- O Estado de S.Paulo
Sem descontos, o Executivo está pagando caro para viabilizar a economia do Brasil
Bilhões seriam economizados se houvesse Black Friday na política brasiliense e os congressistas, imitando os comerciantes honestos, dessem um bom desconto na venda de votos para as propostas de ajuste e de reformas. Já se inventou até uma Black Monday, com oferta de preço mais baixo para um programinha em motel, em São Paulo, na próxima segunda-feira. Pode parecer impróprio apontar um motel como exemplo, quando se comentam as práticas normais no Congresso. Mas quantos frequentadores de motéis, amadores ou profissionais, seriam capazes, sem rubor nas bochechas, de fazer com a proposta do novo Refis a bandalheira cometida no Parlamento? Alguém desconhece os interesses dos parlamentares defensores das empresas devedoras do Fisco? Nesse mesmo santuário da Praça dos Três Poderes, parlamentares impediram, neste ano, o fim da desoneração da folha de pagamentos. De janeiro a outubro, essa desoneração custou R$ 12,07 bilhões. Só em outubro a perda para os cofres do governo central foi de R$ 1,21 bilhão. Esses números foram divulgados na sexta-feira em relatório da Receita Federal.
Comprar votos para a aprovação da reforma da Previdência foi uma das atividades principais, talvez a principal, da equipe de governo na penúltima semana de novembro. Desde o ano passado, cada reforma aprovada no Congresso Nacional tem sido conseguida por esse meio. Em discursos quase cômicos, o presidente Michel Temer costuma citar a colaboração dos parlamentares ao programa de governo. Fala como se houvesse no Legislativo um grupo amplo de políticos empenhados em modernizar as instituições, em tornar mais eficiente o País e em promover o desenvolvimento regional efetivo, sem quebra-galho, sem guerra fiscal, sem favores, sem concessões à mediocridade.
Tudo isso é obviamente fantasia. Nenhum projeto significativo, como o da reforma trabalhista e o do teto de gastos, foi aprovado no Congresso por ser considerado benéfico ou, no mínimo, tecnicamente defensável. A negociação, em cada caso, foi sempre além das considerações morais, ideológicas e administrativas. Esse tipo de negociação continua.
No fundo da cena, congressistas fazem estripulias como a perpetuação da guerra fiscal, o enfraquecimento do Conselho Nacional de Política Fazendária e a extensão, com valores indefensáveis e escandalosos, dos benefícios concedidos a governos estaduais e municipais com base na Lei Kandir.
Criada nos anos 1990 para corrigir uma falha da Constituição, essa lei deveria facilitar, por um breve período, a desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados. Seria um conserto de emergência. Os governos deveriam adaptar-se e, além disso, num país politicamente mais sério uma reforma tributária eliminaria o problema.
Como nada disso se fez, o Tesouro Nacional continua sendo sangrado, e assim continuará por muitos anos, porque os governadores se acostumaram ao conforto do quebra-galho fiscal e as bancadas - estaduais ou partidárias - se abstêm de cuidar de assuntos sérios e complicados em seus aspectos políticos e técnicos.
Esse é o cenário de fundo. No primeiro plano, o Executivo segue negociando apoio a seus projetos. A palavra negociação, nesse caso, é para ser entendida no sentido mais comercial. Segundo estimativa publicada no Estadão, a fatura da reforma da Previdência já passa de R$ 14,5 bilhões. O custo inclui recursos para os Estados, com base na Lei Kandir atual (ainda sem a expansão de benefícios pretendida para o longo prazo), e facilidades para a liquidação de dívidas previdenciárias de municípios.
Essas e outras possíveis benesses deverão ser somadas às concedidas pelo Executivo ou arrancadas por parlamentares em meses anteriores. As grandes barganhas são normalmente acompanhadas por acertos menores - e mais pessoais - a respeito da liberação de emendas orçamentárias, normalmente de interesse eleitoral e paroquial.
Emendas desse tipo atendem essencialmente às conveniências de cada parlamentar. São de alcance muito restrito e ficam estranhas num Orçamento destinado, em princípio, a programar a receita da União e o financiamento de ações de interesse nacional.
Pensar em termos nacionais, como já se mostrou muitas vezes, é uma atividade estranha à maioria dos integrantes do Legislativo, embora a expressão Congresso Nacional seja usada, de forma corrente, quando se fala desse Poder.
Não faz diferença, diante desse quadro, discutir os méritos e deméritos do presidente Michel Temer, sua trajetória política e sua aliança com a presidente Dilma Rousseff e o PT. Há um dado incontornável: afastada a presidente, ele ocupou a chefia de governo, como seria normal, e ao mesmo tempo assumiu a responsabilidade por um programa de ajustes e de reformas tão complicado quanto importante - indispensável, de fato, na avaliação de gente séria e competente.
Pode-se discutir se havia escolha, diante do desastre fiscal, da inflação disparada e da ampla degradação das contas externas. O déficit em transações correntes, ninguém deveria esquecer, chegou a US$ 104,18 bilhões em 2014, ou 4,24% do produto interno bruto. Nos 12 meses terminados em outubro a proporção ficou em 0,48%.
Com ou sem escolha, no entanto, ele assumiu a tarefa e escalou para ajudá-lo uma equipe respeitada e, até agora, com desempenho aplaudido internacionalmente. Errou em outras convocações, mas nem isso desqualifica o programa central do governo ou reduz sua importância. Com todos os possíveis defeitos, o presidente é o portador, neste momento, da bandeira do interesse nacional, traduzível objetivamente em termos de uma economia sustentável e com possibilidade de avanço. É este o ponto central do humilhante leilão de votos. A viabilização do País está sendo comprada. É um dos custos, dirão alguns, de uma democracia ainda imatura.
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