domingo, 26 de novembro de 2017

Celso Ming: A nova lei trabalhista e seus efeitos

- O Estado de S.Paulo

As novas regras trabalhistas entraram em vigor há só 16 dias. Pode ser cedo para um levantamento do seu impacto, mas já dá para navegar por algumas de suas consequências.

As mudanças começaram a atingir empresas e trabalhadores pelo menos 3 ou 4 meses antes. Levantamento do Dieese, a instituição de estatísticas mantida pelos sindicatos, mostra que, entre julho e agosto, 45 documentos já mencionavam cláusulas que entrariam em vigor. Sancionada em 13 de julho, a Lei 13.467 pode, porém, estar longe do objetivo de acabar com a insegurança jurídica e com as subjetividades que prevaleceram até aqui nas causas trabalhistas.

Há confusão até com os quase 4 milhões de ações que já sobrecarregavam a Justiça do Trabalho. As dúvidas surgem porque as novas regras preveem que a parte perdedora deve arcar com os honorários de sucumbência determinados pelo juiz. É prática já adotada no Código de Processo Civil (CPC) desde 2015. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sugere que a exigência do pagamento não se aplica a casos ajuizados antes da vigência do novo Código.

Pairam dúvidas sobre se esse deva ser também o procedimento a ser adotado na Justiça do Trabalho. Como observa Júlio Mendes, do Escritório de Advocacia Mascaro Nascimento, as primeiras decisões foram conflitantes. Ainda no primeiro dia de vigência da nova CLT, dois juízes tiveram entendimentos opostos sobre se os honorários de sucumbência devem ser aplicados a casos que já haviam entrado em curso antes da lei.

E já há outros pontos de conflito. Bastaram três dias de vigência da lei para que o governo publicasse a Medida Provisória (MP) 808 que determinou novas disposições, como a cláusula que antes permitia que funcionária gestante continuasse a trabalhar em atividades insalubres, desde que garantido adicional de salário. Pela MP, essa facilidade patronal deixa de existir, a gestante é licenciada e deve exercer suas atividades em ambientes salubres.

No entendimento de especialistas, a MP, que surgiu para eliminar problemas ou omissões da reforma, deixou mais confuso o que já era confuso. E mais dúvidas podem aparecer depois que a MP for votada no Congresso, dado que, só na semana passada, foram propostas quase 900 emendas ao texto original.

A especialista Maria Lucia Benhame entende que um dos pontos mais polêmicos é o que trata dos prêmios extras pagos pelas empresas a seus funcionários. A nova lei retirou a natureza salarial de quase todos esses benefícios, sejam eles pagos em dinheiro, em cursos de aperfeiçoamento ou em viagens. O texto também previa que prêmios pagos não previstos em contrato não poderiam ser entendidos como salário. Por isso, muitas empresas já haviam alterado suas políticas de prêmios e abonos, considerando que sobre eles não incidiriam nem Imposto de Renda nem contribuição para o INSS. Mas a MP determinou que benefícios não integram a remuneração do empregado, desde que limitados a 50% do salário, e a concessão de prêmios não previstos em contrato deve ser limitada a duas vezes ao ano.

Outra questão conflitante é a da regulamentação do trabalho intermitente. A lei determina que só são remuneradas as horas de trabalho efetivo. Nessas condições, os trabalhadores intermitentes podem fechar o mês sem ganhar, no total, um salário mínimo, o que impediria a cobrança de contribuição previdenciária.

O especialista Júlio Mendes opina que a MP acerta ao definir o prazo de um ano para que o contrato intermitente seja rompido caso não haja convocações do empregador. Mas defende que a lei ainda precisa garantir mais proteção ao trabalhador que, pela natureza de sua atividade, necessita de mais contratos de trabalho para ter renda estável. Tal necessidade, na opinião do advogado, restringe o acesso do trabalhador a novas oportunidades e faz com que o rompimento do contrato numa atividade em curso fique mais complicado do que no trabalho formal tradicional.

A MP impõe, ainda, quarentena de 18 meses para que um empregador recontrate funcionário demitido. Para o trabalhador cuja atividade é, por natureza, intermitente, como o caso de caixas, balconistas ou garçons, a determinação pode se tornar empecilho à obtenção de novos contratos nos períodos de maior demanda, como as festas de fim de ano.

Depois de anos funcionando sob regras septuagenárias é natural que o mundo do trabalho enfrente dificuldades para se adaptar a uma CLT renovada, mas, como já apontou esta Coluna, a reforma deixou rebarbas que precisam ser aparadas e elas continuam aí exigindo cautela de empresas, trabalhadores, juízes e advogados.

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