar a Lava-Jato. Gravações de conversas do ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com integrantes da cúpula do PMDB, entraram para o rol de provas da tentativa de obstruir a Justiça. Por isso mesmo, já na posse, Temer alardeou apoio à Operação. E em apenas duas semanas de governo, demitiu dois ministros que caíram nas gravações. Parecia ter estabelecido um critério para esses casos, mas não foi o que se viu na sequência, quando outros ministros entraram na roda, sendo o caso mais notório Henrique Alves, ministro do Turismo, amigo do interino e alvo de um dos inquéritos da operação, que ainda não foram defenestrados.
Neste exato momento, a pedido do procurador-geral Rodrigo Janot, a cúpula do Congresso e parte da direção do PMDB, o partido de Temer, estão ameaçadas de prisão. O procurador considerou o debate dos políticos com Machado sobre a necessidade de medidas adicionais de regulação das investigações uma forma de obstrução da Justiça. O vazamento do pedido foi considerado também recurso para pressionar o Supremo Tribunal Federal, que há 20 dias tem o pedido bem guardado na gaveta.
Desde então o MP vem se justificando, enquanto os advogados esperam que o julgamento do pedido de prisão revele razões mais fortes do que o noticiado até agora. O STF deve decidir a qualquer momento a requisição, mas é pendência que incomoda o governo.
A Câmara dos Deputados está acéfala, enquanto seu presidente, afastado por decisão do STF, já esgotou a paciência nacional com suas manobras para manter o cargo e o mandato.
O desafio de Temer está em manter o compromisso com as investigações sem perder o apoio do Congresso a medidas necessárias para tirar o país da crise.
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