sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Corrida por vaga no STF testa instituições - Editorial | O Globo

Em cada agrado, os candidatos põem um braço do Estado a serviço dos interesses da família Bolsonaro

 Trava-se uma disputa peculiar entre os candidatos às duas vagas de ministro do Supremo Tribunal Federal que serão abertas nos próximos meses. A primeira terá de ser preenchida em novembro, com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello aos 75 anos. A segunda, em junho de 2021, com a do ministro Marco Aurélio Mello. Responsável por indicar o candidato à avaliação do Senado, o presidente da República deveria atuar com discrição. No Brasil de Bolsonaro, é diferente. Ao transformar a indicação numa competição aberta, ele incentiva o atropelo dos mecanismos institucionais. Basta olhar o que têm feito três dos candidatos que almejam uma vaga.

O advogado André Mendonça tem carreira acadêmica no Direito, mas não foi ela que o guindou ao cargo de ministro da Justiça. Nem o fato de ser pastor presbiteriano (“terrivelmente evangélico”, portanto, como quer Bolsonaro). Foi, ao contrário do ex-ministro Sergio Moro, a disposição em aceitar trocas na Polícia Federal que preservassem Flávio Bolsonaro nas investigações do Caso Queiroz. Mais recentemente, veio à tona a revelação de que uma secretaria da pasta espionava servidores públicos, só por participarem de um movimento antifascista. A ilegalidade tinha todo jeito de atender à demanda de Bolsonaro por um aparato próprio de informação. Mendonça teve de afastar o responsável quando o caso veio a público.

O procurador Augusto Aras — a quem Bolsonaro acenou com uma “terceira vaga”, menção no mínimo descortês, porque supõe renúncia ou morte de outro — comanda, na PGR, um ataque enérgico à Operação Lava-Jato. Responde, assim, ao interesse de Bolsonaro de encolher a principal bandeira de Moro, adversário potencial nas urnas em 2022. No início do mandato, Aras ainda tentava se equilibrar entre os agrados ao Executivo e os deveres de procurador (pediu a manutenção da investigação contra Flávio no STF). Nos últimos tempos, os primeiros têm superado os segundos.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, com quem Bolsonaro disse em abril ter uma empatia de “amor à primeira vista”, transferiu para prisão domiciliar Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e pivô do escândalo das “rachadinhas”. Também enviou à domiciliar a mulher de Queiroz, Márcia, que estava foragida. Durante a pandemia, Noronha negou o mesmo pedido a mais de 700 presos (concedeu a apenas 18).

Cada agrado dos aspirantes ao presidente representa uma instituição do Estado posta a serviço dos interesses privados da família Bolsonaro. A cada troca de acenos, ganha importância o papel dos senadores. A sabatina dos indicados precisa deixar de ser uma homologação burocrática do candidato para inquirir de fato se ele tem a independência necessária a quem ocupará um assento na mais alta Corte do país.

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