Enquanto
Donald Trump destinou grande parcela de recursos a empresas, o novo pacote fará
o inverso
O Plano
de Resgate da Economia dos EUA, aprovado pelo Congresso americano,
representará muito mais que um simples resgate econômico. Na realidade,
trata-se de uma importante correção de rumo, no sentido de combate à pobreza e
às desigualdades sociais aprofundadas pela pandemia.
A
perspectiva da volta do crescimento e a questão do combate às desigualdades
constituem aspectos entrelaçados no pacote de Biden. Isso porque o principal
elemento do programa está na transferência financeira direta a famílias de
baixa renda, que têm maior propensão a consumir em comparação a grupos mais
afluentes.
O
contraste com o programa aprovado pelo governo Trump, em março de 2020, em
resposta à crise sanitária —que
somou, à época, US$ 2,2 trilhões, quase US$ 400 bilhões a mais do que o
programa atual—, não poderia ser maior.
Enquanto o pacote de Trump destinou grande parcela de recursos a empresas, muitas das quais grandes corporações que não precisavam de ajuda, o pacote de Biden fará o inverso: concederá ajuda limitada à classe empresarial, com exceção de restaurantes e casas artísticas —dois dos setores que mais sofrem com a pandemia—, concentrando recursos em formato de auxílio financeiro direto a famílias de classes médias e baixa.
É
verdade que o aumento da renda das famílias mais pobres impulsionado pelo
pacote só será traduzido majoritariamente em consumo se a pandemia for vencida
nos próximos meses.
Os
dois elementos estão profundamente interligados: quanto mais o vírus estiver
sob controle, mais a economia reabrirá; quanto mais a economia reabrir, mais o
incremento de renda proveniente do programa tenderá a ser gasto em consumo,
notadamente em serviços, muitos dos quais dependem da presença física dos
consumidores para serem comercializados.
O
programa de Biden assume como pressuposto essa conexão entre economia e saúde
pública, tanto é que mais de US$ 100 bilhões serão destinados a vacinas e
testes. Isso tenderá a aumentar ainda mais o ritmo
de vacinação, já acelerado (2 milhões de doses por dia, em média), abrindo
reais perspectivas de controle da pandemia para os próximos meses, salvo um
cenário de descontrole provocado por variantes do vírus.
Não
à toa, dado o potencial círculo virtuoso entre aumento da renda dos mais
pobres, reabertura da economia e controle do vírus, estima-se que o crescimento
econômico norte-americano mais do que dobrará em 2021, superando patamares que
não vistos há décadas, e alçando os Estados Unidos ao posto de uma das
principais locomotivas do crescimento
global pós-Covid, ao lado da China.
A
questão do tratamento conjunto entre crescimento e desigualdade também aparece
no plano de Biden em outros aspectos essenciais: da concessão de significativo
aumento nos subsídios tributários a famílias mais pobres em proporção ao número
de filhos —o que reduzirá drasticamente a pobreza infantil em 2021— à ampliação
de subsídios para que grupos de classes baixa e média possam contratar seguros
de saúde privados no âmbito do Obamacare.
Tudo
somado, não há dúvida de que o pacote agora aprovado representa uma grande
vitória da administração Biden, lançando boas perspectivas para que os
democratas não só consolidem o apoio junto a minorias negras e latinas como
também reconquistem parte da base de trabalhadores brancos sem ensino superior
que migrou para o trumpismo.
A
grande questão é saber se Biden estará disposto a ir além do temporário,
liderando mudanças estruturais que viabilizem redução de desigualdades a longo
prazo.
Para
tal, será necessário adotar posturas ainda mais duras diante dos republicanos,
deixando de lado a tradição legislativa da necessidade de mínimo apoio
bipartidário para aprovação de leis não orçamentárias no Senado. Sem isso, os
importantes efeitos do pacote econômico ficarão restritos aos primeiros dois
anos de governo.
*Felipe Loureiro, professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário