- O Estado de S. Paulo
• Não basta conter: é preciso racionalizar o gasto público e revalorizar a eficiência
A grande promessa do presidente Michel Temer, tirar o Brasil do atoleiro e abrir caminho para a volta ao crescimento seguro, continua encerrada no mundo das palavras. Ele ainda precisa vencer o primeiro obstáculo político. Tem de conseguir a aprovação, no Congresso, do teto para aumento do gasto público. Esse limite está previsto na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 241. Se a mudança for aprovada, o aumento da despesa total será limitado pela taxa de inflação do ano anterior. Não haverá, portanto, elevação real do dispêndio. Componentes do Orçamento, como educação e saúde, poderão crescer além do teto, mas para isso será preciso reduzir outros itens. Administradores e políticos, tanto do Executivo quanto do Legislativo, poderão mostrar suas verdadeiras prioridades e seu compromisso com os valores alardeados. É fácil defender belos objetivos – em geral mais associados à gastança que a resultados – quando os limites políticos do Orçamento são mais elásticos.
Tratar com parcimônia e seriedade o dinheiro público é outra história. A oposição à PEC 241 é baseada em grande parte na defesa de verbas amplas e seguras para educação e saúde. É ingenuidade confundir essa defesa com um genuíno interesse nos padrões educacionais, sanitários e de assistência médica. Verbas vinculadas e fartas de nenhum modo garantem qualidade e amplitude dos serviços. Notas obtidas por estudantes brasileiros em testes internacionais de linguagem, matemática e ciências mostram o fracasso das políticas.
Governos petistas alargaram as portas de entrada do chamado ensino superior e com isso podem ter conquistado a simpatia de grande número de jovens eleitores. Mas faculdades continuam diplomando milhares de estudantes mal formados e – pior que isso – o ensino médio continua sendo o principal gargalo do sistema escolar, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada sobre o assunto. Pelos números do IBGE, os analfabetos funcionais ainda correspondem a uma parcela entre 18% e 20% da população com 15 anos ou mais.
Mas a realidade pode ser pior que a sugerida por esses indicadores, porque é notória a escassez até de pessoal em condições de receber treinamento nas empresas. Relatórios da Confederação Nacional da Indústria chamaram a atenção para isso várias vezes nos últimos anos. A baixa produtividade da mão de obra tem sido apontada com frequência como um dos limites à competitividade e, portanto, à conquista de mercados, ao crescimento econômico e à criação de empregos decentes.
A qualidade e a eficácia das políticas têm ficado fora, há muito tempo, das preocupações tanto de presidentes e ministros quanto de parlamentares. Restabelecer esses valores será o trabalho mais difícil, nos próximos anos, de qualquer governo – do atual e dos seguintes. Apesar da crise, o resto do mundo continuou em movimento e o maior dinamismo foi exibido, como tem ocorrido há mais de uma década, pelos principais emergentes.
O atraso do Brasil, nesse período, foi mais grave que o indicado pelos números medíocres do crescimento econômico (média anual de 2,1% entre 2011 e 2014, retração de 3,8% em 2015 e novo recuo em 2016). Os dados mais assustadores correspondem à precária formação de capital humano, à inovação escassa, ao baixo investimento e à acomodação de boa parte da indústria num ambiente de mediocridade, com pouca integração internacional, custosos favores fiscais e muito protecionismo.
Também isso é parte do espólio desastroso deixado pela administração petista. A pauta deste e dos próximos governos deve ir muito além, portanto, da arrumação contábil das finanças públicas e do controle da inflação em níveis civilizados. Mesmo na área governamental, o trabalho deve ser muito mais ambicioso, incluindo a busca de novos padrões administrativos. Será preciso reabilitar valores desprezados pelos governos populistas, como produtividade e mérito.
Mas é inevitável começar a tarefa pela parte mais prosaica e menos ambiciosa. Neste ano, a meta fiscal – déficit primário de R$ 170,5 bilhões – será provavelmente alcançada, mas graças a receitas especiais. Até agosto, o governo recolheu R$ 6,2 bilhões de impostos derivados da regularização de recursos no exterior. Esse dinheiro entrou no balanço do quarto bimestre e é, por enquanto, a principal garantia de obtenção do saldo programado.
A redução do déficit primário a R$ 139 bilhões no próximo ano ainda vai depender de receitas especiais. A previsão inclui R$ 24 bilhões obtidos em contratos de concessões e permissões. Um ajuste efetivo, no entanto, só ocorrerá quando o resultado for independente de ganhos extraordinários.
Será preciso, portanto, controlar de fato e racionalizar a elevação da despesa, além de garantir a eficiência da arrecadação. A carga tributária nacional, acima de 32% do produto interno bruto (PIB), já é bem maior que a dos demais emergentes e supera a de alguns países desenvolvidos. Melhor evitar qualquer aumento da massa de impostos e contribuições, para evitar novos danos à competitividade e à criação de empregos. Mas valerá a pena reformar o sistema, tentando torná-lo mais funcional, isto é, mais adequado a uma economia envolvida na concorrência internacional. Se os governantes tiverem a necessária sensatez, seguirão uma diplomacia econômica mais favorável à integração do País nas principais correntes de comércio. Será preciso ajustar a tributação e outros fatores institucionais – padrões burocráticos, por exemplo – a essa mudança.
Essas questões compõem uma agenda estranha para a maior parte dos políticos de Brasília – talvez incompreensível para muitos. Isso complicará notavelmente o trabalho dos governantes, a partir de agora, se estiverem dispostos a tomar o desafio no sentido mais amplo. Ainda terão de mostrar essa disposição.
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