quinta-feira, 22 de novembro de 2018

José Serra: Subsídios e transparência

- O Estado de S.Paulo

Informações essenciais para avaliação precisa dos custos e benefícios devem estar disponíveis

O Ministério da Fazenda passou a publicar relatórios que ampliam a transparência dos subsídios concedidos pelo governo federal. No mais recente, evidenciou-se que os benefícios financeiros e creditícios atingiram R$ 84,3 bilhões em 2017 – cerca de três vezes o gasto do programa Bolsa Família. De fato, apesar dos avanços em transparência, o material elaborado pelo governo ainda não avalia adequadamente os subsídios que afetam o custo das operações de crédito realizadas no País com taxas de juros favorecidas. Além disso, não faz uma análise de resultados, o que permitiria julgar a pertinência dos gastos que integram a política creditícia.

Tenhamos uma certeza: a sociedade e o Parlamento precisam conhecer os impactos dos subsídios concedidos pelo setor público, especialmente porque eles têm implicações macroeconômicas e beneficiam setores específicos da sociedade.

Nosso regime fiscal hospeda importantes regras em matéria de transparência fiscal. Por exemplo, no capítulo sobre orçamentos, a Constituição federal exige a divulgação de demonstrativo regionalizado dos efeitos dos subsídios sobre as receitas e as despesas previstas no Orçamento. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por sua vez, inaugurou comandos específicos nessa direção. No parágrafo único do seu artigo 27, condiciona à aprovação de lei a concessão de qualquer empréstimo ou financiamento com taxas de juros inferiores às usadas na captação de recursos pelo governo.

A LRF é também veemente no requisito da transparência das renúncias tributárias, como demonstra seu artigo 14. Contudo não conferiu o mesmo tratamento aos subsídios creditícios – os que decorrem de empréstimos e financiamentos concedidos pelo setor público com taxas de juros abaixo do custo de captação do governo federal. Eis aí uma boa razão para o Congresso Nacional discutir uma nova legislação que amplie a transparência dos custos fiscais e dos benefícios da política creditícia adotada pelo governo federal, na linha do que defendi no meu artigo de 15/5/2018 nesta página.

Experiências de outros países podem servir de referência para um novo arranjo legal no sentido do controle e da avaliação dos custos e benefícios das políticas de crédito que envolvam subsídios e incentivos fiscais. Na Alemanha, por exemplo, o governo divulga anualmente um relatório para avaliar gastos dessa natureza. Por lá as coisas funcionam simplesmente assim: subsídios que se tornam desnecessários são extintos e novos subsídios são introduzidos em áreas onde se possa aumentar a competitividade ou fornecer apoio temporário para o avanço de tecnologias pró-crescimento.

A experiência norte-americana também é interessante. A Lei Federal de Reforma do Crédito, de 1990, passou a exigir do governo avaliações de custos e resultados dos subsídios concedidos em empréstimos e financiamentos do governo federal. De acordo com a metodologia adotada nos Estados Unidos, o custo do subsídio é igual ao valor presente dos fluxos de caixa das despesas estimadas do governo – por exemplo, desembolsos de empréstimos e pagamentos de sinistros aos credores – menos os fluxos de caixa das receitas para o governo – por exemplo, retornos do principal e dos encargos de empréstimos inadimplidos. Essa avaliação é feita em todo o decurso da operação, tendo por parâmetro o custo de financiamento da dívida pública do governo federal. As agências do governo americano reestimam anualmente os custos dos subsídios, com o objetivo de avaliar esses empréstimos numa base orçamentária semelhante à de outros gastos federais.

Aqui, no Brasil, caberia prever na legislação a realização de análises econômicas e fiscais sobre as transações entre o Tesouro e demais instituições financeiras federais, bem como sobre os incentivos tributários e os fundos legalmente constituídos em operações de crédito concedidas pelo Sistema Financeiro Nacional. Os relatórios divulgados pelo Ministério da Fazenda já fazem, parcialmente, uma avaliação dos subsídios creditícios. Mas a forma utilizada não torna totalmente transparentes todos os custos e os resultados esperados para a economia e para o público em geral.

Vale citar alguns casos não adequadamente contemplados em relatórios do governo. Em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), lei de 2009 prevê a concessão de descontos em financiamentos do Minha Casa, Minha Vida por conta da União. Esse desembolso orçamentário em 2016 foi de R$ 6,9 bilhões. Além desse gasto, há ainda uma parcela de subsídio que não é capturada nos relatórios atuais e equivale ao benefício concedido pelo FGTS. Este fundo é capaz de bancar esse subsídio porque recebe, sobre sua carteira de títulos públicos, rentabilidade bem superior à remuneração que oferece aos trabalhadores – apenas TR + 3% ao ano.

As análises também deveriam ampliar a transparência dos incentivos fiscais relacionados à política creditícia. Um exemplo são os subsídios de natureza tributária concedidos nos financiamentos do Sistema Financeiro da Habitação e no crédito rural com recursos da poupança. Como a poupança é isenta de Imposto de Renda, há subsídio implícito nos empréstimos feitos com esses recursos. Dado o saldo da poupança, hoje em R$ 780 bilhões, a renúncia do Imposto de Renda pode ser estimada em R$ 12 bilhões anuais. Esse exemplo demonstra a dificuldade de identificar os subsídios na complexa arquitetura das operações financeiras.

Já se avançou bastante, mas diante dos desafios do combate aos desequilíbrios das contas públicas é preciso ampliar a transparência dos gastos inseridos nas políticas de crédito. O Congresso e a opinião pública devem dispor de todas informações essenciais para uma avaliação precisa dos custos e benefícios da política creditícia adotada pelo governo federal.

Mãos à obra na construção dos marcos legais necessários!
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*Senador (PSDB-SP)

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