– Editorial | O Globo
Taxa real de juro segue negativa, mas isso não perdurará caso tenha êxito a pressão por mais despesas
Com o corte da taxa Selic para 2%, o Brasil ganha destaque no grupo de países em que vigoram taxas negativas de juro real (juro abaixo da inflação). Do ponto de vista econômico, para quem viveu décadas de pressão inflacionária, não parece fazer sentido. Mas o momento deflacionário da economia global é real e desafia os melhores economistas. Mesmo que haja desequilíbrios fiscais, a monumental recessão na esteira da Covid-19 deprime os preços e leva os bancos centrais a usar as armas à mão para tentar reerguer a economia.
O juro real negativo em princípio
estimula o crédito e o investimento. Um risco é a corrida por dinheiro vivo ou
ativos como ouro. Outro é o endividamento excessivo. Dívidas demais costumam
resultar em bolhas, e bolhas estouram. Isso significa que, em algum momento, o
“velho normal” se reinstala.
Mas, como Brasil é Brasil, há no Executivo e no Congresso quem considere ser hora de aumentar as despesas. A primeira manobra, já em andamento, é tentar derrubar ou driblar o teto de gastos, criado para impedir a constante corrida ao Tesouro, parte dos usos e costumes da política brasileira. A ideia básica é que o Estado sempre tem como arrumar o “dinheirinho” a que se referiu em entrevista ao GLOBO o senador Flávio Bolsonaro, ao se dizer confiante em que o ministro Paulo Guedes conseguirá alguns bilhões para reabrir canteiros de obras públicas fechados país afora. Desse “dinheirinho” deve sair o financiamento do Bolsa Família bolsonarista, o Renda Brasil, para auxiliar os pobres e a campanha de reeleição do presidente.
O fato de as taxas serem negativas agora não significa que o Brasil tenha se tornado um país normal. Os desajustes estruturais nas contas públicas persistem. O teto obriga a que governos e políticos escolham onde gastar, sejam forçados a fazer opções. Não devemos deixar a cultura do “arrumar um dinheirinho” pôr em risco a combinação de inflação e juros baixos.
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