sexta-feira, 17 de maio de 2019

Humberto Saccomandi: Eleições ameaçam enfraquecer a UE

- Valor Econômico

Avanço extremista vai dividir ainda mais o Parlamento Europeu

A premiê alemã, Angela Merkel, disse nesta semana que a Europa tem de se reposicionar para enfrentar os desafios colocados pelos três grandes rivais globais: Rússia, China e... os EUA. A declaração escancara o grau de degradação das relações entre europeus e americanos. Mas manter a Europa unida está ficando cada vez mais difícil. O Parlamento Europeu deverá sair mais fragmentado do que nunca das próximas eleições. Isso deve dificultar o processo decisório e enfraquecer a União Europeia.

Na semana que vem os cidadãos dos 28 países da UE vão eleger os 751 deputados do Parlamento Europeu. Pesquisas indicam que haverá um importante avanço de partidos extremistas e/ou populistas.

Alguns desses partidos têm o apoio, pelo menos político, de grupos ultraconservadores americanos próximos ao presidente Donald Trump, capitaneados por Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca. Essa direita trumpiana vê a UE como o epicentro do que chama de ideologia globalista, o seu maior inimigo e principal alvo.

Por ser uma entidade multilateral, na qual os países cedem soberania em troca de um projeto comum, a UE é atacada por essa direita unilateralista americana. Trump já disse que a UE é inimiga dos EUA. Ele apoiou fortemente o Brexit, a saída do Reino Unido do bloco europeu.

O Parlamento foi por décadas uma espécie de primo pobre das instituições europeias. Ele foi criado em 1958 como um órgão consultivo. A partir de 1979, seus membros passaram a ser eleitos diretamente. Aos poucos, e sob pressão por democratização da UE, o Parlamento foi ganhando poderes, até que, com o Tratado de Lisboa, de 2009, recebeu as suas atribuições atuais.

Ainda que não funcione do mesmo modo que um Legislativo nacional, o Parlamento Europeu tem hoje poderes importantes, como aprovar (mas não propor) as leis que regulam a UE, aprovar a indicação do presidente da Comissão Europeia (o Executivo da UE) e os acordos comerciais.

O Parlamento Europeu também foi por muito tempo uma espécie de segunda divisão da política nacional dos países da UE. Políticos sem cargo ou quase aposentados ganhavam uma sinecura no órgão. Os eleitores em geral pouco se interessavam.

Mas, com os novos poderes do Parlamento, isso está mudando. O atual presidente, Antonio Tajani, é frequentemente citado como possível candidato a premiê da Itália, uma posição que normalmente caberia a um político do Parlamento nacional. O presidente anterior, Martin Schulz, renunciou para se tornar líder do SPD, o Partido Social Democrata da Alemanha, outro cargo que costumava ir para um político de âmbito nacional.

Uma vez eleitos nos países, os eurodeputados se reúnem no Parlamento em torno de grupos políticos europeus, que são compostos pelos partidos nacionais. Assim, o Partido Popular Europeu agrupa os deputados eleitos pelos partidos tradicionais de centro-direita, como a CDU alemã ou o PP espanhol. Os deputados eleitos por partidos de centro-esquerda, como o PD italiano ou os social-democratas suecos, se reúnem na Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. Esses são os grandes blocos partidários europeus. Há outros blocos como o conservador, o liberal, o dos verdes etc.

Nesta eleição, os blocos que mais devem crescer são os que reúnem os partidos de extrema-direita e populistas. As projeções de bancada são complexas, já que são 28 eleições diferentes. Pesquisas indicam que os tradicionais blocos de centro-direita e centro-esquerda, perderão muitas cadeiras. Apesar de não atuarem juntos, os blocos de extrema-direita e populistas devem dobrar e podem se tornar a segunda maior bancada.

Com isso, o Parlamento Europeu se tornará mais fragmentado, como já são vários dos Parlamentos nacionais na Europa. Para se aprovar qualquer coisa será preciso um grande entendimento entre vários blocos. Isso não é impossível, mas costuma ser mais trabalhoso, mais lento e menos efetivo.

O avanço dessa bancada extremista/populista deverá ser puxado por países importantes. Na França, o partido Reunião Nacional (a antiga Frente Nacional) lidera as pesquisas com 23% das intenções de voto, em empate técnico com o Em Marcha, do presidente Emmanuel Macron. Na Itália, a Liga, de extrema-direita, está isolada à frente nas pesquisas, com cerca de 30%; em segundo lugar está o partido populista Movimento 5 Estrelas. No Reino Unido, que terá de participar das eleições já que a saída da UE não foi aprovada ainda, o novo partido Brexit lidera, com cerca de 30%, seguido dos trabalhistas. O Partido Conservador, da premiê Theresa May, deverá ter o pior desempenho eleitoral de sua história e pode ficar em quarto.

Assim, dos quatro maiores países da UE, só na Alemanha um partido tradicional, a CDU, de Merkel, está à frente.

A maioria desses partidos de extrema-direita ou populistas é abertamente hostil à UE e à ideia de ampliar a integração regional. Ou seja, uma parte considerável do Parlamento Europeu estará lá para dificultar a gestão da UE, ou até para tentar implodir o bloco.

Nesta semana, o líder da Liga, o vice-premiê Matteo Salvini, disse que a Itália está pronta para violar o teto de déficit público de 3% do PIB acordado com a UE. Ele disse que seu governo não se aterá a nenhum limite pactuado, tanto de gasto como de redução da dívida pública, enquanto o desemprego no país não cair. Isso fez subir os juros cobrados da Itália para rolar a sua dívida. Uma eventual crise financeira na Itália é considerada como a mais grave ameaça à existência do euro, a moeda comum da UE.

A Liga, como outros partidos extremistas, tem estreita relação com Steve Bannon. Ele criou uma fundação em Bruxelas, O Movimento, que visa disseminar o pensamento de extrema-direita na Europa e influenciar partidos locais. E já declarou que seu objetivo é eleger uma bancada de um terço do Parlamento Europeu. Não conseguirá desta vez, mas não ficará muito longe.

"Não há dúvida de que a Europa precisa se reposicionar num mundo mudado", disse Merkel na entrevista ao jornal alemão "Süddeutsche Zeitung". "As velhas certezas da ordem do pós-guerra não valem mais."

A ordem da democracia liberal, que vigorou no ocidente no pós-guerra, está sendo atacada pelo capitalismo de Estado chinês, pela campanha de desestabilização política russa (via desinformação de massa) e pela neoconservadorismo dos EUA. A UE, apelou Merkel, tem de se unir para conseguir resistir.

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