Com mais R$ 4,7 bilhões fora de seu controle, o governo central terá maior dificuldade para frear e tornar mais eficiente o gasto público no próximo ano. Esse dinheiro poderia ser aplicado em funções de enorme importância para os cidadãos, como educação, saúde, segurança ou obras públicas, mas será destinado ao reajuste salarial do funcionalismo. O presidente Michel Temer tentou, por meio de Medida Provisória (MP), adiar o reajuste para 1.º de janeiro de 2020, dando um precioso fôlego financeiro à nova administração. Mas o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu por decisão liminar os efeitos da MP. Tentativa semelhante havia sido bloqueada no ano passado pelo mesmo ministro.
Servidores federais ganhavam em média R$ 8,1 mil por mês em 2016 e acumularam em 20 anos ajustes bem superiores à inflação. Pelos últimos dados disponíveis, a média salarial do trabalhador formal do setor privado chegou neste ano a pouco mais de R$ 2 mil. Esses trabalhadores, ao contrário dos funcionários públicos, são facilmente demissíveis e têm sido as grandes vítimas do desemprego nos últimos anos.
A tentativa do presidente Michel Temer poderia fracassar mesmo sem a intervenção do ministro Lewandowski. Sem aprovação parlamentar, a MP perderia efeito em 8 de fevereiro e, ao descuidar do assunto, mais uma vez a maioria dos congressistas teria jogado contra a gestão responsável das finanças públicas.
Esse desprezo ao bom uso do dinheiro público tem sido demonstrado com frequência, às vezes em parceria com os senhores juízes. Isso ocorreu, por exemplo, na aprovação de um reajuste de 16,38% para os ministros do STF, com desdobramentos para os demais servidores do Judiciário, para o pessoal do Ministério Público e, enfim, para todo o funcionalismo dos três níveis de governo. Incluído o efeito cascata, esse aumento inicialmente destinado a algumas excelências deve impor ao setor público uma despesa adicional de R$ 6 bilhões por ano, segundo estimativas de especialistas. Os salários do Judiciário já são os mais altos do serviço público e, em alguns casos, podem causar inveja – ou espanto – a juízes do mundo rico.
Senhores do Judiciário têm-se permitido estourar o teto de gastos criado pela Emenda Constitucional n.º 95, mas essa faculdade é vedada a quem responde pela execução do Orçamento-Geral da União. O futuro presidente da República e sua equipe econômica terão dificuldade para preservar o teto em 2019, respeitar a chamada regra de ouro (proibição de endividamento para cobrir gastos de custeio) e manter o déficit primário no limite de R$ 139 bilhões. Terão de enfrentar todas essas limitações e, ao mesmo tempo, realizar as despesas mínimas indispensáveis para manter a administração federal em funcionamento. Pouco poderão fazer, portanto, para estimular o crescimento econômico e a redução do desemprego ainda muito alto.
Mas, além dessas, há outras bombas enterradas no caminho da gestão orçamentária. Contrariando as opiniões da equipe da Fazenda, o presidente Michel Temer decidiu criar o Rota 2030, mais um discutível programa de benefícios fiscais ao setor automobilístico. Mas congressistas ainda conseguiram, mais uma vez, piorar uma proposta já inoportuna.
Na versão final, aprovada em apenas 22 minutos no Senado, o projeto foi inflado com prorrogação de incentivos a empresas do setor instaladas no Norte e no Nordeste. Houve também uma tentativa de estender os benefícios a empresas implantadas no Centro-Oeste. Pelo menos este penduricalho foi rejeitado na Câmara. Segundo estimativa da Receita Federal, só o Rota deverá custar R$ 2,1 bilhões anuais ao Tesouro.
O presidente eleito Jair Bolsonaro criticou a proposta de reajuste para o Judiciário. Nenhum ministro do STF parece ter-se comovido. O presidente Michel Temer poderia ter vetado o aumento, mas preferiu sancioná-lo como parte de uma troca muito discutível e certamente ilusória, o fim do auxílio-moradia para juízes. Resta ao presidente eleito rezar para nenhuma outra bomba aparecer até sua posse.
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