É
insólito que entidades clamem ao Judiciário para forçar o Executivo a cumprir
seu dever, mas é o que ocorre
Partidos
e organizações não governamentais têm recorrido ao Supremo Tribunal Federal
(STF) com um pedido inusitado: que o Judiciário obrigue o governo Jair
Bolsonaro a trabalhar, na forma prevista pela Constituição e pela lei
ambiental. É insólito que entidades representativas da sociedade clamem por
intervenção judicial para forçar o Executivo a cumprir seu dever, mas é
precisamente isso que ocorre diante da inércia deliberada dos organismos
federais na proteção do meio ambiente.
A
inação não é casual e, por isso mesmo, passível de enquadramento no rol de
delitos de responsabilidade administrativa. Delineia-se na Amazônia uma
política cuja essência é incompatível com o espírito das leis vigentes. A opção
política pelo “liberou geral” favorece o desmatamento, o avanço da grilagem de
áreas públicas e a invasão de terras indígenas por madeireiros, garimpeiros e
agricultores. A impassibilidade do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e
das chefias do Ibama e da Funai, demonstra um nível inédito de incompetência na
gestão.
Desde
julho, o Supremo exercita paciência, à espera de que o governo Bolsonaro cumpra
a ordem judicial para apresentar um plano de proteção a 505 mil indígenas
contra a Covid-19. Eles se distribuem por 188 tribos e 38 diferentes famílias
linguísticas — sem contar os isolados.
O STF já rejeitou duas versões da proposta governamental, algo também incomum. Sempre pelo mesmo motivo, como certificou nos autos o ministro Luís Roberto Barroso: o plano oficial não era plano, mas mera pilha de frases sem lógica, metas, cronograma de ações e previsão de resultados auditáveis. Na sentença, o Supremo deu-se ao trabalho de descrever, didaticamente, ponto a ponto, como o governo deve elaborar um projeto para a emergência nas tribos indígenas. Aguarda a terceira versão do plano para esta semana.
Há
15 dias, o Supremo recebeu uma nova ação. Quatro dezenas de ONGs e vários
partidos solicitaram à Corte que “determine apenas e tão somente que as
autoridades públicas federais envolvidas implementem o Plano de Proteção Contra
o Desmatamento da Amazônia”. Nas 138 páginas do pedido, reiteram: “Não se
requer qualquer medida adicional à execução efetiva da política pública já
existente”.
Reivindicam
intervenção do Judiciário para instar o governo a cumprir seu dever de executar
uma política pública de Estado, aprovada pelo Congresso, bem-sucedida nos anos
recentes e em pleno vigor, até porque legalmente não foi revogada.
Em
português cristalino, pedem apenas que se obrigue o governo Bolsonaro a
trabalhar. Só isso.
Congresso deveria aprovar lei para regular o lobby – Opinião | O Globo
Transparência
permitiria seguir os interesses presentes na sociedade e aperfeiçoaria nossa
democracia
A
mais conhecida iniciativa de regularizar o lobby no Brasil foi do senador Marco
Maciel, em 1990, quatro anos antes de ele ser eleito vice-presidente de
Fernando Henrique Cardoso. À época, a Câmara engavetou o projeto, sob o
argumento discutível de que era inconstitucional, por entender que matéria
relacionada ao Congresso, um dos campos de ação de lobistas, só poderia ser
regulada por meio de resoluções de cada uma das Casas legislativas.
A
resistência a regulamentar o lobby deixa o Brasil distante dos países mais
desenvolvidos, onde a atividade segue regras de transparência que tornam
possível sua fiscalização. Tramita no Congresso um projeto de regulamentação,
já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, à espera de
inclusão na pauta do plenário. Por ter sido relatado pela deputada Cristiane
Brasil (PTB-RJ), não reeleita em 2018, ele necessitará de um novo relator assim
que for relacionado para votação final.
Há
quem argumente que é um erro regular uma atividade associada ao lado sombrio da
política, ao tráfico de influência e à corrupção. Ora, trata-se do oposto. É
justamente porque pode haver desvio no trabalho do lobista que ele deve estar
sujeito a regras. Precisa ser exercido dentro de limites éticos. É essencial
que os interesses de toda sorte, existentes em qualquer sociedade, possam se
manifestar de modo transparente diante dos Poderes públicos. Do contrário, eles
continuarão a buscar caminhos subterrâneos, nem sempre republicanos.
Os
Estados Unidos têm longa experiência no assunto. Há registros desde a primeira
metade do século XIX da preocupação dos legisladores estaduais com a ação de
grupos de interesse sobre parlamentares. A legislação americana, repleta de
controles e exigências de informações, é referência no mundo. Pela internet,
qualquer um pode examinar os dados dos 11 mil lobistas registrados nos Estados
Unidos, que deverão gastar neste ano aproximadamente US$ 11 bilhões com a
atividade.
O
autor da proposta original que tramita no Congresso, deputado Carlos Zarattini
(PT-SP), usou como referência a legislação americana e a de países da OCDE. O
texto foi revisto por Cristiane Brasil, que retirou algumas exigências
burocráticas, como a obrigatoriedade de registro do lobista, pessoa física ou
jurídica, nos órgãos públicos. Também deixou de constar a obrigatoriedade de
lobistas entregarem ao Tribunal de Contas da União (TCU) a relação de suas
atividades e gastos. Sob nova relatoria, seria possível aperfeiçoar ainda mais
a proposta.
Mereceria
atenção especial, em particular, a atuação dos lobbies para influenciar o
Congresso. Na essência, o lobby ajuda o legislador a votar bem informado.
Todos, não apenas os representantes do povo, passam a saber que interesses
rondam o Estado. Transformar o lobby numa atividade que possa ser acompanhada
de perto pela sociedade só contribui para aperfeiçoar a democracia.
O espectro do populismo fiscal – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
governo insiste em fazer ensaios de contabilidade criativa que flertam com
crimes de responsabilidade e só agravam o clima de insegurança fiscal
Como se não bastasse o fato de não ter apresentado ao País um roteiro de recuperação econômica nem uma pauta de prioridades para a agenda do Congresso, o governo insiste em fazer ensaios de contabilidade criativa que flertam com crimes de responsabilidade e só agravam o clima de insegurança fiscal.
O
mais recente exercício de contabilidade criativa foi a proposta de uma “meta
flexível” para o resultado primário do ano que vem, na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO). A meta do resultado primário é prevista pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) como um limite ao rombo nas contas públicas. Sob
o pretexto das incertezas econômicas, o governo propôs que a meta variasse de
acordo com a arrecadação.
Nas
circunstâncias atípicas precipitadas pela pandemia, as incertezas em relação à
receita de fato existem. Mas a maneira ortodoxa e fiscalmente responsável de
lidar com eventuais frustrações na arrecadação ao longo do ano é solicitar ao
Congresso um aval para alterar os objetivos da política fiscal. Já com a meta
flexível, o governo estaria de antemão liberado de fazer bloqueios no orçamento
dos Ministérios e outros órgãos, o chamado contingenciamento. Em outras
palavras, o governo queria passe livre para gastar mais do que arrecada.
“Meta
flexível não é meta”, resumiu em bom português o diretor executivo da
Instituição Fiscal Independente do Senado, Felipe Salto. O Tribunal de Contas
da União fez um alerta de que, se a LDO for aprovada dessa forma, a meta passa
a ser “conta de chegada” e não de partida, como exige a responsabilidade
fiscal. “Não ter meta, uma meta flexível, é uma jabuticaba brasileira”, disse o
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. “Isso é uma sinalização muito
ruim.”
Após
essas advertências, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo
vai apresentar uma proposta exata de meta fiscal. Mas a sinalização ruim já foi
dada. Esse foi só o mais recente dos muitos e temerários balões de ensaio
lançados por um governo que reluta em fazer sua lição de casa.
Já
na reforma da Previdência, o ministro tentou embutir um jabuti que permitiria
aos empregadores demitir funcionários já aposentados sem a multa de 40% sobre o
FGTS. Além disso, desde aquela época, volta e meia o ministro tenta exumar o
malfadado imposto sobre transações financeiras, a velha CPMF, cada vez sob um
novo figurino.
Em
setembro do ano passado, muito antes do coronavírus, foi a vez de o presidente
Jair Bolsonaro flertar com o afrouxamento do teto de gastos. Já após a
pandemia, notando os benefícios eleitorais do auxílio emergencial – o qual,
diga-se, a depender do ministro, teria sido de apenas três parcelas de R$ 200
–, Bolsonaro e Guedes tentaram criar um substituto para o Bolsa Família, o
natimorto “Renda Brasil”, que seria financiado por meio do congelamento das
aposentadorias. Pouco depois, surgiu o mal-ajambrado “Renda Cidadã”, dessa vez
a ser pago com o calote no pagamento de precatórios e o sequestro de uma
parcela do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
De
todas essas medidas teratológicas o governo recuou – não raro após um recado
enérgico dos mercados. Mas de recuo em recuo nas suas tentativas de pedaladas
fiscais, o governo anda para trás, deixando nada mais que uma cortina de
fumaça, enquanto as incertezas fiscais crescem.
A
poucos dias do fim do ano, não há qualquer acordo sobre o Orçamento de 2021.
Mecanismos de curto prazo indispensáveis para a saúde fiscal do País, como a
PEC Emergencial que estabelece gatilhos para o controle de gastos, continuam
travados, assim como as medidas de longo prazo. Não há nenhum esforço para dar
tração a uma já tímida reforma administrativa, e na reforma tributária o
ministro continua a bater na tecla da CPMF. As propaladas privatizações seguem
a ver navios. Enquanto isso, ninguém sabe o que será dos milhões de brasileiros
que, com o fim do auxílio emergencial, recuarão à miséria.
Ante
um governo sem rumo e sem plano, a credibilidade do País só se deteriora.
A asfixia da classe média – Opinião | O Estado de S. Paulo
Empobrecimento
da classe média também produz perigosas consequências políticas
Um
estudo feito pelo Instituto Locomotiva para o Estadão/Broadcast revelou que a classe média
deixou de consumir R$ 247 bilhões neste ano em decorrência da pandemia de
covid-19. Obviamente, o dado é péssimo para os cerca de 105 milhões de
brasileiros incluídos nessa categoria socioeconômica – de acordo com o
instituto, os pertencentes às faixas B, C1 e C2, ou seja, famílias cuja renda
per capita mensal varia entre R$ 667,87 e R$ 3.755,76 –, mas é ainda pior para
o Brasil. A classe média consumiu R$ 2,6 trilhões no ano passado, o que
representou 60% do total consumido no País.
A
bem da verdade, a eclosão da pandemia de covid-19 foi “apenas” o golpe de
misericórdia no combalido orçamento da classe média, que já vinha sendo premido
mês a mês desde a recessão econômica de 2014-2016, cujos efeitos aí estão até
hoje. Muito antes de os brasileiros começarem a ser assombrados pela ameaça do
novo coronavírus, as famílias da classe média já sofriam com a perda de renda
ou com o medo do desemprego, desdobrando-se em contas e tendo de escolher entre
seus compromissos aqueles que podem pagar e os que têm de deixar em aberto.
Do
total de ouvidos pelo Instituto Locomotiva – 1.700 brasileiros de classe média
com 16 anos ou mais –, 64% disseram ter medo de perder o emprego a qualquer
momento, o que é determinante para decisões de consumo. Mais da metade dos
entrevistados respondeu que sua renda diminuiu durante a pandemia e 35%
acreditam que seus ganhos continuarão a cair mesmo depois de superada a
emergência sanitária. É um futuro nada alvissareiro para grande parcela da
população brasileira.
A
classe média também foi fortemente afetada pela inflação de alimentos e
serviços. A natureza do trabalho de muitos de seus integrantes permite o home office. Mais tempo em casa ao
longo da pandemia significou aumento das despesas domésticas. “A classe média
não preenche os requisitos para receber o auxílio emergencial, como a baixa
renda, e tampouco tem poupança, como a alta renda. Assim, sentiu uma grande
pressão sobre seu orçamento”, disse ao Estado o presidente do Instituto Locomotiva,
Renato Meirelles.
Essa
asfixia orçamentária da classe média impõe enormes desafios para as três
esferas de governo. No âmbito federal, é fundamental que o presidente Jair
Bolsonaro se aprume, deixe de lado sua obsessiva e inoportuna campanha pela
reeleição e, enfim, governe o País. Passados quase dois anos de sua posse, a
rigor a Nação ainda não conhece o projeto de Bolsonaro para o Brasil, se é que
há um, não sabe o que seu governo pretende fazer para superar as crises
econômica e sanitária e recolocar o País nos trilhos do crescimento econômico e
da geração de investimentos, emprego e renda.
Nas
esferas estadual e municipal, governadores e prefeitos terão de lidar com o
aumento substancial da demanda por serviços públicos nas áreas de Saúde e
Educação. Será uma questão particularmente sensível para os prefeitos eleitos
agora em 2020. A pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 53% das famílias
de classe média tiveram de cortar ao menos um desses três serviços no curso da
pandemia neste ano: plano de saúde particular, contratação de empregadas
domésticas ou babás e escolas particulares. Nesse ponto, a pandemia também só
serviu como aceleradora de uma tendência que já era observada há alguns anos. É
particularmente preocupante o aumento da demanda sobre o Sistema Único de Saúde
(SUS), há muito subfinanciado e carente de investimentos. Hoje, 70% dos
brasileiros que precisam de atendimento médico acorrem ao SUS. Em breve, esse
porcentual será bem maior e o sistema precisa estar preparado para atender quem
dele precisa.
Por
fim, mas não menos importante, não se pode negligenciar as consequências
políticas do empobrecimento da classe média. Uma classe média premida por
reveses econômicos é mais suscetível aos encantos falaciosos de líderes
populistas, cujo talento mais notável é a capacidade que têm de oferecer
soluções simples para problemas complexos. Sabe-se no que isso pode dar.
Perspectivas para a segurança cibernética – Opinião | O Estado de S. Paulo
Multiplicam-se
os ataques de milícias digitais, os crimes e os indícios de espionagem
Ao
acelerar bruscamente a digitalização das relações sociais e de trabalho, a
pandemia ampliou também os riscos cibernéticos. Crimes contra pessoas e
empresas, ataques de milícias digitais e indícios de espionagem multiplicam-se
exponencialmente, ameaçando a ordem pública, o Estado Democrático de Direito e
a confiança na Quarta Revolução Industrial. Enquanto o Brasil se prepara para
decisões estratégicas relacionadas à tecnologia 5G, pilares do Estado como a
Justiça Eleitoral ou o Ministério da Saúde foram abalados por ataques, minando
a credibilidade do poder público.
De
todos os tipos de crimes, os cibernéticos são os que crescem mais rapidamente.
Explorando os medos e incertezas precipitados pela atual instabilidade social,
econômica e sanitária, os criminosos digitais multiplicaram suas agressões a um
nível alarmante. Estima-se que, de todas as atividades maliciosas na internet,
os crimes cibernéticos respondam por 80%. Segundo o Global Risks Report 2020 do
Fórum Econômico Mundial, nos próximos 10 anos os ataques cibernéticos serão a
segunda maior ameaça aos negócios.
“Enquanto
crimes como assaltos ou roubos são mais visíveis, o crime cibernético é em
grande parte escondido, levando muitas pessoas a subestimar o seu risco efetivo
ou a probabilidade de se tornar uma vítima”, disse o secretário-geral da
Interpol, Jürgen Stock.
Tradicionalmente
os governos são responsáveis por combater o crime. “Entretanto, a dimensão
singular do espaço cibernético provou que os governos não têm e não terão todas
as capacidades necessárias para combater a ameaça do crime cibernético
sozinhos”, constatou o Fórum. “Com efeito, muitas das capacidades necessárias
residem no setor privado, de modo que as empresas privadas devem ser parte da
solução.”
Para
estimular esta cooperação, o Fórum reuniu mais de 50 representantes de
organizações-chave públicas e privadas numa Parceria
Contra o Crime Cibernético, com foco na promoção de princípios para a
colaboração pública e privada na repressão aos ecossistemas do crime
cibernético. A iniciativa é um pilar para a arquitetura de uma cada vez mais
indispensável aliança independente para combater o crime cibernético global.
Para
subsidiar essa aliança, o Fórum também lançou, com a Universidade de Oxford e 100
especialistas dos negócios, governos, academia e sociedade civil, a Future Series, uma linha de
produção de estudos sobre riscos cibernéticos.
Na
primeira edição – Segurança cibernética, tecnologias emergentes e
riscos sistêmicos – os pesquisadores
circunscreveram quatro tecnologias que transformarão a paisagem digital nos
próximos 5 a 10 anos: conectividade ubíqua; inteligência artificial; computação
quântica; e abordagens de nova geração para gestão de identidade. Os riscos sistêmicos
associados a essas tecnologias são tais que, sem uma ação coordenada entre a
comunidade tecnológica, as lideranças corporativas e governamentais e a
comunidade internacional, os esforços contra as ameaças cibernéticas podem
gerar o efeito reverso, erguendo barreiras para o fluxo de dados e o comércio
transfronteiriços e fricções entre os sistemas nacionais que, ao invés de
dificultar o trabalho dos agressores, o facilitarão.
Da
comunidade tecnológica, espera-se que identifique as lacunas que estão se abrindo
nos sistemas de defesa, a fim de projetar e oferecer soluções eficazes. As
lideranças corporativas e governamentais devem focar em novas ferramentas de
educação, orientação e governança para abordar os riscos associados às novas
tecnologias. Isso é essencial para que todas as partes interessadas
compartilhem de um paradigma e de uma agenda comuns sobre o problema. A
comunidade internacional precisará concertar políticas e instituições para
impedir que a segurança cibernética aja como uma barreira à adoção de novas
tecnologias e seu valor transformador.
“Estas
novas tecnologias transformarão o nosso mundo”, conclui o Fórum. “Mas somente
se forem seguras e nós pudermos dar aos nossos cidadãos e negócios a confiança
de que elas o farão.”
Inércia estatista – Opinião | Folha de S. Paulo
Novo
plano prevê 9 privatizações, mas resultados de Guedes não permitem otimismo
Na
vasta lista de promessas descumpridas e previsões frustradas que marcam a
gestão do ministro Paulo Guedes, da Economia, há poucos casos tão embaraçosos
quanto o das privatizações.
Há
quase dois anos no cargo, Guedes não conseguiu vender nenhuma empresa
diretamente controlada pelo Tesouro Nacional, mas as juras
de avanços acabam de ser renovadas para 2021.
O
novo plano prevê a alienação de nove estatais federais no ano que vem, além de
preparação e execução de leilões envolvendo até 106 ativos, com potencial de
atração de R$ 367 bilhões em investimentos, segundo o governo.
Na
relação estão a capitalização da Eletrobras e a venda dos Correios, as duas
empresas com maior potencial arrecadatório, mas cuja desestatização também
sofre forte resistência no Congresso.
Além
dos obstáculos técnicos, superáveis, o problema principal tem sido a baixa
competência do Executivo em conduzir politicamente os entendimentos.
São
vários os benefícios potenciais de um processo ambicioso e bem executado de
privatização.
Além
do ganho de receita, que apenas no caso da Eletrobras pode chegar a R$ 60
bilhões, o que se busca é reduzir o dreno de recursos públicos ao longo do
tempo e melhorar a eficiência e a produtividade da economia, o que também
depende de boa regulação.
Dentro
do universo de empresas estatais federais, existem as que geram receitas
próprias —e não precisam de aportes rotineiros do Tesouro— e outras que
dependem da administração direta. Os altos salários e milhares de cargos são
alvo de cobiça de políticos.
Um
relatório produzido pelo Ministério da Economia, reunindo dados de 46
companhias controladas pela União, mostrou que 18 dessas estatais receberam R$
17 bilhões em aportes no ano passado, quase a metade do que se gastou com o
Bolsa Família.
Numa
perspectiva temporal mais longa, o custo fica ainda mais evidente —em 10 anos são
quase R$ 200 bilhões, um quarto do que se espera obter com a reforma da
Previdência no mesmo período.
Nem
tudo é fracasso, porém. Há avanços nas vendas de subsidiárias da Petrobras, com
o objetivo de fomentar concorrência no refino e transporte de combustíveis.
O
BNDES, ademais, vem reduzindo sua carteira de ações, que também abrange
empresas privadas. Apenas com a venda de um lote de ações da Vale foram
arrecadados R$ 10 bilhões há poucas semanas.
Mas
a esta altura é preciso colher resultados mais céleres com a venda ou
liquidação de várias dessas participações diretas. Não parece certo que será
assim, já que até aqui o que prevaleceu foi a tendência estatista do presidente
Jair Bolsonaro e de seu núcleo militar.
A política da exclusão – Opinião | Folha de S. Paulo
Retirada
de homenagem oficial a personalidades negras soa a medida persecutória
A
Fundação Cultural Palmares, entidade federal que tem entre suas finalidades
primordiais a promoção da cultura afro-brasileira, publicou nota anunciando
a remoção
de 27 nomes de sua lista de Personalidades Negras —todos eles,
desnecessário dizer, homenageados em períodos anteriores ao mandato do
presidente Jair Bolsonaro.
Entre
os excluídos estão intelectuais e artistas com amplo reconhecimento nacional e
internacional e notória contribuição para o enriquecimento da cultura
brasileira —que tem em sua matriz africana um patrimônio inestimável.
Basta
citar a escritora Conceição Evaristo, a cantora Elza Soares, os compositores
Gilberto Gil e Martinho da Vila e a ambientalista e ex-senadora Marina Silva
para que se tenha a dimensão do despautério.
É
conhecido, infelizmente, o diapasão ideológico obtuso e retrógrado que tem
norteado a atuação de diversos órgãos do governo federal em sua guerra contra
conquistas civilizatórias identificadas como articulações de um fantasmagórico
marxismo cultural que estaria a assombrar o mundo.
Tem
sido assim, por exemplo, na recorrente negação da ciência, no desmonte de
controles ambientais, na inércia regressiva da área da educação ou no
antiglobalismo tosco da diplomacia oficial.
A
indicação de Sérgio Camargo para presidir a Fundação Palmares ficará como um
dos emblemas dos disparates do bolsonarismo. Trata-se de um negro que parece
ter sido alçado ao cargo apenas como provocação a movimentos militantes.
Camargo
tem pautado sua atuação pelo revisionismo histórico, que inclui o
questionamento do racismo, e por um impulso lúgubre de apagar conquistas
notáveis da população afro-brasileira e de seus representantes.
Como
outros expoentes do governo federal, parece viver num mundo paralelo, descolado
dos fatos e evidências históricas.
Suas
explicações para a exclusão dos homenageados —entre as quais uma portaria que
passa a restringir a distinção a pessoas mortas— soam como meros artifícios
para dar seguimento aos objetivos persecutórios que tem implantado na
instituição.
Mais
que justificadas, as reações de personalidades, negras ou não, que se
manifestaram contra a decisão sublinham a anomalia instaurada na Fundação
Palmares pelo radicalismo bolsonarista.
País deve ter competição sem restrições em 5G – Opinião | Valor Econômico
Governo
deve zelar pelos interesses nacionais e talvez o ocaso de Trump possa alimentar
uma postura mais serena em Brasília
Há
sinais recentes - ainda sem amparo em declarações públicas e gestos concretos -
de que o presidente Jair Bolsonaro estaria propenso a contrariar a pressão do
governo Donald Trump e não banir a chinesa Huawei como fornecedora para a
infraestrutura de 5G no Brasil. Seria mesmo uma ótima notícia que, pelo menos
nessa questão, Bolsonaro esteja se libertando da cegueira ideológica alimentada
por muitos de seus auxiliares e consiga decidir com base unicamente nos
interesses nacionais. Porém, considerando o gosto do presidente por teses
radicais e brigas desnecessárias, deve-se enfatizar sempre a necessidade de
perseguir critérios técnicos e barganhas favoráveis ao país na definição sobre
os equipamentos da rede de quinta geração de telefonia celular.
Como
se sabe, por causa da velocidade até 50 vezes maior que a atual e da baixíssima
latência (tempo entre o envio de um comando e o recebimento do outro lado), a
tecnologia 5G abre espaço para novas funcionalidades em diversos campos do
conhecimento. Cidades inteligentes, carros autônomos, cirurgias remotas são
apenas alguns exemplos. A elevada interconexão aumenta também a vulnerabilidade
e, por isso, a cibersegurança se tornará um fator de risco cada vez mais
importante. Sem falar na possibilidade, já existente, de roubo de dados de
governos, forças militares, corporações e indivíduos.
Essas
ameaças justificam preocupações em torno de uma rede limpa e segura. Invasões e
espionagem são ilícitos com consequências crescentemente graves. Não importa se
podem partir de Pequim ou do Vale do Silício, da Escandinávia ou de qualquer
milícia digital. É um novo desafio para governos de todo mundo. E a
encruzilhada imposta pela nova infraestrutura de 5G merece cuidados.
Diante
de tal contexto, soou o alarme de muitos países com a Huawei, que é 100%
privada, mas frequentemente vista como um apêndice do Partido Comunista Chinês.
Essa desconfiança tem sido alimentada por Trump e pelo secretário de Estado
americano, Mike Pompeo, que criaram a iniciativa Clean Network com o
autodeclarado objetivo de “enfrentar as ameaças de longo prazo à privacidade de
dados” e proteger informações sensíveis contra o risco de ataques por “atores
malignos, como o PCC”.
No
mês passado, durante a visita de um enviado de Pompeo a Brasília, o governo
brasileiro declarou apoio aos “princípios” da Clean Network. As hostilidades à
China proclamadas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), o filho 03 do
presidente, e referências jocosas de autoridades do primeiro escalão ao
“comunavírus” durante a pandemia de covid-19 levaram à percepção de que o país
se encaminhava inevitavelmente para um banimento da Huawei - como, aliás, já
fizeram Reino Unido, Austrália e Japão, entre outros.
Vários
aspectos, no entanto, precisam ser consideradas na decisão do Brasil. Primeiro:
com dimensões continentais e acesso ainda restrito de boa parte da população à
internet rápida, o custo de instalação da nova rede de infraestrutura 5G
(comutadores, roteadores, antenas, cabos, centrais) ganha importância,
vis-à-vis os países ricos. Segundo: as redes de 3G e 4G já instaladas pelas
operadoras brasileiras têm elevada participação da Huawei. Se houver
necessidade de troca, pode haver não só encarecimento, mas atraso na
incorporação das plataformas 5G. Terceiro: a Constituição Federal e o arcabouço
legal não deixam espaço para vetos a uma empresa específica. Não há nada, aqui,
como o Comitê de Investimentos Estrangeiros (CFIUS) nos Estados Unidos - que
analisa as implicações da presença externa na segurança nacional.
Se
houver evidências de que as redes da Huawei têm brechas para invasões e expõem
o Brasil, obviamente será preciso considerar restrições integrais ou parciais.
Até agora, no entanto, nenhuma vulnerabilidade técnica restou demonstrada. O
histórico, inclusive, pesa contra os americanos - em 2013, veio à tona como a
Agência Nacional de Segurança (NSA) espionava, a partir de Washington, dos
e-mails da então presidente Dilma Rousseff aos segredos da Petrobras no
pré-sal.
Para além das questões técnicas, existe o fator geopolítico. Trata-se de uma corrida pela liderança tecnológica no século XXI e os Estados Unidos têm a aspiração de, no mínimo, desacelerar a emergência chinesa. O melhor para o Brasil, nessa disputa, é manter-se neutro e explorar benefícios potenciais para a sua economia. Em vez de alinhamento cego a um dos lados, o governo brasileiro deve zelar pelos interesses nacionais e explorar bons caminhos de negociação. Talvez o ocaso de Trump possa alimentar uma postura mais serena em Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário