- O Globo
Pela primeira vez em muitos anos a produção agrícola vai encolher. Não é efeito da crise econômica, mas a agrava um pouco mais. Alguns índices de confiança que estavam em alta nos últimos meses começaram a cair. O PIB do terceiro trimestre deve ter tido queda próxima de 1%. Nesse quadro econômico, uma paralisia no governo provocada pelos constantes inesperados da política pode reduzir o ritmo do ajuste fiscal.
O que abateu a produção de grãos, em 12%, foi La Niña. Isso é mais um baque para a atividade econômica. Os índices de confiança do consumidor e da construção civil já mostraram a mudança de humor. A frágil melhora está indo embora com o acúmulo de notícias ruins. O PIB do terceiro trimestre será o sétimo a vir com queda. O economista José Roberto Mendonça de Barros, que calculava um crescimento de 2% em 2017, reduziu a previsão para 1%.
— O governo está indo na direção certa numa velocidade deplorável. O cenário externo é preocupante. Eu não estou entre os que acham que Donald Trump vai para o centro. Ele pode criar um estrago grande no comércio internacional. Aqui no Brasil, a taxa real de juros subiu fortemente, com a queda da inflação, e a economia está sem forças para a retomada —diz José Roberto.
Um dos lados mais complexos da conjuntura é a da crise dos estados. A negociação do pacto de austeridade pelo crescimento depende, para ir para frente, de que haja adesão de um grande número de estados, e nos últimos dias houve impasses em vários pontos. São Paulo resiste a um acordo, dizendo que já fez ajuste. O Acre discorda da proposta.
A melhor ideia que surgiu até agora vem sendo bombardeada pelo lobby dos empresários, a de criação do Fundo de Estabilização Fiscal, no qual as empresas que recebem incentivo fiscal teriam que depositar 10% do valor do benefício recebido. É difícil saber de quanto é a renúncia fiscal total, mas é possível ter uma ideia. Goiás publicou no portal da transparência que concede por ano R$ 6 bilhões. A receita total de ICMS do estado é de R$ 13 bilhões, o que significa que a perda é expressiva. Mas se 10% voltarem aos cofres públicos do estado serão R$ 600 milhões, o que cobriria o déficit orçamentário de R$ 500 milhões. Os empresários estão pressionando de forma coordenada para que isso não seja aprovado. Governos que estão aumentando a contribuição de aposentados, congelando salário de servidor, não vão cortar os benefícios para empresários? Ficaria estranho.
Para o Rio, o caso mais grave, com o enorme rombo de R$ 7 bilhões, além de redução de incentivos fiscais é preciso um conjunto mais forte de ajuste. O governador Luiz Fernando Pezão disse que não tem intenção de vender a Cedae:
— O BofA (Banco of America) disse que a empresa vale R$ 4 bi. Ela tem R$ 2 bi de passivos trabalhistas e com o fundo de pensão. Portanto, mais negócio seria vender parte das ações — o estado tem 99% — e concessionar alguns serviços, como o esgoto de áreas como a Região Metropolitana do Rio.
Os estados em situação mais difícil estão tendo uma conversa em separado com o Tesouro. Há um leque de medidas em análise, como a securitização de dívida e de royalties futuros de petróleo do Rio.
O Espírito Santo tem uma situação diferente e, no mesmo dia em que os governadores estavam em Brasília negociando, Paulo Hartung, em São Paulo, conseguiu fazer o leilão de uma Parceria Público Privada para ampliar o saneamento básico no município de Vila Velha. O estado conseguiria pegar empréstimos diante da nova resolução do Conselho Monetário Nacional, porque tem nota B dada pelo Tesouro, mas o que Hartung tem dito é que nenhuma solução é durável se não forem enfrentados os desequilíbrios no sistema estadual de aposentadorias.
Há grande concordância entre os governadores em torno da ideia de juntar-se à reforma da Previdência que o governo vai apresentar. Algumas decisões ficam mais fáceis se forem tomadas coletivamente, como a alíquota de 14% de contribuição, e a idade mínima tem que ser incluída na proposta federal.
Há muito a fazer. Nem tudo precisa do Congresso. O risco é o governo ficar perdido em seu labirinto, como aconteceu nos últimos dias na crise Geddel. É certo que outros casos vão surgir. Se quiser dar rumo ao país, o governo precisa ter um rumo.
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