Havia
grandes incertezas sobre o cenário no primeiro semestre de 2021 e não há mais:
será ruim
Inflação
e desemprego continuam piorando a poucos dias de o Banco Central tomar a
decisão de se deve iniciar já um ciclo de alta de juros e com que intensidade.
O IPCA de fevereiro superou as estimativas dos analistas e fechou o mês em
0,86%, elevando a variação em 12 meses para 5,2%. A taxa de desocupação no
último trimestre de 2020, último dado disponível da Pnad Contínua, foi de
13,9%, bem acima de 11% do mesmo período de 2019. A média esconde triste
realidade: em quatro das cinco regiões do país, e em 20 das 27 unidades da
federação, menos de metade das pessoas em idade de trabalhar estava ocupada (Valor,
ontem). O rendimento real habitual das pessoas ocupadas caiu entre o último e
penúltimo trimestre do ano passado.
A perspectiva para a economia no primeiro trimestre é de retração, situação que poderá se estender ao segundo trimestre, dadas a lentidão da vacinação e uma segunda onda forte de contágio, que deixam pouca margem de manobra às autoridades que não os lockdowns com diferentes graus de restrição à mobilidade. A mediana das previsões contidas no boletim Focus é de 3,2%, o que significa um desempenho ruim, já que fica abaixo do carregamento estatístico herdado de 3,6% para 2021.
A
variação do IPCA de fevereiro foi bastante concentrada: a alta de 7,09% dos
combustíveis equivaleu a 42% do índice cheio, ou impulso de 0,36 ponto
percentual. Apenas a elevação dos preços da gasolina e dos cursos regulares de
educação corresponderam a 50% da variação total. A corrida dos combustíveis se
deve ao choque conjugado do aumento forte das cotações do petróleo com a
desvalorização intensa do real, que atinge várias outras commodities
industriais. O câmbio está fora do lugar por causa dos temores dos investidores
quanto ao rumo fiscal do país. A alta de combustíveis tem potencial para se
espalhar por todos os setores da economia.
Igualmente
ruim tem sido a trajetória dos preços desde maio de 2020. Na evolução em 12
meses, o IPCA marchou ininterruptamente para cima até agora. Nessa base, o
índice será ainda mais desfavorável um pouco adiante, porque em abril e maio de
2020 houve deflação. A expectativa é a de que até junho o índice encoste em 7%.
Os
estragos no IPCA serão maiores quanto mais tempo o dólar se valorizar em
relação ao real. Apesar de 8 dos 9 setores apresentarem alta de preços, as
variações foram modestas. Já os preços dos alimentos caem há três meses e em
fevereiro variaram 0,27%. Mesmo na Educação, a variação positiva foi a menor
para o mês desde 2010. O índice de difusão nos preços também cai há três meses:
de 76% em dezembro foi a 63% no mês passado.
A
redução do valor do auxílio emergencial, e sua inexistência nos dois primeiros
meses do ano ajudaram a conter uma inflação maior. A seu lado estão um
desemprego recorde e a redução do rendimento real da população ocupada, causada
em especial pelo aumento dos preços dos alimentos (15% em 12 meses). Entre o
penúltimo e o último trimestre de 2020, ele caiu 2,6% na média, mas foi mais
intenso para os trabalhadores sem carteira assinada (-7%) e para os que
trabalham na indústria (-6,5%) e comércio (-5,5%). Com renda estagnada e
desemprego em alta, repasses de preços tendem a ser menores, mesmo advindos do
câmbio.
Não
há fatores de impulso à economia, com exceção do setor externo. O hiato do
produto, indicador do grau de intensidade do uso dos fatores produtivos em
relação a seu potencial, é de 3,9% para o BC, mas há estimativas com números
maiores. Por outro lado, há claros riscos negativos para a atividade, como a
iminente elevação dos juros. As previsões dos mercados apontam uma alta da
Selic para além dos 5% a até 6%. Em suma, a normalização monetária pode impedir
a economia de sair da retração na qual se encontra no primeiro semestre, com
custo econômico e social alto, a depender da dose de juros.
O
BC tem de manter as expectativas ancoradas. O estímulo monetário coadjuvou o
fiscal e ambos reduziram o alcance da recessão cavalar de 2020. Se os mercados
estiverem certos, impulsos fiscais e monetários não existirão mais em pouco
tempo, deixando em seu lugar uma economia em frangalhos. O BC deve atuar com parcimônia
e testar o terreno, sem no entanto se aproximar da taxa real neutra, “normal”
(3%), porque a economia ainda precisa de cuidados. Havia grandes incertezas
sobre o cenário no primeiro semestre de 2021 e não há mais: será ruim. As
incertezas rondam agora o ano inteiro. Não há motivos para o BC se precipitar.
Acredite quem quiser – Opinião / O Estado de S. Paulo
Bolsonaro,
que passou toda a pandemia a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecido
como campeão da imunização
O ex-presidente Lula da Silva, que fez da polarização do “nós” contra “eles” a força motriz de sua seita, agora se apresenta disposto ao “diálogo”. O presidente Jair Bolsonaro, que passou toda a pandemia de covid-19 a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecido como campeão da imunização dos brasileiros. Formidáveis metamorfoses, nas quais acredita quem quer.
Que
ninguém se engane: a única motivação de ambos, como sempre foi, é eleitoral.
Nenhum deles sequer acorda pela manhã se não for por cálculo político. Os
interesses nacionais e as aflições dos eleitores são sempre secundários, ou
meramente instrumentais, em seus projetos de poder.
O
presidente Bolsonaro, de uma hora para outra, protagonizou uma solenidade
oficial usando máscara, bem como seus assessores. A imagem exótica espantou os
brasileiros em geral, acostumados a ver Bolsonaro não somente sem máscara, mas
promovendo aglomerações País afora e estimulando comportamento irresponsável da
população em meio a uma pandemia mortal.
Mais
do que isso: a solenidade se prestava à assinatura de leis que facilitam a
compra de vacinas contra a covid-19. O presidente prometeu que, “até o final do
ano, teremos mais de 400 milhões de doses (de imunizantes) disponíveis aos brasileiros”.
Não se sabe de onde o presidente tirou esse número, uma vez que o Ministério da
Saúde tem sido incapaz de determinar quantas vacinas estarão disponíveis para
os brasileiros neste mês, que dirá no resto do ano.
Seja
como for, trata-se de uma mudança drástica de atitude, que, se mantida,
aliviará um País agoniado com a sabotagem promovida por Bolsonaro e seus
camisas pardas contra a vacinação e as medidas de restrição para enfrentar o
vírus, em meio à escalada de mortes e o colapso do sistema de saúde. Já não
seria sem tempo.
Mas
não se pense que Bolsonaro de repente se conscientizou de que não é possível
superar a pandemia sem imunização em massa e sem adotar ações preventivas.
Ainda está fresco, na memória dos brasileiros que prezam os valores morais, o
horror provocado pelas reações grosseiras e desumanas de Bolsonaro sempre que
cobrado a assumir suas responsabilidades como presidente. Na mais recente
delas, apenas uma semana atrás, mandou o “idiota” que lhe pedia vacinas
comprá-las “na casa da tua mãe”.
É
evidente que esse é o verdadeiro Bolsonaro, e não o personagem contrito que
agora prega a necessidade urgente de uma vacinação nacional. O verdadeiro
Bolsonaro só se preocupa com sua reeleição – agora ameaçada pela escalada da
crise causada pela pandemia e, principalmente, pela ressurreição de Lula da Silva.
Não
parece ter sido um mero acaso o fato de o “novo” Bolsonaro se apresentar aos
brasileiros momentos depois que o chefão petista fez seu primeiro
pronunciamento após o restabelecimento de seus direitos políticos por decisão
judicial. No discurso, Lula da Silva, que apareceu de máscara, atacou
vigorosamente a irresponsabilidade do presidente diante da pandemia.
Para
fazer o contraponto a Bolsonaro, Lula da Silva vestiu o figurino de estadista.
Além de fazer uma defesa enfática da vacinação e das medidas de isolamento, o
ex-presidente anunciou sua disposição de “dialogar com todos”, inclusive fora
da esquerda, contrastando com a dificuldade de articulação política do
presidente. “Não tenham medo de mim”, disse Lula.
Ninguém
tem medo de Lula; o que se tem é enfado. O demiurgo de Garanhuns tornou-se
previsível. O Lula que mais uma vez promete um amplo diálogo político é o mesmo
que construiu sua base parlamentar na base do talão de cheques e é o mesmo que
até na esquerda é visto como autoritário.
Ademais,
a receita de Lula para a retomada do crescimento – fim das privatizações, freio
nas reformas e aumento dos gastos públicos – é a mesma que foi responsável pela
profunda crise produzida no governo de Dilma Rousseff, da qual o País ainda não
saiu. Não por acaso, Lula esqueceu-se de citar sua criatura no discurso, talvez
na expectativa de que os brasileiros não se lembrassem.
Mas
os brasileiros lembram bem.
Um país fora dos padrões – Opinião / O Estado de S. Paulo
Desemprego
alto e governo lento elevam incerteza e travam a reação econômica
Campeão do desemprego entre os grandes países emergentes, o Brasil precisa do auxílio especial aos mais pobres como forma de conter uma catástrofe. Com 13,9 milhões de pessoas em busca de uma vaga, número equivalente a 13,9% da força de trabalho, o País fechou 2020 com o dobro da desocupação registrada na OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. No trimestre final do ano passado, os desocupados eram, em média, 6,9% da população ativa dos 37 países da organização. A taxa ficou abaixo de 10%, nesse período, em 32 desses países. Nas três maiores economias do grupo, foi inferior a 7%: nos Estados Unidos, 6,8%; no Japão, 3%; e na Alemanha, 4,6%.
Dezenas
de milhões das famílias mais vulneráveis puderam viver um pouco melhor, no ano
passado, com o auxílio emergencial. Interrompida a partir de janeiro, essa
ajuda agora deve voltar. Com isso, as famílias mais pobres terão garantida pelo
menos a alimentação ou alguma alimentação. Mesmo com ajuda, o acesso à comida
está muito complicado. Depois das altas no segundo semestre de 2020, os
alimentos continuam caros, as pressões inflacionárias são preocupantes.
O
dólar instável – por motivos políticos e pela ampla incerteza econômica – segue
afetando os preços no mercado interno. Para diminuir a instabilidade, o Banco
Central (BC) tem atuado no mercado cambial por meio de leilões de moeda
americana. Pelo menos dispõe de bom volume de reservas para isso, mas o governo
deveria dar mais atenção às oscilações do câmbio. Isso vale principalmente para
o presidente Jair Bolsonaro, maior fonte, desde o ano passado, de instabilidade
no mercado cambial.
Imprevidência
e descuido, no entanto, são marcas da maior parte do governo. Como se os piores
efeitos da pandemia devessem acabar em 31 de dezembro, a equipe econômica
negligenciou, ao desenhar a proposta de Orçamento para 2021, as ações especiais
de enfrentamento da crise. Por isso o auxílio emergencial desapareceu muito
cedo, embora milhões de famílias precisassem de ajuda para as despesas mais
importantes. Sem um claro programa de socorro aos necessitados, de sustentação
da retomada econômica e de arrumação de suas contas, o governo contribuiu
amplamente para o aumento da incerteza, para a redução da confiança de
empresários e consumidores e para a instabilidade no mercado financeiro.
Com
a péssima atuação do poder federal no enfrentamento da pandemia a insegurança
aumentou. O negacionismo do presidente, seu continuado desprezo à vida dos
brasileiros, a incompetência do ministro da Saúde e a imprevidência em relação
à compra e à aplicação de vacinas agravaram o quadro sanitário e afetaram as
expectativas econômicas.
Nos
países onde a vacinação avançou e as medidas preventivas básicas foram
reforçadas, têm melhorado os indicadores de atividade corrente e de
expectativa. Isso é evidenciado, por exemplo, pelos Barômetros Globais da
Economia, elaborados em colaboração pelo Instituto Econômico Suíço KOF, de
Zurique, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Puxado pelo desempenho desses
países, o barômetro coincidente subiu 4,5 pontos em março e chegou a 102,4
pontos. O barômetro global antecedente atingiu 117 pontos, com ganho de 11,9
pontos. No primeiro caso foi alcançado o nível mais alto desde dezembro de
2017. No segundo, a maior pontuação desde junho de 2010.
Enquanto
isso, no Brasil, esgotam-se as vagas em hospitais nas grandes cidades, recordes
de contaminação e mortes se sucedem, os muito pobres esperam a ajuda
emergencial, as projeções econômicas pioram e o presidente se volta ainda mais
para seu projeto de reeleição.
Emergência
– Opinião / O Estado de S. Paulo
Até que a vacinação deslanche, a união dos cidadãos é fundamental para salvar vidas
O
Brasil passa pelo momento mais dramático da pandemia de covid-19. O País
caminha para chegar ao final de março tendo perdido cerca de 300 mil de seus
cidadãos para a doença. Novas cepas do coronavírus, mais contagiosas, são
disseminadas sem qualquer tipo de controle ou medidas de contenção. Resultado
disso é que os hospitais das redes pública e privada, seja nos Estados mais
ricos, seja nos mais pobres, entraram em colapso ou estão prestes a saturar sua
capacidade de lotação. É grande o risco de se generalizar os casos de pessoas
que precisam de atendimento médico morrerem em casa ou na porta de hospitais
lotados. Em algumas cidades isso já ocorre.
O
que poderia interromper esta escalada da morte – uma massiva campanha de
vacinação da população – ainda está longe de ser a realidade do País. As poucas
doses que há são aplicadas numa velocidade muito aquém da velocidade de
espalhamento do vírus. É uma luta desigual, decorrente em grande medida da
desídia do governo de Jair Bolsonaro em coordenar no âmbito federal a
imunização dos brasileiros.
As
autoridades ciosas de sua responsabilidade têm praticamente implorado à
população para que permaneça em casa. E se houver absoluta necessidade de sair
às ruas, que isto seja feito com os cuidados sobejamente conhecidos a esta
altura. Em poucos momentos da história do País foi tão necessária a união da
sociedade para superar um mal que afeta todos os cidadãos.
No
dia 10 passado, foram registradas 2.349 mortes por covid-19 em apenas 24 horas,
sem contar a subnotificação. É estarrecedor. As atuais gerações jamais passaram
por algo remotamente parecido com esta tragédia. E nada garante que este
terrível número de mortes diárias não aumente nos próximos dias.
São
Paulo, o mais populoso Estado da Federação, é um dos que mais padecem com o
recrudescimento da pandemia no País. Para evitar o pior, ou seja, cidadãos
morrendo por falta de atendimento nos hospitais, o governo estadual criou uma
nova categoria de restrições no Plano São Paulo ainda mais severa do que a fase
vermelha. Embora fossem as mais rigorosas até então, as medidas da fase
vermelha não puderam deter o vertiginoso crescimento do número de casos e
mortes no Estado.
O
Palácio dos Bandeirantes decidiu chamar o novo pacote de medidas de fase emergencial,
sem alusão a cores, o que mostra quão grave é a situação do Estado. Trata-se,
de fato, de uma situação de emergência, de vida ou morte.
A
fase emergencial valerá de 15 a 30 de março e implicará a paralisação das
atividades escolares, o fechamento de lojas de materiais de construção,
restrições de retirada de pedidos em bares e restaurantes (o chamado “take
away”), suspensão de atividades esportivas coletivas, como os jogos de futebol
do Campeonato Paulista, e de celebrações religiosas que gerem aglomeração de
fiéis.
O
objetivo do governo paulista é aumentar o porcentual de isolamento social na
fase emergencial para um patamar superior a 50%, considerado pelas autoridades
sanitárias o mínimo necessário para deter o avanço do vírus. Estima-se que
neste período de 15 dias cerca de 4 milhões de pessoas sairão das ruas.
É
de suma importância que cada cidadão se una ao esforço coletivo de frear a
disseminação do coronavírus em sua cidade, no seu Estado, no País. Por melhores
e bem-intencionadas que sejam as medidas determinadas pelos governos nas três
esferas, de nada elas valerão se a população não se engajar firmemente no seu
cumprimento. Ao poder público, por sua vez, cabe fiscalizar com máximo rigor a
observância às determinações legais.
Espera-se
que atos de força jamais tenham de se sobrepor à consciência cidadã. Diante de
um quadro tão terrível, a união dos cidadãos é vital para salvar vidas, como
bem disse o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn. E até que a
vacinação deslanche, devemos contar uns com os outros.
Alerta máximo – Opinião / Folha de S. Paulo
Cabe
ao cidadão redobrar cuidado na pandemia; a governantes, oferecer vacina já
Os
números da marcha da Covid-19 sobre o Brasil não deixam margem para dúvida,
titubeio ou tergiversação: o país atravessa a pior fase da pandemia. Com o
registro de mais de 2.000 mortes num único dia, as autoridades se veem forçadas
a tomar medidas mais duras para conter a epidemia.
Trata-se,
sem dúvida, de sacrifícios para a população —necessários, no entanto, para que
se evite uma catástrofe maior enquanto a vacinação não avança o suficiente para
a superação da crise.
A média
móvel de mortes diárias (1.705) nos posiciona no epicentro da
pandemia. Os EUA, que chegaram a ultrapassar o patamar de 3.000 óbitos diários,
recuaram para 1.437 em média; convém lembrar que a população americana é pelo
menos 50% maior que a brasileira.
A
cifra de novos casos também nos dá a dianteira desonrosa, com 69,7 mil
infecções diárias, contra 57,4 mil entre americanos.
Mais
grave, vacinamos na quarta-feira (10) meros 277 mil brasileiros, sendo que em
campanhas de imunização contra a gripe o SUS conseguia marcas na casa de 1
milhão de injeções diárias. Para comparação, os EUA imunizaram na mesma data
2,17 milhões de cidadãos.
Só
o presidente Jair Bolsonaro ainda tenta minimizar as estatísticas trágicas,
mesmo quando adere repentinamente ao uso de máscaras e posa de prócer da
vacinação após um ano inteiro a sabotá-la.
Governadores
acossados pela onda de internações se adaptam como podem à balbúrdia
capitaneada por Bolsonaro e seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
Como
o atordoado militar a cada instante dá previsões díspares de fornecimento de
vacinas, já se organizam em paralelo para tentar suprir as doses de imunizantes
que o governo federal não cuidou de garantir no tempo devido.
Em
carta ao Congresso, governantes de 21 unidades da Federação pleiteiam que
parlamentares preencham o vácuo deixado pela Presidência e liderem um pacto
nacional pela vida e pela saúde.
Pedem
a criação de um comitê nacional com representação dos três Poderes e dos três
níveis de administração, assessorado por especialistas, para prover a
coordenação solapada pelo governo federal.
Não
haverá surpresa se tal iniciativa —louvável, em seu valor de face— estiolar-se
em infindáveis disputas por verbas e protagonismo.
É
lamentável que seis governadores não tenham aderido a ela, sintoma de que a
gravidade do flagelo não se impôs a parte significativa da classe política,
incluindo líderes do Congresso Nacional, de atuação demasiado tímida.
Em
Araraquara (SP), a prefeitura recorreu a um lockdown e conseguiu reverter a
onda macabra de mortes. A maioria das cidades não necessitará chegar a tal
extremo, mas só se as respectivas administrações não prevaricarem.
O
governador paulista, João Doria (PSDB), aquiesceu
aos apelos dos epidemiologistas e reverteu exceções antes abertas para
atividades como cultos e jogos de futebol. Reconheceu, felizmente, que um líder
verdadeiro não pode temer a impopularidade quando se trata de salvar vidas.
Até
o presidente Bolsonaro, embora distante de uma guinada no comportamento
criminoso diante da epidemia, por vezes parece entrever que poderá ser
responsabilizado pela mortandade.
Os
brasileiros, se quiserem viver, precisam dar-lhe as costas e o exemplo para
fazer o que se deve: recolher-se em casa, usar máscaras e exigir vacinas o
quanto antes.
As
restrições são necessárias e bem-vindas neste momento, mas serão paliativo se a
frente da vacinação não avançar. É preciso imunização já, para todos.
Gatilhos da PEC Emergencial são insuficientes – Opinião / O Globo
A aprovação da PEC Emergencial é sem dúvida uma boa notícia, por assegurar auxílio aos atingidos pela pandemia e por criar mecanismos mais claros para o controle fiscal. Ao mesmo tempo, a tramitação refletiu bem o descompromisso de parte do Congresso e do Planalto com o equilíbrio das contas públicas. Não é aceitável que o núcleo do governo tenha deixado de atuar com firmeza para evitar a desidratação que resultou numa PEC mais fraca do que a necessária não só para a manutenção da disciplina fiscal, mas também de regras mais justas na gestão do funcionalismo.
Os
gatilhos previstos no texto original, acionados quando os gastos públicos
atingissem patamares críticos, teriam permitido compensar de maneira mais
eficaz, ao longo do tempo, o crescimento das despesas, inevitável com o
recrudescimento da pandemia. O governo preferiu patrocinar acordos cujo
resultado foi reduzir as contrapartidas à volta do auxílio emergencial aos mais
pobres. Permitirá, dessa forma, uma deterioração maior na situação fiscal, como
se já não bastasse a previsão de um déficit de R$ 250 bilhões para este ano,
feita antes do agravamento da pandemia, somado aos R$ 44 bilhões destinados ao
novo auxílio emergencial, que o Congresso decidiu estipular por fora de
qualquer âncora de controle fiscal.
É
certo que o quadro social requeria velocidade na aprovação da PEC. Mas o
Planalto poderia ter sido mais ativo na proteção das finanças públicas, se o
presidente também não enxergasse tantos dividendos político-eleitorais no
auxílio. O Congresso já havia acenado com a desidratação no final do ano
passado, quando circulou uma versão da apreciação do projeto pelo relator no
Senado, Márcio Bittar (MDB-AC). Houve pressões do Ministério da Economia,
restabeleceu-se o texto anterior. Mas já se sentia um prenúncio do que
aconteceria no final da tramitação da emenda.
No
Senado, os gatilhos foram atenuados. Retirou-se a possibilidade de cortar 25%
nos salários do funcionalismo, com correspondente redução da jornada, quando as
despesas obrigatórias ultrapassassem 95% das receitas (medida a que foram
submetidos funcionários da iniciativa privada no ano passado). Manteve-se ao
menos, durante a emergência, a suspensão de promoções e progressão automática
de carreira, regalia peculiar do mundo à parte em que vivem os servidores. O
compromisso da Câmara era aprovar o texto recebido do Senado, mas ele não foi
cumprido. A medida foi retirada ontem da PEC. Só foi mantido o congelamento
salarial durante a emergência. Como resultado, os servidores passarão
praticamente incólumes pela maior crise da história do país, causada pela
pandemia.
O impacto fiscal da crise será, portanto, maior. Não porque, nesta PEC, Legislativo e Executivo tenham decidido destinar mais dinheiro aos necessitados, criar novas linhas de crédito para salvar negócios ou investir recursos no atendimento de saúde ou em vacinas. Mas porque foram tímidos no compromisso com o equilíbrio fiscal e não souberam (ou não quiseram) reunir a força política necessária para reduzir regalias e enfrentar privilégios. Mesmo com o alastramento sem controle do vírus que já matou mais de 270 mil e empurra mais gente para a pobreza absoluta. A piora no quadro fiscal retardará a volta do crescimento, dos empregos e ampliará ainda mais a miséria.
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