sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Ricardo Noblat - Bolsonaro diz que fez o possível e o impossível para salvar vidas

 - Blog do Noblat / Veja

Às vésperas dos 100 mil mortos pelo Covid-19

Com a delicadeza que marca seus gestos e palavras, e a capacidade lendária de pôr-se no lugar dos outros, o presidente Jair Bolsonaro, na véspera de o Brasil ultrapassar a marca de 100 mil vítimas fatais do Covid-19, abriu sua live semanal no Facebook falando a respeito do 75º aniversário da explosão da bomba atômica que matou mais de 90 mil japoneses em Hiroshima.

Em seguida, perguntou ao ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que estava ao seu lado, o que um país que deseje a paz deveria fazer. Pazuello, especialista em logística, que outro dia escolheu uma amiga que não entende de gestão pública nem de saúde para representar o ministério em Pernambuco, respondeu como se tivesse ensaiado a cena: “Prepare-se para a guerra”.

Desta vez até Bolsonaro pareceu surpreso com o que ouviu, mas não passou recibo. Voltou mais adiante ao assunto com uma caixa de cloroquina na mesa à sua frente, e declarou sem disfarçar o esforço de mostrar-se compungido: “Lamento a todas as mortes, já tá chegando nos 100.000, talvez hoje. Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”.

Ao que Pazuello observou com naturalidade que o Covid-19 deve ser comparado com o HIV, e que é preciso adaptar-se a ele. “O HIV continua existindo, e a maioria se trata”, resumiu. “É vida que segue”. Horas antes, no Palácio do Planalto, Bolsonaro havia garantido: “Junto com os meios que temos, temos como realmente dizer que fizemos o possível e o impossível para salvar vidas”.

E assim transcorreu mais um dia em Brasília, aonde a paz da República não chegou a ser abalada nem mesmo pela notícia de que 8,9 milhões de brasileiros perderam o trabalho nos primeiros três meses de pandemia. A taxa de desemprego chegou a 13,3%. E os pessimistas de plantão, que sempre torcem pelo pior, calculam que poderá bater a casa dos 20% no fim do ano. Toc, toc, troc!

Se isso acontecer, Bolsonaro tirará de letra. Desde o início da pandemia, quando ainda apostava que o número de mortos não passaria de mil, ele repete que se alguém for culpado pelo recuo da economia serão os prefeitos e governadores que obrigaram as pessoas a ficarem em casa. Ele é inocente desse crime. Foi contra o isolamento e o uso de máscaras. Sua consciência está tranquila.

 Crise à vista: Ministro da Justiça desobedece a ordem judicial

Mendonça nega-se a mandar para o STF dossiê de espionagem

A não ser que o Supremo Tribunal Federal entube mais essa, a decisão do ministro André Mendonça, da Justiça, de negar-se a obedecer à ordem da ministra Carmen Lúcia de lhe enviar o dossiê montado pela Secretaria de Operações Integradas sobre servidores federais que se declararam antifascistas poderá detonar uma nova crise entre os poderes Executivo e Judiciário.

Nas últimas duas semanas, Mendonça negou que houvesse dossiê, depois admitiu sua existência, mas afirmou que o desconhecia, abriu uma sindicância para apurar tudo e, por fim, demitiu o coronel reformado do Exército que dirigia o setor de inteligência da dita Secretaria. Ali, o dossiê foi montado. Ora, se não havia dossiê, se nada de errado aconteceu, por que a demissão?

O que Mendonça se recusa a chamar de dossiê, por outro nome não deve ser chamado. É um conjunto de papéis com nomes dos quase 600 servidores federais, e mais alguns que nem servidores são, fotografias da maioria deles, dados pessoais e informes sobre suas atividades acompanhadas por arapongas da Secretaria. Em resumo: informações colhidas por espiões da vida alheia.

A propósito, Mendonça havia dito que no Estado de Direito democrático nenhum grupo de pessoas pode ser monitorado por pensar ou agir assim ou assado, desde que respeitem as leis e não ameacem a segurança pública. Agora, ao negar-se a cumprir a ordem da ministra, diz que nem mesmo o poder Judiciário tem o direito de acesso a determinadas informações sigilosas.

Quem decide se o Judiciário tem ou não esse direito é o Judiciário. Não é o governo. É dele a última palavra como intérprete que é da Constituição. O Supremo saberá lidar com informações sensíveis que possam pôr em risco a segurança do Estado. Cabe a Mendonça obedecer à ordem que recebeu sem fazer marolas só para agradar ao seu chefe e ganhar uma vaga de ministro do Supremo.

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