- Folha de S. Paulo
Enquanto as finanças do Rio de Janeiro vão se desmilinguindo e a Assembleia Legislativa local vira palco de confrontos campais, a Justiça determina a prisão preventiva dos ex-governadores Anthony Garotinho e Sérgio Cabral.
Não sei se o "timing" das operações policiais foi ajustado para coincidir com o agravamento da crise. Também não sei se as prisões preventivas, que em tese servem apenas para garantir o bom andamento do processo, não para punir criminosos, foram aplicadas segundo a melhor interpretação da lei. O que eu sei é que o encarceramento dos ex-mandatários, especialmente o de Cabral, oferece à população fluminense um pouquinho de justiça poética. Num momento em que autoridades propõem cortar até um terço dos salários e aposentadorias de servidores públicos, não deixa de ser reconfortante ver pelo menos um dos responsáveis pelo descalabro econômico sofrer um pouquinho.
Justiça poética, para os que não lembram, é um artifício literário utilizado para fazer com que a virtude seja recompensada, e o vício, punido. É o esquema básico de Hollywood. O mocinho vence, fica com a garota e o bandido sempre leva a pior, não raro provando do próprio veneno. Fazer justiça poética significa, assim, restaurar a ordem moral, que é o que, no universo clássico, justifica socialmente a própria literatura, vista com desconfiança já desde Platão.
O mundo da literatura, contudo, tem uma vantagem sobre o mundo real. No reino das letras, a história acaba no ponto em que o autor desejar, não sendo necessário lidar com toda a bagunça deixada pelo vilão. A narrativa pode simplesmente calar sobre isso. No Rio de verdade, porém, mesmo que punições exemplares sejam distribuídas a todos os políticos, ainda restará o caos fiscal para administrar. Isso significa que será necessário definir quais grupos pagarão quais fatias da conta. Não há justiça poética que resolva isso.
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