- O Globo
Dois ex-governadores presos num período de 24 horas. Um ex-governador que recebe duas ordens de prisão ao mesmo tempo: uma do Rio e outra de Curitiba. Tudo isso em um estado em penúria, cujos servidores estão cercando o Legislativo em protesto contra um pacote de ajuste. O Rio de Janeiro está vivendo fortes emoções nas últimas horas e há muito o que refletir sobre o momento do país e do estado.
A obra de demolição das finanças do Rio teve muitas mãos. O ex-governador Anthony Garotinho sempre usou as políticas públicas para construir uma rede de compra de votos. Foram muitos os flagrantes em que ele esteve envolvido. O ex-governador Sérgio Cabral aumentou as despesas públicas numa época de crescimento da receita, como se o bom tempo fosse durar para sempre. Os dois, inimigos na vida pública, cometeram erros administrativos que levaram o estado ao descontrole das suas contas.
Cabral protagonizou cenas de promiscuidade explícita entre a maior autoridade do executivo local com um dos principais fornecedores do estado. A Delta, de Fernando Cavendish, teve, em determinado momento, 96% do seu faturamento em obras do estado governado pelo seu amigo Cabral. Nada justifica as cenas vergonhosas envolvendo o governador, sua mulher, seus principais assessores e o empreiteiro. Nada justifica aquelas viagens, aquele anel, a não ser a falta de qualquer barreira moral.
Ontem ficou claro que houve outras irregularidades nos contratos com a Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez. E as informações que os investigadores prestaram são impressionantes. Propinas pagas até nas obras nas favelas. Mesadas ao ex-governador e seus operadores. Quem deu as informações? Os executivos das próprias empreiteiras que fizeram os pagamentos e que, em troca, receberam as obras em regime de cartel e em licitações fraudadas.
Tudo isso foi depois do mensalão, quando já se sabia que o país estava disposto a lutar contra a corrupção, quando o processo contra exautoridades do governo Lula estava no STF. Mesmo assim, Cabral levou a extremos sua relação com as empreiteiras. Terá muito a explicar nesse tempo de prisão preventiva.
Os dois ex-governadores administraram mal o estado, ampliaram as despesas de forma inconsequente, não desarmaram as bombas fiscais que detonaram no colo do cidadão, mas estão sendo punidos porque, além disso, estão envolvidos em denúncias de crimes eleitorais e de desvios de dinheiro público.
Há vários pontos a destacar nesses episódios. No caso de Cabral, o PMDB ficou no foco do combate à corrupção. Fica comprometida a tese de que a LavaJato é uma conspiração contra o PT. A defesa de Lula tenta no exterior espalhar essa ideia entre formadores de opinião. A dupla ordem de prisão contra Cabral mostra duas varas federais unidas atuando contra os mesmos suspeitos e da mesma forma. Fica comprometida a ideia de que se o caso saísse das mãos do juiz Sérgio Moro seria mais fácil para os investigados. Durante muito tempo a defesa dos acusados trabalhou pela separação de partes do processo para que fossem levadas para fora de Curitiba.
Isso deveria ser sinal para quem no Congresso tenta aprovar projetos que limitam o trabalho de investigadores e juízes e abrem a possibilidade de anistia para quem fez caixa dois. Olhem em volta senhores. Este não é um tempo de proteger seus pares. É o momento em que o país decidiu enfrentar com impressionante desassombro o velho vício da corrupção na política. Só o desespero explica a tentativa de pendurar em projeto de combate à corrupção medidas para proteger corruptos.
No meio de tudo isso, uma nota totalmente fora do tom foi a invasão da Câmara dos Deputados por um grupo truculento que subiu na mesa do plenário e gritou pela volta da ditadura. O que está acontecendo no país é a democracia enfrentando velhos problemas nacionais. Será com a liberdade, duramente conquistada, e com as instituições que o país vencerá a crise econômica e os tormentos políticos. Ao contrário de outros manifestantes, que às vezes se exaltam na crítica a um projeto ou na defesa de uma tese, o grupo que foi a Brasília invadir o Legislativo fez a apologia de crime. O projeto era acabar com a própria democracia. A investigação precisa ser profunda, e a punição, rigorosa.
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