Bolsonaro
não está se dando conta do tamanho do desastre que sua atitude contraria às
medidas de isolamento social pode provocar
A
“imprensa mequetrefe”, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tem seu valor.
“Mequetrefe” (indivíduo intrometido, dado a meter-se no que não é de sua conta;
enxerido), por exemplo, fora o repórter free-lance Gareth Jones, assim tratado
pelo governo soviético na década de 1930. Ele tinha 27 anos, havia entrevistado
Hitler e viajou para Moscou por conta própria com o firme propósito de
entrevistar Stálin. Sem acesso ao líder comunista, rumou clandestinamente para
Ucrânia, intrigado com a origem dos recursos investidos na industrialização da
antiga União Soviética. Descobriu a “grande fome” provocada pelas
coletivizações forçadas de Stálin, presenciando até casos de canibalismo.
A história é contada no filme “Mr. Jones” — “A Sombra de Stálin”, na versão brasileira –, exibido no NOW. O roteiro se inspira no documentário “Hitler, Stalin & Mr. Jones”, levado ao ar em 2012 pela BBC. Chantageado para se calar sobre o que viu, Jones foi vítima de uma campanha de difamação, após publicar sua história na imprensa londrina. Fora desmentido por Walter Duranty, jornalista do New York Times e vencedor do Pulitzer, mais preocupado com o acesso às autoridades soviéticas do que com a realidade ao seu redor. A roteirista Andrea Chalupa inclui na trama o escritor George Orwell, autor do romance “A Revolução dos Bichos”, aproveitado o fato de que o dono da fazenda também se chama Mr. Jones. A censura em Moscou justificaria a analogia.
Holodomor
é uma palavra ucraniana que significa “deixar morrer de fome”, “morrer de
inanição”. Tal palavra passou a ser empregada para definir os acontecimentos
que levaram à morte por fome de milhões de ucranianos entre os anos de 1931 e
1933. É óbvio que a intenção de Stálin não era essa, seu objetivo era
expropriar os camponeses que haviam enriquecido nos tempos da “Nova Política
Econômica” (NEP) do líder bolchevique Vladimir Lenin, que adotara o capitalismo
no campo para abastecer as cidades.
As
coletivizações forçadas de Stálin foram feitas para financiar a indústria
pesada e preparar a União Soviética para a guerra iminente com a Alemanha,
porém, resultaram numa tragédia humanitária. Estima-se de 3,3 a 6,3 milhões o
número de mortos no Homolodor. Para Stálin, a morte dos camponeses ucranianos
foi o efeito colateral da industrialização acelerada e do esforço de guerra
contra Hitler.
Na
avaliação de Bolsonaro, os óbitos são inevitáveis, o mais importante é manter a
economia em pleno funcionamento. Entretanto, não é o isolamento que provoca
recessão e desemprego, mas a multiplicação dos casos de covid-19, numa
velocidade muito maior do que a vacinação da população. Estamos tendo um
“apagão” nos hospitais, daqui a pouco teremos um “apagão” nos cemitérios. Não
são apenas falta de leitos, faltam insumos e profissionais de saúde; faltarão
câmaras frigoríficas.
Bolsonaro não é um desorientado, tem uma estratégia errada mesmo. Erra de conceito, ao apostar na centralidade a qualquer preço da atividade econômica; erra de método, ao desarticular o Sistema Único de Saúde (SUS), opondo o Ministério da Saúde aos governadores e prefeitos; e erra ao pregar desobediência civil às medidas sanitárias, criando um ambiente favorável para o vírus se propagar. Não leva em conta que o colapso sanitário resultará no colapso econômico, com desorganização da cadeia produtiva e crise de abastecimento. Com a velocidade atual de propagação da covid-19, somente um freio de arrumação pode evitar o desastre, ou seja, o lockdown temporário onde for preciso.
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