- O Estado de S. Paulo
Nos idos do governo Lula já atingido por escândalos de corrupção, mas ainda bem avaliado pela população, o ex-presidente Fernando Henrique fez a seguinte constatação a um grupo que lhe perguntava a razão da passividade popular diante dos desmandos: “Determinadas mudanças na História ocorrem quando, de algum lugar, surge um curto-circuito e as coisas começam a explodir onde antes reinava a calmaria”.
À ocorrência desse colapso, cujo marco localiza-se nas manifestações de junho de 2013, a maioria da classe política resiste. Uma minoria já compreendeu o que se passa. E é por isso que até agora não foi possível a Câmara incluir na Constituição anistia ao crime do uso de caixa 2 e correlatos. Corrupção e lavagem de dinheiro.
Quem já entendeu do que se trata, protesta. A reação da Rede e do PSOL pôs o assunto em patamar de constrangimento. Institucionalmente poderoso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, diz que as divergências decorrem da falta de informação. Segundo ele, existe uma “falsa polêmica” pelo fato de que os deputados não podem anistiar “crime inexistente”.
No intuito de mostrar que seus pares estão em consonância com o espírito da proposta apresentada pelo Ministério Público, com o respaldo de dois milhões de assinaturas, argumenta: “Seria mais fácil não votar a proposta do MP, pois tudo continuaria como estava”.
Sofisma. Fosse assim, bastaria preservar o texto original. Agravar as penalidades do crime de caixa 2, sem incluir de maneira explícita que os infratores anteriores deveriam ser excluídos da regra posterior. Qualquer juiz lhes daria ganho de causa. A questão é que a ideia de suas excelências tem outro alcance: impedir punições por atos correlatos ao uso de dinheiro ilegal em campanhas eleitorais. Vale dizer, corrupção e lavagem de dinheiro.
É isso que todo mundo entendeu, ao contrário do que ele diz quando alega que a sociedade reage à medida porque está sendo mal informada. Foi-se o tempo em que qualquer justificativa aparentemente lógica servia como versão destinada a dar episódios como encerrados. O desdobramento do caso de Geddel Vieira Lima é típico.
Estava encaminhado para deixar tudo nas mãos da Comissão de Ética Pública, cujo poder de decisão é nenhum. Até que, espertamente, Marcelo Calero foi à Polícia Federal, depôs incluindo os nomes do ministro Eliseu Padilha e do presidente Michel Temer na trama, e a história mudou de patamar.
Temer viu-se obrigado a dar mais explicações e, aí, caiu de vez na armadilha montada por seu ex-ministro da Cultura. No lugar de encerrar a questão advertindo o então secretário-geral da Presidência de que incorria em tráfico de influência ao pedir ao colega que interferisse na decisão de uma instância pública em favor de um interesse particular, Temer tentou contemporizar.
Saiu do trilho quando sugeriu que os ministros se “entendessem” e que o caso fosse entregue ao arbítrio da Advocacia-Geral da União, quando já estava nas jurisdições competentes: o Patrimônio Histórico, que vetara a construção de um edifício onde Geddel comprara um apartamento, e a Justiça, que decidiria sobre o embargo da obra próxima à área tombada em Salvador.
Gravidade relativa diante de corrupção escancarada que sustentou de modo implícito o impeachment de Dilma Rousseff, ocorrido de maneira explícita por crime de responsabilidade na condução da economia? Sim, mas em decorrência do curto-circuito que levou ao despertar ético da sociedade, igualmente insustentável.
Um País que reelegeu Lula a despeito dos fatos revelados no escândalo do mensalão, deu a ele o aval de eleger e reeleger uma inepta, dava a impressão de tolerância (para não dizer ignorância) eterna. O bom senso prevaleceu e a paciência se esgotou.
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