- Valor Econômico
Acusações são questionadas, mas governo vê riscos
A votação do relatório do deputado Sergio Zveiter, a ser realizada nos próximos dias pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, será apenas a primeira batalha de uma guerra em que os principais atores são o presidente Michel Temer e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O governo, cujo principal ativo sempre foi a solidez da base parlamentar construída em meio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, terá um decisivo teste agora, na análise de uma denúncia vista como frágil por juristas e advogados consultados pelo Palácio do Planalto. O desafio de Temer é evitar que, em vez de se aterem apenas à peça acusatória, deputados decidam se antecipar em relação ao que ainda pode surgir contra o presidente a fim de precipitar uma conclusão para a atual crise política.
Articuladores políticos do governo demonstram otimismo com os resultados das votações na CCJ e no plenário da Câmara dos Deputados. Mas, como preveem uma atuação combativa de Janot até o fim de seu mandato, em setembro, temem os novos fatos que poderão impactar já na tramitação desta primeira denúncia que chegou ao Congresso.
Temer sabia desde sua posse que seu governo era um dos alvos preferenciais da Procuradoria-Geral da República. As queixas sobre vazamentos seletivos eram frequentes. O presidente buscou pessoalmente construir uma ponte institucional com Janot, e chegou a enviar no ano passado uma carta ao procurador-geral pedindo celeridade nas investigações e a divulgação completa de seu conteúdo assim que possível. Essas pontes, no entanto, foram implodidas de vez quando emergiram o áudio da sua conversa com o empresário Joesley Batista e o acordo de delação premiada fechado por executivos do grupo JBS.
Pego de surpresa, mesmo reagindo rápido, o Palácio do Planalto passou a não saber mais o que esperar da Procuradoria-Geral da República nos próximos embates. Temer então pintou-se para a guerra, atacando Janot e sua equipe. Como troco, recebeu a notícia de que a PGR decidira fatiar em três a denúncia que versa sobre corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa.
A estratégia da procuradoria aumentou a exposição dos deputados à pressão popular, a pouco mais de um ano das eleições. Sobretudo se novas delações premiadas forem fechadas e reforçarem o material probatório que fundamentará as denúncias de obstrução à Justiça e organização criminosa, nas quais os investigadores ainda trabalham. Estas sim potencialmente mais robustas, caso o doleiro Lúcio Funaro, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-deputado e ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures decidam colaborar com as apurações.
Embora tenha sido baseada num diálogo reprovável, a denúncia que aponta Temer como beneficiário dos recursos enviados por Joesley Batista para Rocha Loures não contém a digital do presidente da República.
Quando o escândalo eclodiu, circularam rumores de que fora realizado o monitoramento do dinheiro movimentado por meio de identificação da numeração de notas e da suposta instalação de um chip na mala usada na operação. O rastreamento do dinheiro movimentado poderia produzir provas fatais contra Temer e seu governo. Nada disso foi apresentado ainda.
O próprio procurador-geral tem destacado a força da "narrativa" contida na peça inicial, como forma de afastar as críticas à suposta fragilidade dos fatos elencados. O parecer do deputado Sergio Zveiter na Comissão de Constituição e Justiça, favorável à admissibilidade da denúncia, destaca que há indícios mínimos de materialidade de crime e autoria. Mas ainda não prova cabal contra Temer.
Parlamentares de todos os partidos da base aliada avaliam a repercussão das acusações contra Temer e os custos envolvidos na sustentação de um presidente mal avaliado. O governo, por sua vez, mede o nível de insatisfação e o potencial engajamento popular em manifestações de rua.
Até agora, não há um grande nível de mobilização. A greve geral convocada por parte das centrais sindicais, por exemplo, não obteve o resultado inicialmente planejado. Na avaliação de auxiliares de Temer, grande parte da população não se interessa pela organização de protestos, não está disposta a sair às ruas, acha que as manifestações não resolvem a atual situação do país ou tem medo da violência que frequentemente toma conta desses eventos políticos.
Num lance capaz de criar divisões no meio sindical, ainda um dos setores organizados da sociedade com instrumentos para dar impulso a manifestações e no qual há amplas resistências às reformas de Temer, o governo federal sinalizou às entidades que lutavam contra o fim do imposto sindical. A medida é discutida no âmbito da reforma trabalhista.
A reforma da Previdência, outro ponto que tem gerado insatisfação popular, já foi retirada da lista de prioridades do Palácio do Planalto e não deve voltar a ser um tema com força para catalisar uma nova onda de manifestações contra a administração Temer. O que pode mudar esse cenário é se as atuais restrições orçamentárias provocarem a interrupção de serviços públicos. É importante lembrar que o Executivo agiu rápido quando a Polícia Federal interrompeu a emissão de passaportes devido à falta de verbas.
Há semanas Temer sustenta o discurso de que não existe um plano B para o país. Cita avanços obtidos por seu governo e comemora a melhora de indicadores econômicos, numa tentativa de manter ao seu lado agentes políticos e econômicos.
Vice na chapa que venceu a eleição presidencial de 2014, Temer é quem foi visto como um plano B à época em que configurou-se o impeachment de Dilma. Agora, age para evitar que o Congresso seja convencido de que apenas um plano C será capaz de levar adiante o projeto de recuperação da economia brasileira e evitar maiores danos à classe política nas eleições do ano que vem.
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