-Valor Econômico
Dada a diversificação da economia, não se deveria esperar grande repercussão negativa da desvalorização do real
O governo Temer deve amargar nos próximos meses significativo agravamento em sua taxa de credibilidade. Vai ter de dançar conforme a música, como se diz, tendo de lidar com greves que começam a pipocar por todo o país com sérias consequências econômicas e políticas, além da pressão externa sobre a taxa de câmbio e o preço do petróleo, sem falar na impossibilidade de avançar com as propaladas reformas no Congresso Nacional.
Corre o risco de terminar o mandato da mesma forma como se encerrou o governo do ex-presidente José Sarney. Com praticamente nenhum prestígio, mergulhado em incertezas e limitado a tocar a economia como der, administrando o dia-a-dia na base do "feijão com arroz", conforme ficou conhecida a atuação do Executivo naquele ano de 1989.
A greve dos caminhoneiros autônomos, espalhada por sete diferentes estados da federação, tem implicações negativas sobre o movimento de mercadorias em geral, tanto as que abastecem o mercado interno como as que se destinam ao mercado internacional. Querem aumentos reais de salário e redução no preço do diesel. Este aumentou cerca de 60% em apenas nove meses, no rastro da política realista da Petrobras que decidiu alinhar à cotação externa os preços praticados pelos derivados de petróleo internamente. Note-se, aliás, que novos aumentos para o diesel e a gasolina foram anunciados ontem.
A recente alta ocorrida nos preços do petróleo, com perspectiva de se sustentar nos próximos anos, coloca um dilema para o governo: manter a política de aumento dos preços internos ou reintroduzir a política de subsídios que por muitos anos foi largamente praticada no país, com expressivo impacto sobre as contas públicas?
A escolha não é nada trivial e tem tirado o sono das autoridades de outros países emergentes que, à semelhança do Brasil, reduziram subsídios internos embalados pela tendência de queda das cotações do petróleo até recentemente. De um lado, preço dos combustíveis em ritmo de aumento significa mais inflação, além de descontentamento em geral da população e não apenas dos caminhoneiros. Já preços artificialmente achatados trazem sérias complicações fiscais, além de afetar negativamente o valor das ações da Petrobras, especialmente no momento em que a empresa se esforça para vencer a crise gerada por um mar de corrupção.
A Petrobras com certeza não esperava o movimento de alta do petróleo no exterior. Apesar do barril do tipo brent (petróleo originário do Mar do Norte e uma referência no mercado) ter recuado da marca dos US$ 80 da semana passada, o produto continua sendo cotado em alta na bolsa europeia de futuros, baseada em Londres. Em um ano, o petróleo subiu quase 50% no mercado internacional. Pior é a curva altista que tomou conta dos contratos de petróleo negociados para entrega futura.
Com a queda da produção de petróleo da Venezuela - caminha para um milhão de barris por dia, bem abaixo dos 2,3 milhões de barris de 2013 - o mercado perdeu um importante fornecedor. A reeleição de Maduro ajuda a pressionar ainda mais os preços para cima. Outro fator que tem influenciado é o risco de rompimento do acordo com o Irã e eventual volta de sanções ao país por parte dos Estados Unidos. Alguns analistas internacionais notam que a correlação entre a cotação do petróleo e a geopolítica, tão em voga nos anos 70, 80 e 90, está de volta.
Internamente, o quadro pode se complicar. A Federação Única dos Petroleiros tem articulado em prol da paralisação contra o que chama de "desmonte da Petrobras". Dada a incerteza política deste ano eleitoral, não é difícil imaginar o tremendo impacto que a efetivação da greve ameaçada pelos petroleiros teria. Com mobilizações dentro da empresa previstas para esta semana e indicativo de greve para junho, os petroleiros podem retomar a força política já demonstrada em outras ocasiões no passado. Coincidirá, desta vez, com o fato do maior líder sindical do país, ex-presidente e declarado futuro candidato à Presidência da República estar atrás das grades. Obviamente, neste singular ano eleitoral, as greves tendem a ter um peso político mais relevante.
Há outras greves em curso ou em fase de articulação. Os operários da construção civil em São Paulo estão parados há uma semana e há a perspectiva do movimento ter adesão em outros estados. Em suas passeatas e aglomerações, destacam-se cartazes que condenam a prisão de Lula.
Também no ABC a greve voltou a se fazer presente, haja vista a paralisação dos trabalhadores da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo. Outros movimentos se espalham pelo país, como, por exemplo, os que envolvem professores em São Paulo ou metroviários no Rio Grande do Sul.
Já a valorização mundo afora do dólar é outro problema de origem externa, tal e qual o petróleo, com potenciais desdobramentos na economia doméstica. As possibilidade de maior ou menor impacto na economia dependem basicamente da atuação do Banco Central. Ontem, colheu-se frutos positivos com a queda do dólar em decorrência do reforço das operações de swap cambial.
A rigor, dada a diversificação da economia brasileira, não se deveria esperar grande repercussão negativa da desvalorização do real, tendo em vista dois fatos importantes: a economia ainda se encontra em estado muito lento de funcionamento, o que minimiza o impacto sobre as importações e repasse para os preços internos, e o tamanho das reservas internacionais do país, grande o suficiente para dirimir qualquer receio com perdas cambiais.
No entanto, o câmbio envolve uma forte carga política nos países emergentes. Qualquer deslize na atuação da autoridade monetária pode desencadear uma crise de confiança, independente do nível das reservas. A questão cambial, além do componente externo, carrega este ano o fator de insegurança com o resultado da eleição presidencial. Lidar com isso talvez seja o maior desafio de Ilan Goldfjan. Terá de contar consigo mesmo e com a estrutura do BC. O governo Temer em nada o ajudaria a neutralizar o efeito das incertezas políticas sobre o câmbio.
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