Incerteza
e insegurança trazidas pela pandemia abrem caminho para moderação política
Já
é possível observar claros sinais de arrefecimento da polarização política que
varreu o mundo, especialmente a partir da crise financeira internacional de
2008.
A
disputa entre grupos polarizados estava em relativo “equilíbrio” com cada polo
se nutrindo da oposição radicalizada de identidades e preferências políticas.
Grupos polares, tanto à esquerda como à direita, se retroalimentavam. Não
dialogavam entre si e tendiam a consumir informações que só reforçavam suas
crenças anteriores. Ao mesmo tempo, rejeitavam qualquer informação que
contrariasse seus valores prévios. Portanto não faziam atualizações que pudessem
colocar em risco suas respectivas “zonas de conforto” identitárias. O espaço
para alternativas moderadas que buscam o eleitor mediano ficou bastante
reduzido.
A
manutenção de um ambiente polarizado é o ideal para a viabilização eleitoral de
candidatos extremos, como o presidente Donald Trump. Entretanto,
a grande maioria dos institutos de pesquisa projeta que o candidato
democrata, Joe Biden,
é o franco favorito, com 90% de chances de derrotar o atual presidente.
Ao
contrário de Trump, um outsider com perfil populista e antissistema, Biden é um
típico representante da política tradicional americana. Uma espécie de
candidato livre de surpresas, representando estabilidade, previsibilidade,
segurança e, fundamentalmente, moderação.
Assim
como nos EUA, a polarização política tomou conta do Brasil, especialmente a
partir das grandes mobilizações de massa que varreram o País em 2013. As eleições
de 2018 testemunharam uma escalada da polarização política tanto na grande
massa quanto na elite. Naquela ocasião, o número de eleitores que votaram num
candidato de um dos polos se aproximou daquele relativo aos que expressaram
forte rejeição ao candidato oponente. Os candidatos de centro não tiveram a
menor chance e o eleitorado moderado ficou literalmente órfão.
De
forma similar ao que vem ocorrendo nos EUA, os candidatos que representam os
dois polos extremos, apoiados por Jair Bolsonaro ou
por Lula,
têm enfrentado grandes dificuldades nas disputas às prefeituras das capitais
brasileiras.
Mas
por que a política da moderação estaria retornando no exato momento em que a
crise da covid-19 estaria aumentando ainda mais as desigualdades sociais?
Parece
que os eleitores estão cansados das incertezas causadas pelas opções polares, e
por isso começam a procurar por alternativas menos arriscadas e mais seguras. É
como se os partidos polares e antissistema tivessem exercido o papel de
anticorpos, que ajudaram a construir resistência às desigualdades e injustiças
do liberalismo de mercado pós crise financeira de 2008, mas que agora estão
causando efeitos colaterais que põem em risco a própria sociedade.
Eleitores
ficaram muito alarmados com as ameaças trazidas pela pandemia e podem ter
perdido o apetite por um modo de política insurrecional que aumenta ainda mais
a instabilidade e a incerteza. Como em tempos de pós-guerra, os eleitores podem
almejar estabilidade e garantias efetivas ao invés de mais polarização.
A
incerteza contida nos novos desafios gerados pela crise pandêmica tem o
potencial de aumentar o apelo emocional das narrativas de moderação política.
Em outras palavras, a fadiga da crise pode fazer com que os eleitores rejeitem
soluções com consequências desconhecidas e prefiram o tipo de reforma
incremental tradicionalmente associada a partidos políticos moderados,
posicionados ao centro do espectro ideológico. A hora da moderação parece ter
chegado.
*Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)
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