sexta-feira, 17 de maio de 2019

Merval Pereira: Em busca do centro

- O Globo

O ronco das ruas, que já serviu para alavancar a candidatura de Bolsonaro, se voltou contra ele quarta-feira de forma expressiva

Duas declarações fundamentais para a política brasileira vieram ontem dos Estados Unidos. Ao afirmar, do Texas, que manterá a nova postura no relacionamento com os demais poderes da República, por exigência da maioria da população, o presidente Bolsonaro escalou mais um degrau no seu embate com o Congresso. O que ele está querendo explicitar é que o Congresso só age na base do toma lá dá cá.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se contrapondo em declaração em Nova York, durante reunião com investidores, garantiu que o Congresso fará a reforma da Previdência “com ou sem governo”, abrindo caminho para uma ação parlamentar autônoma, descolada do Palácio do Planalto.

Maia se mostra disposto a assumir um papel crucial neste momento, o de um líder de centro liberal fiador dos compromissos de reformas, que passariam a questões de Estado.

Ele sabe que se o Congresso não aprovar uma reforma que permita o início de uma retomada econômica, vai ser acusado por Bolsonaro de agir na base do fisiologismo, de não aprovarem a reforma por não ter dado os cargos que pediram. Sairá dessa crise como uma vítima da velha política.

O ronco das ruas, que já serviu para alavancar a candidatura de Bolsonaro, na quarta-feira se voltou contra ele de maneira expressiva. O enfrentamento rasteiro escolhido pelo governo para responder às pessoas que, aos milhares, protestaram em todas as capitais e em mais de cem cidades pelo país, demonstra uma avaliação equivocada do que está acontecendo.

Bolsonaro quer fazer crer que apenas os “idiotas inúteis” esquerdistas estavam nas ruas. É mais provável, porém, que estivessem nelas boa parte dos eleitores que o escolheram para se livrar do PT. Se os petistas e apoiadores da esquerda tivessem essa capacidade de mobilização, teriam saído às ruas para defender o “Lula livre”, ou a candidatura de Haddad.

Quem foi para as ruas quarta-feira demonstrou o descontentamento com o governo disfuncional de Bolsonaro, que se perde em picuinhas ideológicas e esquece os verdadeiros problemas do país, sendo a educação o maior deles.

Se é verdade que a performance dos nossos alunos nos exames internacionais como o Pisa teve uma queda assustadora nos anos petistas, indicando que o PT deu mais importância às medidas paliativas ou ideológicas do que à qualidade, também não se vê nos primeiros passos do governo Bolsonaro nada que indique um projeto educacional promissor.

Os radicais continuarão com Bolsonaro, mas ele já vem perdendo o apoio dos eleitores de centro, que temiam a volta do PT e, por falta de opções, votaram nele. Em uma campanha sem radicalismo, Bolsonaro disputaria com Cabo Daciolo a rabeira da eleição.

Os adversários que podem fazer frente a ele de verdade, como o governador de São Paulo, João Doria, o próprio Rodrigo Maia, especialmente se juntos em um novo partido de centro direita que unisse o PSDB ao DEM, ainda estão perdidos, entre apoiá-lo, atrás dos cliques da internet, ou abrir novos caminhos.

Bolsonaro precisa de um PT com discurso radicalizado para construir o seu projeto de poder. Só com a esquerda forte se manterá como a opção dos não radicais de direita ou de centro. Por isso, vive advertindo sobre “a volta do PT”.

Bolsonaro está em seu ambiente. No embate com o PT. Assim como na campanha o centro foi esmagado pelo radicalismo, também hoje não há uma liderança de centro, vigorosa, respeitada, que apresente uma saída fora dessa radicalização.

O país é de centro, circunstancialmente a radicalização política está dominando o debate. Lula só chegou à presidência porque se aproximou do centro, e assim governou durante seu primeiro mandato. Fernando Henrique levou o PSDB para o centro, chamou o PFL para governar.

A característica do centro é a moderação, mas os extremos continuam em combate, o ambiente político pede radicalização. O que agrada a ambos os lados. Há um espaço político importante a ser ocupado por uma liderança de centro que galvanize as ideias sensatas, um centro liberal, democrático.

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