Todos
os governos têm muito em jogo nas eleições presidenciais da superpotência
global
Vermelho
ou azul? Nos EUA, vermelho é a cor dos republicanos; azul, dos democratas.
Todos os governos do mundo têm muito em jogo nas eleições presidenciais da
superpotência global — e cada um deles acalenta, secreta ou abertamente, uma
preferência. Quem “vota” em Joe Biden? E em Donald Trump?
A
Europa está dividida. No núcleo da União Europeia, Alemanha, França, Itália e
Espanha são Biden, o candidato democrata que promete restaurar a aliança
transatlântica tão desprezada por Trump. Mas o Reino Unido de Boris Johnson não
segue o rumo dos vizinhos, inclinando-se pelo republicano que ergueu um brinde
ao Brexit e acena com um acordo privilegiado de comércio com os britânicos.
Trump
é o cara, na opinião do húngaro Viktor Orbán e do polonês Andrzej Duda, líderes
nacionalistas, populistas e xenófobos da Europa Central. Recep Tayyip Erdogan,
presidente autocrático da Turquia, vai na mesma direção, mas por motivos menos
ideológicos. Ele aposta no isolacionismo do republicano para prosseguir sua
agressiva política externa, que exige acordos com a Rússia, ataques aos curdos
sírios, pressão sobre a Grécia e tensão perene com a União Europeia.
Israel
e Arábia Saudita estão fechados com Trump, o promotor de um “plano de paz”
baseado numa coalizão regional anti-iraniana e na negação dos direitos
nacionais palestinos. O Irã oscila, o que reflete a cisão entre o Estado
teocrático e o governo moderado. Ali Khamenei, Líder Supremo, “vota” Trump, uma
garantia de confronto com os EUA e, portanto, de hegemonia da “linha-dura”
doméstica. Por outro lado, o presidente Hassan Rouhani “vota” Biden, que
recolocaria os EUA no acordo nuclear, dando fôlego à economia iraniana.
Vladimir
Putin não crê em lágrimas. A Rússia entrou na campanha americana de 2016 com um
objetivo principal, desestabilizar a democracia americana, e um complementar,
ajudar a eleger o republicano. As metas permanecem inalteradas. Trump na Casa
Branca assegura o declínio da Otan e a redução da influência dos EUA no Oriente
Médio, abrindo espaço à difusão da influência externa russa.
A
China é um caso muito mais complicado, pois bússolas diferentes apontam nortes
opostos.
Um
critério para a escolha são os interesses econômicos. A “guerra do 5G”, que
envolve a rivalidade fundamental pela supremacia tecnológica, seguirá seu curso
com Biden ou Trump. Mas, apesar de imitar a retórica do nacionalismo econômico
do adversário, o democrata tende a colocar ênfase menor nas tarifas que
deflagram inúteis ou contraproducentes guerras comerciais. Ponto azul.
Tanto
Biden quanto Trump confrontarão a China no delicado campo dos direitos humanos,
que abrange os crimes contra a humanidade cometidos no Xinjiang dos muçulmanos
uigures e, ainda, a violação escandalosa dos direitos políticos em Hong Kong.
Contudo o republicano carece de um mínimo de credibilidade moral para se
pronunciar sobre tais temas. Ponto vermelho.
A
China tem uma peculiar apreensão da história. Na década de 1970, durante a
aproximação sino-americana, o número 2 da hierarquia chinesa, Chou En-lai, foi
indagado sobre as perspectivas da democracia em seu país e os valores emanados
da Revolução Francesa. Sua resposta, que ficou célebre: os eventos de 1789 são
assunto jornalístico, próximos demais para propiciar um diagnóstico histórico.
A infatigável paciência chinesa inclina decisivamente a balança da preferência
eleitoral.
Trump,
sem dúvida, explica Yan Xuetong, reitor do Instituto de Relações Internacionais
da Universidade Tsinghua, de Pequim: “Não porque Trump causará menos estrago
aos interesses chineses que Biden, mas porque ele certamente causará danos
maiores aos EUA”. A China almeja, sobretudo, o reconhecimento de seu lugar de
grande potência mundial — e, mais adiante, tomar a posição de superpotência
hegemônica. Nos tempos longos, régua da geopolítica, o declínio dos EUA e a
consequente ascensão da China são mais bem-servidos pelo nacionalismo
isolacionista trumpiano.
Xi Jinping vota vermelho. Só não conta para ninguém. É que declarar o voto é coisa de idiota.
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