- O Estado de S.Paulo
Sistema eleitoral atual prejudica a boa escolha e a representatividade dos eleitores
Nas eleições em andamento, parece que vamos escolher um rei ou imperador para receber a faixa dita presidencial. Nos meios de comunicação predomina fortemente o noticiário sobre os candidatos a ela. Muito abaixo nessa cobertura estão os candidatos a governador e a senador, nessa ordem. E bem lá em baixo, os candidatos a deputado federal e estadual. Pesquisas eleitorais só cobrem a eleição presidencial, para o governo dos Estados e para o Senado, com um viés enorme para o primeiro caso. Quanto à eleição de deputados, não me lembro de ter visto pesquisas de intenção de voto.
A razão é o enorme número de candidatos. No Estado de São Paulo há 1.686 (!) candidatos para 70 vagas de deputado federal e 2.174 (!) candidatos para 94 vagas de deputado estadual. Nesses casos, para pesquisas de intenção de votos seriam necessárias amostragens de enorme tamanho e custo.
Focarei no caso dos deputados federais, pois são os que têm grande influência nas questões políticas e econômicas que dizem respeito ao País como um todo. Quanto a eles, o já referido desequilíbrio na cobertura dos meios de comunicação contrasta com a enorme importância da Câmara dos Deputados no tratamento dessas questões. Os presidenciáveis falam muito de reformas, mas não de como vão combiná-las com os russos, os parlamentares, cuja maioria é avessa a mudanças que tratam de questões de grande interesse popular, como a previdenciária. Ou que afetam os seus interesses pessoais e dos grupos de interesse que defendem. Além dessa atitude defensiva relativamente a projetos reformistas, os parlamentares também atuam no ataque, como o fazem ao aprovar pautas-bomba cujo alvo são as contas governamentais.
Com tantos candidatos fica muito difícil para o eleitor escolher um para votar. Como compará-los? O eleitor pode votar por convicções partidárias, mas, mesmo dentro de um partido, em vários casos são muitos os candidatos. Há também o eleitor que acompanha o desempenho de deputados que já exerceram ou ainda exercem os seus mandatos. E há muitas outras influências, como o boca a boca no meio social, as benesses recebidas de candidatos, os votos por grupos de interesse corporativos, religiosos ou até mesmo empresariais, e por aí afora, mas sem focar no candidato em si e na sua comparação com outros. E na propaganda eleitoral nos meios de comunicação tão pouco tempo é dado aos candidatos a deputado que a maior diferença entre eles é o número para ser sufragado na urna eleitoral. Lembram os números do jogo do bicho.
Pensando na seleção comparativa e bem informada, uma teoria sobre o processo de escolha se aplica também ao caso eleitoral. Trata-se da desenvolvida por um psicólogo americano, Barry Schwartz, e apresentada no seu livro O Paradoxo da Escolha: por que mais é menos (São Paulo: Girafa, 2007). Ele argumenta que a maior disponibilidade de opções beneficia as pessoas até um certo ponto, mas à medida que o número aumenta aparece o efeito negativo da dificuldade de escolher, fazendo que as pessoas fiquem menos satisfeitas com as muitas opções que lhes são dadas. Isso até que o lado negativo se sobrepõe e a insatisfação cresce a ponto de a decisão não ser tomada. Ou ser negligente, acrescento. No caso eleitoral, o cidadão pode votar sem muita convicção quanto à sua escolha, pode também se abster ou anular o voto, e pode ainda votar numa pessoa por outras razões, que nada têm que ver com a escolha de um deputado, como os que optam por Tiririca ou por alguma outra figura exótica.
A escolha não criteriosa contribui também para a falta de representatividade dos eleitos, e o eleitor costuma até se esquecer de em quem votou, não demonstrando maior interesse em acompanhar os eleitos, cobrar desempenho.
No Brasil o voto para deputado federal se dá por unidade da Federação, com as vagas sendo disputadas em todo o seu território, o que eleva o número de candidatos que as disputam. Reduzir o número em si não seria democrático, mas há uma solução óbvia que até aqui o Brasil não adotou, porque também nesse caso não foi possível combiná-la com os russos, os parlamentares atuais, cuja maioria quer manter o sistema atual, pelo qual foram eleitos.
Trata-se do voto distrital, que no caso paulista equivaleria a dividir o eleitorado estadual em 70 distritos, nos quais cada partido apresentaria o seu candidato e, no conjunto deles, o número de nomes viáveis não alcançaria uma meia dúzia. Tal como acontece nas eleições diretas para cargos executivos, do presidente, de governadores e prefeitos. Por isso costumo defender o voto distrital como sendo de eleição direta de deputados e vereadores, por distrito eleitoral.
Aí as comparações entre candidatos se tornariam viáveis por seu menor número e, além disso, o candidato eleito representaria os eleitores do distrito como um todo. Também seria diminuída a influência dos grupos de interesse corporativos, religiosos e empresariais, que hoje elegem seus deputados arregimentando votos por todo o território estadual. Tais grupos passam a ter uma representação mais forte do que a da maioria dos eleitores, que dispersa seus votos por uma profusão de candidatos. O efeito Tiririca também seria atenuado ou mesmo eliminado, pois uma coisa é ele se eleger com votos dispersos da mesma forma e outra seria sua eleição num distrito depois de ali comparado com outros numa eleição direta.
Vamos mais uma vez participar de uma eleição para deputados que em larga medida é uma farsa, por causa desse distorcido processo de escolha, que força o eleitor a votar sem refletir bem sobre o seu candidato, e pela falta de representatividade a que ele leva.
Um bom critério de escolha é optar por candidatos comprometidos com o voto distrital.
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* Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
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