- Valor Econômico
Existe bancada nordestina forte, mas não do Sudeste
Tanto na votação da primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente quanto na segunda, que evitou sua queda na quarta-feira, um Estado liderou, em termos percentuais, o movimento pelo 'Fora, Temer'. Na bancada capixaba, nas duas ocasiões, 80% dos deputados votaram pelo prosseguimento da denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF), o que significaria apear o pemedebista do Planalto.
Temer vai ficar. Mas se dependesse do Espírito Santo, já estaria aboletado, desde agosto, na cadeira da Presidência da República o número 1 na linha sucessória, Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Na média, o voto anti-Temer foi de 44%, na primeira denúncia, e de 45%, na segunda. O mínimo para afastá-lo seria de 66,7%.
Em meio ao balcão de negociação que o governo federal montou para garantir a sobrevivência, os resultados do Estado chamam ainda mais atenção. Por que o Espírito Santo não se "vendeu"? Ou, dito de forma mais elegante e menos retórica, o que o Estado tem de diferente em relação a outros, como o ruralista Mato Grosso, onde, inversamente, sete em oito deputados (87,5%) sustentaram o presidente?
Dos dez parlamentares capixabas apenas dois apoiaram Temer: Marcus Vicente, do PP, das legendas mais fieis ao Planalto, e Lelo Coimbra (PMDB), voto que pode ser considerado uma obrigação. Além de filiado ao partido do presidente, o deputado é o líder da maioria na Câmara. Entre os oito que votaram contra Temer, três eram previsíveis, por pertencerem a PT e PDT, siglas que lideram a oposição e despejaram 100% de suas forças no prosseguimento da denúncia no Supremo. Mas a outra metade da bancada está ou esteve na base aliada e na órbita do jogo pesado do toma-lá-dá-cá clientelista que grassou na Câmara nos últimos meses. E, ainda assim, votou contra Temer.
Paulo Foletto é do PSB, partido que rachou depois da denúncia da PGR. Dos 35 deputados, 13 ajudaram a dar vitória ao pemedebista seja votando ou se ausentando do plenário. O grupo dissidente não fez a cabeça do deputado. Foletto encontra duas explicações para o sentimento anti-Temer entre os colegas de bancada capixaba. A primeira é a situação de equilíbrio fiscal do Estado. "O Espírito Santo não precisa ficar implorando uma retroescavadeira ou uma máquina de pilar café. É um Estado organizado", afirma.
O parlamentar atribui a situação às gestões do ex-governador Renato Casagrande, de seu partido, mas também à atual, de Paulo Hartung (PMDB), ex-aliados que se tornaram adversários políticos. A segunda explicação, diz Foletto, seria o tamanho pequeno do Estado, que tem 4 milhões de habitantes e apenas 78 municípios, o que permitiria contato frequente com os eleitores. O político conta que, nesta quinta-feira, dia seguinte à votação, foi cortar cabelo e depois passou no supermercado para comprar cerveja - da marca Baden Baden e "para tomar em casa", frisa - e "todo mundo o cumprimentou". "Ninguém aqui trocou voto por emenda parlamentar, como é comum acontecer", diz.
Carlos Manato, do Solidariedade, também votou contra Temer, mas é menos taxativo. "Não vou falar que o Espírito Santo não se vende, mas que os deputados têm consciência, um perfil independente, e acham que as denúncias da PGR são graves e têm consistência", diz.
O deputado também aponta duas explicações para os 80% de rejeição a Temer: a não interferência do governo estadual no comportamento da bancada e a negligência da União com as demandas capixabas. "O Espírito Santo nunca foi um Estado preferido dos governos federais em matéria de investimento", diz.
Manato vai enumerando: a reforma e ampliação do aeroporto de Vitória só se completará depois de 11 anos, em abril de 2018; a dragagem para aumentar o calado do porto da capital dura 20 anos; a duplicação de um trecho da BR-262 começará em janeiro e só atingirá sete dos 51 quilômetros previstos. "Cadê a compensação, pela desoneração da Lei Kandir, que não chega? Isso tudo influencia", critica.
O deputado também menciona o tamanho reduzido do eleitorado capixaba. Mas, lembrado de que outras 12 unidades da Federação têm bancadas menores na Câmara - três do Nordeste, três do Centro-Oeste e seis do Norte -, argumenta que nestes casos há um espírito e uma ação coletiva para defender os interesses regionais em Brasília. "O Nordeste tem muitas benesses. No Norte, tem a Zona Franca de Manaus. Não fale que o Nordeste é bonito, tem que dizer que é maravilhoso. Eles são muito unidos. Existe uma bancada nordestina forte, mas não tem uma bancada do Sudeste, devido aos interesses próprios de São Paulo, Rio e Minas", diz.
A excepcionalidade do Espírito Santo daria uma suposta independência à atuação parlamentar. O fato de o governador pertencer ao PMDB de Temer é minimizado por Foletto. "O Paulo não tem partido", diz o deputado, segundo o qual Hartung teria tentado, recentemente, se filiar ao PSDB, mas com resistência por parte dos expoentes tucanos no Estado, o senador Ricardo Ferraço e o vice-governador César Colnago. O governador também ensaiou uma migração para o DEM. Tanto Foletto quanto Manato acreditam que Hartung permanecerá no PMDB.
Com a posição anti-Temer ambos perderam cargos federais no Estado, depois da votação da primeira denúncia, há quase três meses. O deputado do Solidariedade diz não ligar. Tinha dois cargos: uma delegacia regional da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead) e uma superintendência do Incra. Prevê que serão ocupados por indicados dos aliados de Temer. E acha justo. "Quem dita aqui é o Lelo. Ele 'tá' com a bola cheia. Mas é assim, há o ônus e o bônus. Se ele e o Marcus Vicente não forem ouvidos será uma injustiça", diz.
Manato conta ter combinado com a direção do partido que votaria com a sua consciência quando a questão envolvesse cassações de mandato e combate à corrupção. E que está na centena de deputados que votaram contra Dilma, Cunha e Temer. "Ontem ronquei de tanta consciência tranquila. Podem falar tudo, que sou baixinho, careca e tomo Viagra, mas não que compactuo com isso".
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