sexta-feira, 17 de maio de 2019

Hostilidade como método: Editorial / O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro tem agido cada vez mais como líder de facção, e não como presidente da República. Invocando sempre a necessidade de satisfazer seus eleitores, malgrado o fato de que foi eleito para governar para todos, Bolsonaro tem contribuído para transformar debates importantes em briga de rua. É a reedição do ominoso “nós” contra “eles” que tanto mal fez ao País durante os desastrosos anos do lulopetismo.

Nesse ambiente crispado, temas cruciais para o futuro, como a reforma da Previdência, ou mesmo questões mais imediatas, como a necessidade de contingenciamento orçamentário, são desvirtuados pelo alarido dos radicais, o que nada tem a ver com um saudável debate democrático. E o presidente, que deveria, pelo cargo que ocupa, ser o condutor político desse debate, parece mais empenhado em hostilizar todos os que não lhe prestam obsequiosa vassalagem – e isso inclui não apenas seus adversários naturais, mas também, por absurdo, aqueles que desejam colaborar com o governo.

Com isso, Bolsonaro isola-se, num momento em que o País precisa de liderança e inteligência política para construir as soluções para a gravíssima crise ora em curso. São cada vez mais preocupantes os sinais de que o presidente não tem os votos necessários para aprovar no Congresso nem mesmo projetos de lei banais. As derrotas na Câmara se sucedem em quantidade inusitada para um presidente que teve 57,8 milhões de votos, elegeu-se como a grande estrela de uma formidável onda de renovação da política e deveria estar gozando a tradicional lua de mel com o Congresso e com os eleitores, reservada a todo governante em início de mandato.

Ao contrário, Bolsonaro viu despencar sua popularidade em um par de meses, resultado da paralisia de seu governo ante a aceleração da crise econômica, traduzida pelo aumento do desemprego e pela perspectiva cada vez mais concreta de uma nova recessão. Cresce a sensação – a esta altura quase uma certeza – de que o presidente não sabe o que fazer para reverter o quadro. Pior: as palavras e os atos do presidente e de alguns de seus ministros, quase sempre destinados apenas a excitar a militância bolsonarista nas redes sociais, contribuem para dificultar ainda mais qualquer entendimento político em torno de soluções viáveis para o País.

“São uns idiotas úteis”, disse o presidente ao se referir aos manifestantes que foram às ruas na quarta-feira para protestar contra o contingenciamento de verbas na área de educação. No mesmo dia, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, destratou deputados que o haviam convocado para uma sabatina na Câmara, preferindo a pesporrência ao diálogo. Tudo isso pode ter feito a alegria da seita bolsonarista no Twitter, mas o fato é que o governo começa a encarar nas ruas, precocemente, as mesmas dificuldades que já enfrenta há algum tempo no Congresso – situação que, como mostra a história recente do País, ninguém sabe como começa, mas todos sabem como termina.

A prudência recomenda, portanto, que Bolsonaro reveja urgentemente seu método de governo. O problema é que o presidente não tem demonstrado a necessária sensatez para a difícil missão que as urnas lhe conferiram. Ao contrário: sempre que pode, Bolsonaro acentua sua antipatia pelos parlamentares, tratando as adversidades da vida política – que ele agrava ao invés de amenizar – como sabotagem a seu governo. E ontem ele dobrou a aposta: disse que não vai ceder “a pressão nenhuma” em nome da “tal governabilidade”, mesmo que isso lhe custe o cargo. “É isso que querem? Um presidente vaselina para agradar todo mundo? Não vai (sic) ser eu. O que vai acontecer comigo? O povo que decida, pô, o Parlamento decida, eu vou fazer minha parte. Eu não vou sucumbir”, desafiou.

É nesse clima de antagonismo que o governo pretende encaminhar a reforma da Previdência e outras mudanças importantes para o País – e a desculpa bolsonarista para um eventual fracasso em qualquer dessas etapas cairá na conta daquilo que o presidente e seus seguidores chamam de “velha política”.

Diante disso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que o Congresso vai “fazer a reforma da Previdência, com o governo ajudando ou atrapalhando”. Seria melhor se, pelo menos, não atrapalhasse.

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