sexta-feira, 12 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Inflação e desemprego sobem, renda diminui – Opinião / Valor Econômico

Havia grandes incertezas sobre o cenário no primeiro semestre de 2021 e não há mais: será ruim

Inflação e desemprego continuam piorando a poucos dias de o Banco Central tomar a decisão de se deve iniciar já um ciclo de alta de juros e com que intensidade. O IPCA de fevereiro superou as estimativas dos analistas e fechou o mês em 0,86%, elevando a variação em 12 meses para 5,2%. A taxa de desocupação no último trimestre de 2020, último dado disponível da Pnad Contínua, foi de 13,9%, bem acima de 11% do mesmo período de 2019. A média esconde triste realidade: em quatro das cinco regiões do país, e em 20 das 27 unidades da federação, menos de metade das pessoas em idade de trabalhar estava ocupada (Valor, ontem). O rendimento real habitual das pessoas ocupadas caiu entre o último e penúltimo trimestre do ano passado.

A perspectiva para a economia no primeiro trimestre é de retração, situação que poderá se estender ao segundo trimestre, dadas a lentidão da vacinação e uma segunda onda forte de contágio, que deixam pouca margem de manobra às autoridades que não os lockdowns com diferentes graus de restrição à mobilidade. A mediana das previsões contidas no boletim Focus é de 3,2%, o que significa um desempenho ruim, já que fica abaixo do carregamento estatístico herdado de 3,6% para 2021.

A variação do IPCA de fevereiro foi bastante concentrada: a alta de 7,09% dos combustíveis equivaleu a 42% do índice cheio, ou impulso de 0,36 ponto percentual. Apenas a elevação dos preços da gasolina e dos cursos regulares de educação corresponderam a 50% da variação total. A corrida dos combustíveis se deve ao choque conjugado do aumento forte das cotações do petróleo com a desvalorização intensa do real, que atinge várias outras commodities industriais. O câmbio está fora do lugar por causa dos temores dos investidores quanto ao rumo fiscal do país. A alta de combustíveis tem potencial para se espalhar por todos os setores da economia.

Igualmente ruim tem sido a trajetória dos preços desde maio de 2020. Na evolução em 12 meses, o IPCA marchou ininterruptamente para cima até agora. Nessa base, o índice será ainda mais desfavorável um pouco adiante, porque em abril e maio de 2020 houve deflação. A expectativa é a de que até junho o índice encoste em 7%.

Os estragos no IPCA serão maiores quanto mais tempo o dólar se valorizar em relação ao real. Apesar de 8 dos 9 setores apresentarem alta de preços, as variações foram modestas. Já os preços dos alimentos caem há três meses e em fevereiro variaram 0,27%. Mesmo na Educação, a variação positiva foi a menor para o mês desde 2010. O índice de difusão nos preços também cai há três meses: de 76% em dezembro foi a 63% no mês passado.

A redução do valor do auxílio emergencial, e sua inexistência nos dois primeiros meses do ano ajudaram a conter uma inflação maior. A seu lado estão um desemprego recorde e a redução do rendimento real da população ocupada, causada em especial pelo aumento dos preços dos alimentos (15% em 12 meses). Entre o penúltimo e o último trimestre de 2020, ele caiu 2,6% na média, mas foi mais intenso para os trabalhadores sem carteira assinada (-7%) e para os que trabalham na indústria (-6,5%) e comércio (-5,5%). Com renda estagnada e desemprego em alta, repasses de preços tendem a ser menores, mesmo advindos do câmbio.

Não há fatores de impulso à economia, com exceção do setor externo. O hiato do produto, indicador do grau de intensidade do uso dos fatores produtivos em relação a seu potencial, é de 3,9% para o BC, mas há estimativas com números maiores. Por outro lado, há claros riscos negativos para a atividade, como a iminente elevação dos juros. As previsões dos mercados apontam uma alta da Selic para além dos 5% a até 6%. Em suma, a normalização monetária pode impedir a economia de sair da retração na qual se encontra no primeiro semestre, com custo econômico e social alto, a depender da dose de juros.

O BC tem de manter as expectativas ancoradas. O estímulo monetário coadjuvou o fiscal e ambos reduziram o alcance da recessão cavalar de 2020. Se os mercados estiverem certos, impulsos fiscais e monetários não existirão mais em pouco tempo, deixando em seu lugar uma economia em frangalhos. O BC deve atuar com parcimônia e testar o terreno, sem no entanto se aproximar da taxa real neutra, “normal” (3%), porque a economia ainda precisa de cuidados. Havia grandes incertezas sobre o cenário no primeiro semestre de 2021 e não há mais: será ruim. As incertezas rondam agora o ano inteiro. Não há motivos para o BC se precipitar.

Acredite quem quiser – Opinião / O Estado de S. Paulo

Bolsonaro, que passou toda a pandemia a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecido como campeão da imunização

O ex-presidente Lula da Silva, que fez da polarização do “nós” contra “eles” a força motriz de sua seita, agora se apresenta disposto ao “diálogo”. O presidente Jair Bolsonaro, que passou toda a pandemia de covid-19 a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecido como campeão da imunização dos brasileiros. Formidáveis metamorfoses, nas quais acredita quem quer.

Que ninguém se engane: a única motivação de ambos, como sempre foi, é eleitoral. Nenhum deles sequer acorda pela manhã se não for por cálculo político. Os interesses nacionais e as aflições dos eleitores são sempre secundários, ou meramente instrumentais, em seus projetos de poder.

O presidente Bolsonaro, de uma hora para outra, protagonizou uma solenidade oficial usando máscara, bem como seus assessores. A imagem exótica espantou os brasileiros em geral, acostumados a ver Bolsonaro não somente sem máscara, mas promovendo aglomerações País afora e estimulando comportamento irresponsável da população em meio a uma pandemia mortal.

Mais do que isso: a solenidade se prestava à assinatura de leis que facilitam a compra de vacinas contra a covid-19. O presidente prometeu que, “até o final do ano, teremos mais de 400 milhões de doses (de imunizantes) disponíveis aos brasileiros”. Não se sabe de onde o presidente tirou esse número, uma vez que o Ministério da Saúde tem sido incapaz de determinar quantas vacinas estarão disponíveis para os brasileiros neste mês, que dirá no resto do ano.

Seja como for, trata-se de uma mudança drástica de atitude, que, se mantida, aliviará um País agoniado com a sabotagem promovida por Bolsonaro e seus camisas pardas contra a vacinação e as medidas de restrição para enfrentar o vírus, em meio à escalada de mortes e o colapso do sistema de saúde. Já não seria sem tempo.

Mas não se pense que Bolsonaro de repente se conscientizou de que não é possível superar a pandemia sem imunização em massa e sem adotar ações preventivas. Ainda está fresco, na memória dos brasileiros que prezam os valores morais, o horror provocado pelas reações grosseiras e desumanas de Bolsonaro sempre que cobrado a assumir suas responsabilidades como presidente. Na mais recente delas, apenas uma semana atrás, mandou o “idiota” que lhe pedia vacinas comprá-las “na casa da tua mãe”.

É evidente que esse é o verdadeiro Bolsonaro, e não o personagem contrito que agora prega a necessidade urgente de uma vacinação nacional. O verdadeiro Bolsonaro só se preocupa com sua reeleição – agora ameaçada pela escalada da crise causada pela pandemia e, principalmente, pela ressurreição de Lula da Silva.

Não parece ter sido um mero acaso o fato de o “novo” Bolsonaro se apresentar aos brasileiros momentos depois que o chefão petista fez seu primeiro pronunciamento após o restabelecimento de seus direitos políticos por decisão judicial. No discurso, Lula da Silva, que apareceu de máscara, atacou vigorosamente a irresponsabilidade do presidente diante da pandemia.

Para fazer o contraponto a Bolsonaro, Lula da Silva vestiu o figurino de estadista. Além de fazer uma defesa enfática da vacinação e das medidas de isolamento, o ex-presidente anunciou sua disposição de “dialogar com todos”, inclusive fora da esquerda, contrastando com a dificuldade de articulação política do presidente. “Não tenham medo de mim”, disse Lula.

Ninguém tem medo de Lula; o que se tem é enfado. O demiurgo de Garanhuns tornou-se previsível. O Lula que mais uma vez promete um amplo diálogo político é o mesmo que construiu sua base parlamentar na base do talão de cheques e é o mesmo que até na esquerda é visto como autoritário.

Ademais, a receita de Lula para a retomada do crescimento – fim das privatizações, freio nas reformas e aumento dos gastos públicos – é a mesma que foi responsável pela profunda crise produzida no governo de Dilma Rousseff, da qual o País ainda não saiu. Não por acaso, Lula esqueceu-se de citar sua criatura no discurso, talvez na expectativa de que os brasileiros não se lembrassem.

Mas os brasileiros lembram bem.

Um país fora dos padrões – Opinião / O Estado de S. Paulo

Desemprego alto e governo lento elevam incerteza e travam a reação econômica

Campeão do desemprego entre os grandes países emergentes, o Brasil precisa do auxílio especial aos mais pobres como forma de conter uma catástrofe. Com 13,9 milhões de pessoas em busca de uma vaga, número equivalente a 13,9% da força de trabalho, o País fechou 2020 com o dobro da desocupação registrada na OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. No trimestre final do ano passado, os desocupados eram, em média, 6,9% da população ativa dos 37 países da organização. A taxa ficou abaixo de 10%, nesse período, em 32 desses países. Nas três maiores economias do grupo, foi inferior a 7%: nos Estados Unidos, 6,8%; no Japão, 3%; e na Alemanha, 4,6%.

O desemprego muito alto, no entanto, mostra apenas a parte mais visível, e de maior efeito imediato, dos problemas do mercado de trabalho. O subemprego continuou muito amplo, os desalentados eram 5,5% da força de trabalho e 39,5% dos ocupados – por conta própria ou assalariados – estavam na informalidade. Em 15 Estados a informalidade superou 45% da população ocupada. Em 9, todos do Norte e do Nordeste, ultrapassou 50%. 

Dezenas de milhões das famílias mais vulneráveis puderam viver um pouco melhor, no ano passado, com o auxílio emergencial. Interrompida a partir de janeiro, essa ajuda agora deve voltar. Com isso, as famílias mais pobres terão garantida pelo menos a alimentação ou alguma alimentação. Mesmo com ajuda, o acesso à comida está muito complicado. Depois das altas no segundo semestre de 2020, os alimentos continuam caros, as pressões inflacionárias são preocupantes.

O dólar instável – por motivos políticos e pela ampla incerteza econômica – segue afetando os preços no mercado interno. Para diminuir a instabilidade, o Banco Central (BC) tem atuado no mercado cambial por meio de leilões de moeda americana. Pelo menos dispõe de bom volume de reservas para isso, mas o governo deveria dar mais atenção às oscilações do câmbio. Isso vale principalmente para o presidente Jair Bolsonaro, maior fonte, desde o ano passado, de instabilidade no mercado cambial.

Imprevidência e descuido, no entanto, são marcas da maior parte do governo. Como se os piores efeitos da pandemia devessem acabar em 31 de dezembro, a equipe econômica negligenciou, ao desenhar a proposta de Orçamento para 2021, as ações especiais de enfrentamento da crise. Por isso o auxílio emergencial desapareceu muito cedo, embora milhões de famílias precisassem de ajuda para as despesas mais importantes. Sem um claro programa de socorro aos necessitados, de sustentação da retomada econômica e de arrumação de suas contas, o governo contribuiu amplamente para o aumento da incerteza, para a redução da confiança de empresários e consumidores e para a instabilidade no mercado financeiro.

Com a péssima atuação do poder federal no enfrentamento da pandemia a insegurança aumentou. O negacionismo do presidente, seu continuado desprezo à vida dos brasileiros, a incompetência do ministro da Saúde e a imprevidência em relação à compra e à aplicação de vacinas agravaram o quadro sanitário e afetaram as expectativas econômicas.

Nos países onde a vacinação avançou e as medidas preventivas básicas foram reforçadas, têm melhorado os indicadores de atividade corrente e de expectativa. Isso é evidenciado, por exemplo, pelos Barômetros Globais da Economia, elaborados em colaboração pelo Instituto Econômico Suíço KOF, de Zurique, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Puxado pelo desempenho desses países, o barômetro coincidente subiu 4,5 pontos em março e chegou a 102,4 pontos. O barômetro global antecedente atingiu 117 pontos, com ganho de 11,9 pontos. No primeiro caso foi alcançado o nível mais alto desde dezembro de 2017. No segundo, a maior pontuação desde junho de 2010. 

Enquanto isso, no Brasil, esgotam-se as vagas em hospitais nas grandes cidades, recordes de contaminação e mortes se sucedem, os muito pobres esperam a ajuda emergencial, as projeções econômicas pioram e o presidente se volta ainda mais para seu projeto de reeleição.

Emergência – Opinião / O Estado de S. Paulo

Até que a vacinação deslanche, a união dos cidadãos é fundamental para salvar vidas

O Brasil passa pelo momento mais dramático da pandemia de covid-19. O País caminha para chegar ao final de março tendo perdido cerca de 300 mil de seus cidadãos para a doença. Novas cepas do coronavírus, mais contagiosas, são disseminadas sem qualquer tipo de controle ou medidas de contenção. Resultado disso é que os hospitais das redes pública e privada, seja nos Estados mais ricos, seja nos mais pobres, entraram em colapso ou estão prestes a saturar sua capacidade de lotação. É grande o risco de se generalizar os casos de pessoas que precisam de atendimento médico morrerem em casa ou na porta de hospitais lotados. Em algumas cidades isso já ocorre.

O que poderia interromper esta escalada da morte – uma massiva campanha de vacinação da população – ainda está longe de ser a realidade do País. As poucas doses que há são aplicadas numa velocidade muito aquém da velocidade de espalhamento do vírus. É uma luta desigual, decorrente em grande medida da desídia do governo de Jair Bolsonaro em coordenar no âmbito federal a imunização dos brasileiros.

As autoridades ciosas de sua responsabilidade têm praticamente implorado à população para que permaneça em casa. E se houver absoluta necessidade de sair às ruas, que isto seja feito com os cuidados sobejamente conhecidos a esta altura. Em poucos momentos da história do País foi tão necessária a união da sociedade para superar um mal que afeta todos os cidadãos.

No dia 10 passado, foram registradas 2.349 mortes por covid-19 em apenas 24 horas, sem contar a subnotificação. É estarrecedor. As atuais gerações jamais passaram por algo remotamente parecido com esta tragédia. E nada garante que este terrível número de mortes diárias não aumente nos próximos dias.

São Paulo, o mais populoso Estado da Federação, é um dos que mais padecem com o recrudescimento da pandemia no País. Para evitar o pior, ou seja, cidadãos morrendo por falta de atendimento nos hospitais, o governo estadual criou uma nova categoria de restrições no Plano São Paulo ainda mais severa do que a fase vermelha. Embora fossem as mais rigorosas até então, as medidas da fase vermelha não puderam deter o vertiginoso crescimento do número de casos e mortes no Estado.

O Palácio dos Bandeirantes decidiu chamar o novo pacote de medidas de fase emergencial, sem alusão a cores, o que mostra quão grave é a situação do Estado. Trata-se, de fato, de uma situação de emergência, de vida ou morte.

A fase emergencial valerá de 15 a 30 de março e implicará a paralisação das atividades escolares, o fechamento de lojas de materiais de construção, restrições de retirada de pedidos em bares e restaurantes (o chamado “take away”), suspensão de atividades esportivas coletivas, como os jogos de futebol do Campeonato Paulista, e de celebrações religiosas que gerem aglomeração de fiéis.

O objetivo do governo paulista é aumentar o porcentual de isolamento social na fase emergencial para um patamar superior a 50%, considerado pelas autoridades sanitárias o mínimo necessário para deter o avanço do vírus. Estima-se que neste período de 15 dias cerca de 4 milhões de pessoas sairão das ruas.

É de suma importância que cada cidadão se una ao esforço coletivo de frear a disseminação do coronavírus em sua cidade, no seu Estado, no País. Por melhores e bem-intencionadas que sejam as medidas determinadas pelos governos nas três esferas, de nada elas valerão se a população não se engajar firmemente no seu cumprimento. Ao poder público, por sua vez, cabe fiscalizar com máximo rigor a observância às determinações legais.

Espera-se que atos de força jamais tenham de se sobrepor à consciência cidadã. Diante de um quadro tão terrível, a união dos cidadãos é vital para salvar vidas, como bem disse o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn. E até que a vacinação deslanche, devemos contar uns com os outros. 

Alerta máximo – Opinião / Folha de S. Paulo

Cabe ao cidadão redobrar cuidado na pandemia; a governantes, oferecer vacina já

Os números da marcha da Covid-19 sobre o Brasil não deixam margem para dúvida, titubeio ou tergiversação: o país atravessa a pior fase da pandemia. Com o registro de mais de 2.000 mortes num único dia, as autoridades se veem forçadas a tomar medidas mais duras para conter a epidemia.

Trata-se, sem dúvida, de sacrifícios para a população —necessários, no entanto, para que se evite uma catástrofe maior enquanto a vacinação não avança o suficiente para a superação da crise.

média móvel de mortes diárias (1.705) nos posiciona no epicentro da pandemia. Os EUA, que chegaram a ultrapassar o patamar de 3.000 óbitos diários, recuaram para 1.437 em média; convém lembrar que a população americana é pelo menos 50% maior que a brasileira.

A cifra de novos casos também nos dá a dianteira desonrosa, com 69,7 mil infecções diárias, contra 57,4 mil entre americanos.

Mais grave, vacinamos na quarta-feira (10) meros 277 mil brasileiros, sendo que em campanhas de imunização contra a gripe o SUS conseguia marcas na casa de 1 milhão de injeções diárias. Para comparação, os EUA imunizaram na mesma data 2,17 milhões de cidadãos.

Só o presidente Jair Bolsonaro ainda tenta minimizar as estatísticas trágicas, mesmo quando adere repentinamente ao uso de máscaras e posa de prócer da vacinação após um ano inteiro a sabotá-la.

Governadores acossados pela onda de internações se adaptam como podem à balbúrdia capitaneada por Bolsonaro e seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

Como o atordoado militar a cada instante dá previsões díspares de fornecimento de vacinas, já se organizam em paralelo para tentar suprir as doses de imunizantes que o governo federal não cuidou de garantir no tempo devido.

Em carta ao Congresso, governantes de 21 unidades da Federação pleiteiam que parlamentares preencham o vácuo deixado pela Presidência e liderem um pacto nacional pela vida e pela saúde.

Pedem a criação de um comitê nacional com representação dos três Poderes e dos três níveis de administração, assessorado por especialistas, para prover a coordenação solapada pelo governo federal.

Não haverá surpresa se tal iniciativa —louvável, em seu valor de face— estiolar-se em infindáveis disputas por verbas e protagonismo.

É lamentável que seis governadores não tenham aderido a ela, sintoma de que a gravidade do flagelo não se impôs a parte significativa da classe política, incluindo líderes do Congresso Nacional, de atuação demasiado tímida.

Em Araraquara (SP), a prefeitura recorreu a um lockdown e conseguiu reverter a onda macabra de mortes. A maioria das cidades não necessitará chegar a tal extremo, mas só se as respectivas administrações não prevaricarem.

O governador paulista, João Doria (PSDB), aquiesceu aos apelos dos epidemiologistas e reverteu exceções antes abertas para atividades como cultos e jogos de futebol. Reconheceu, felizmente, que um líder verdadeiro não pode temer a impopularidade quando se trata de salvar vidas.

Até o presidente Bolsonaro, embora distante de uma guinada no comportamento criminoso diante da epidemia, por vezes parece entrever que poderá ser responsabilizado pela mortandade.

Os brasileiros, se quiserem viver, precisam dar-lhe as costas e o exemplo para fazer o que se deve: recolher-se em casa, usar máscaras e exigir vacinas o quanto antes.

As restrições são necessárias e bem-vindas neste momento, mas serão paliativo se a frente da vacinação não avançar. É preciso imunização já, para todos.

Gatilhos da PEC Emergencial são insuficientes – Opinião / O Globo

A aprovação da PEC Emergencial é sem dúvida uma boa notícia, por assegurar auxílio aos atingidos pela pandemia e por criar mecanismos mais claros para o controle fiscal. Ao mesmo tempo, a tramitação refletiu bem o descompromisso de parte do Congresso e do Planalto com o equilíbrio das contas públicas. Não é aceitável que o núcleo do governo tenha deixado de atuar com firmeza para evitar a desidratação que resultou numa PEC mais fraca do que a necessária não só para a manutenção da disciplina fiscal, mas também de regras mais justas na gestão do funcionalismo.

Os gatilhos previstos no texto original, acionados quando os gastos públicos atingissem patamares críticos, teriam permitido compensar de maneira mais eficaz, ao longo do tempo, o crescimento das despesas, inevitável com o recrudescimento da pandemia. O governo preferiu patrocinar acordos cujo resultado foi reduzir as contrapartidas à volta do auxílio emergencial aos mais pobres. Permitirá, dessa forma, uma deterioração maior na situação fiscal, como se já não bastasse a previsão de um déficit de R$ 250 bilhões para este ano, feita antes do agravamento da pandemia, somado aos R$ 44 bilhões destinados ao novo auxílio emergencial, que o Congresso decidiu estipular por fora de qualquer âncora de controle fiscal.

É certo que o quadro social requeria velocidade na aprovação da PEC. Mas o Planalto poderia ter sido mais ativo na proteção das finanças públicas, se o presidente também não enxergasse tantos dividendos político-eleitorais no auxílio. O Congresso já havia acenado com a desidratação no final do ano passado, quando circulou uma versão da apreciação do projeto pelo relator no Senado, Márcio Bittar (MDB-AC). Houve pressões do Ministério da Economia, restabeleceu-se o texto anterior. Mas já se sentia um prenúncio do que aconteceria no final da tramitação da emenda.

No Senado, os gatilhos foram atenuados. Retirou-se a possibilidade de cortar 25% nos salários do funcionalismo, com correspondente redução da jornada, quando as despesas obrigatórias ultrapassassem 95% das receitas (medida a que foram submetidos funcionários da iniciativa privada no ano passado). Manteve-se ao menos, durante a emergência, a suspensão de promoções e progressão automática de carreira, regalia peculiar do mundo à parte em que vivem os servidores. O compromisso da Câmara era aprovar o texto recebido do Senado, mas ele não foi cumprido. A medida foi retirada ontem da PEC. Só foi mantido o congelamento salarial durante a emergência. Como resultado, os servidores passarão praticamente incólumes pela maior crise da história do país, causada pela pandemia.

O impacto fiscal da crise será, portanto, maior. Não porque, nesta PEC, Legislativo e Executivo tenham decidido destinar mais dinheiro aos necessitados, criar novas linhas de crédito para salvar negócios ou investir recursos no atendimento de saúde ou em vacinas. Mas porque foram tímidos no compromisso com o equilíbrio fiscal e não souberam (ou não quiseram) reunir a força política necessária para reduzir regalias e enfrentar privilégios. Mesmo com o alastramento sem controle do vírus que já matou mais de 270 mil e empurra mais gente para a pobreza absoluta. A piora no quadro fiscal retardará a volta do crescimento, dos empregos e ampliará ainda mais a miséria. 

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