Os líderes dos países mais ricos do mundo, ao se reunirem em Hamburgo, tiveram de enfrentar, do lado de fora dos recintos, multidões enfurecidas, e, dentro deles, um participante mais que incômodo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Trump deu seu show particular e, como arauto do protecionismo, anunciou que fará um acordo de comércio "muito, muito rápido" com o Reino Unido, de Theresa May, que comanda a retirada de seu país da União Europeia. A anfitriã, Angela Merkel, que enfrenta as urnas em setembro, disse que a reunião foi bem-sucedida: "Tivemos um comunicado do G-20, não um comunicado do G-19". Os contorcionismos do texto não dão tanta razão assim a ela.
Ficou patente a preferência pelo voo solo dos Estados Unidos em várias áreas, dentre as quais a do protecionismo é a mais decidida e evidente. Os diplomatas tiveram que usar toda a maestria da profissão para juntar no mesmo pedaço de papel o compromisso antiprotecionista do G-20 e a deferência a Trump, ao "reconhecer o papel do uso de legítimos instrumentos de defesa comercial". O comunicado menciona também a busca de soluções para a superprodução de aço e alumínio - dois produtos para os quais os EUA preparam medidas duras contra importação, sob o argumento da soberania nacional, só usado em tempos de guerra.
Os EUA foram propulsores da teia de acordos comerciais ao redor do mundo, mas começaram a desatá-los, tanto ao matar no nascedouro a Parceria Transpacífica quanto ao rever os acordos do Nafta. O contraste ficou sublinhado às vésperas da reunião de Hamburgo, quando União Europeia e Japão anunciaram um pré-acordo para constituir a maior área de comércio entre países ricos já feita. A China busca tirar proveito próprio do vácuo americano na Ásia e prepara algo parecido com 10 países da região, além de iniciativas semelhantes junto à Índia e Japão.
Trump não se comporta como estadista - e não sabe ou não quer fazê-lo. Antes de chegar à Alemanha, fez um discurso ao lado das autoridades polonesas, que comandam um governo de direita que combate estridentemente a imigração. A posição americana é parecida e teve seu peso no fato de o comunicado conjunto não mencionar o drama da imigração, que atinge em cheio a Europa e para o qual não há consenso europeu.
Ao manifestar a certeza de que o "Ocidente" saberá se defender e manter-se íntegro diante de ameaças que só podem vir de fora, Trump ventilou sua agenda, que não guarda pontos em comum com os da região geopolítica que mencionou. Ele não precisaria ir até Hamburgo para se encontrar com o presidente russo Vladimir Putin, mas, feita a reunião, esse pareceu a ele o ponto alto de atuação no G-20.
Na verdade, quase nada do que faz deixa de trazer-lhe embaraços. Rex Tillerson, secretário de Estado, não disse que as explicações de Putin foram aceitas, como Trump sugeriu - o que seria uma ofensa aos serviços secretos americanos que detectaram mãos russas interferindo na campanha eleitoral contra os democratas. Pior ainda, sob sinais fortes de que os russos hackearam alvos americanos, Trump parece ter ficado feliz com a proposição inacreditável de porem de pé um sistema de cybersegurança conjunta. "Se não é a ideia mais cretina que já ouvi, passou perto", comentou o senador republicano Lyndsey Graham.
Quando os EUA atacam as ideias e as instituições que construiu ao longo de décadas, o G-20 e o mundo têm um problema. As linhas tortas do comunicado de Hamburgo tentaram até mesmo abrigar a posição destrutiva dos americanos sobre o Acordo de Paris, absolutamente contrária à dos demais 18 países e UE. Nelas, os EUA se comprometem a trabalhar de perto com outros países para dar-lhes acesso "a combustíveis fósseis de maneira limpa e eficiente" (FT, 9 de julho).
O isolacionismo americano abre, como ficou claro no G-20, espaço para lideranças multilaterais que podem ou não se firmar. O presidente chinês Xi Jinping passou a defender o ambiente e o livre comércio com termos que os americanos abandonaram. A restauração do eixo Paris-Alemanha, com a vitória franca de Emmanuel Macron e o provável sucesso de Merkel nas urnas, reforça os laços da UE, que recebe apoio suplementar de novos acordos comerciais. Seja como for, o poder de influir nos destinos políticos mundiais parece severamente danificado por um presidente que é o antípoda de diplomata e que maneja de forma deplorável a arte civilizada do convencimento e da troca de ideias.
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