Nenhum país possui a capacidade de pautar a agenda mundial como os Estados Unidos. A última vez em que isso aconteceu de maneira brutal e instantânea foi em 2016, com a eleição de Donald Trump. Antes, ao menos em duas ocasiões sucedera algo parecido: em 1932, com a eleição de Franklin Roosevelt, e em 1980, com a de Ronald Reagan. O que existe em comum entre personalidades tão contrastantes?
Todos
foram homens de ruptura com o que se vinha fazendo até então, todos chegaram ao
poder em meio a crises graves, todos tinham total autoconfiança na capacidade
de mudar os acontecimentos. Os outros presidentes, mesmo Barack Obama, não
foram homens de ruptura, não inauguraram novas eras, não mudaram o mundo.
Roosevelt
encontrou um país prostrado pela Grande Depressão e o capitalismo em crise
profunda. Reformou com o New Deal o sistema capitalista, inaugurou o Estado do
bem-estar e o ativismo do governo em matéria social e econômica. Liderou os
aliados na derrota do nazifascismo na Segunda Guerra Mundial.
Sua
influência só foi superada com Reagan, que abandonou o keynesianismo, sustentou
que o governo era o problema, não a solução, desregulamentou as finanças,
acelerou a globalização. Peitou Moscou na corrida armamentista, contribuindo
para o fim da Guerra Fria e da União Soviética.
Esse
poder americano de definir a agenda não depende só da riqueza ou da força
militar. Tem muito a ver com o fato de que, há mais de 100 anos, os americanos
fazem a cabeça do mundo com o cinema, a música, a TV, as histórias em
quadrinho, o streaming, a internet, as mídias sociais. É um poder para o bem e
para o mal, para construir e destruir.
No
caso de Trump, tem sido para botar abaixo, destruir tudo, para começar virando
pelo avesso as realizações de Obama. De um dia para o outro, a política internacional
sofreu um terremoto.
Os
EUA saíram do Acordo do Clima de Paris, repudiaram o acordo com o Irã, voltaram
atrás no relacionamento com Cuba, atropelaram as regras da Organização Mundial
de Comércio. A relação com a China virou confronto permanente, a Organização
Mundial de Saúde foi abandonada. A maré populista antidemocrática, antiliberal,
atingiu o apogeu.
Uma
derrota de Trump agora truncaria a obra de demolição pela metade. Permitiria
não voltar a 2016, mas reconstruir o mundo em novas bases com economia verde,
mais igualdade, mais cooperação e menos confronto, prevenção de epidemias,
avanço em direitos humanos, política de gênero, superação da guerra cultural
fomentada pelo fanatismo religioso.
Está
em jogo, como se vê, a própria possibilidade de futuro, pois quatro anos mais
de negativismo de Trump talvez tornem irreversível a catástrofe do aquecimento
global. Sairemos todos perdendo se Trump ganhar. Como não podemos votar nas
eleições de 3 de novembro, resta-nos esperar que os americanos tenham sabedoria
para salvar seu país e devolver ao mundo um mínimo de esperança.
*Rubens
Ricupero é diplomata aposentado, jurista e historiador da política externa
brasileira. Foi ministro da Fazenda durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso.
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